Álvaro dos Santos: Por que em São Paulo falta água e há enchentes?

Tempo de leitura: 3 min

enchente são paulo 1 de janeiro de 2015

cantareira

CANTAREIRA E ENCHENTES: NOSSO PARADOXO HÍDRICO

por Álvaro Rodrigues Santos, no EcoDebate, via e-mail

Nesse final de ano, a população paulistana sofre os graves efeitos de um verdadeiro paradoxo hídrico, uma crise de fornecimento de água tratada por decorrência do esgotamento de seus sistemas de captação e o retorno do flagelo das enchentes urbanas por decorrência do fracasso dos programas que vêm sendo adotados para seu combate.

Quanto à crise de fornecimento, a atual escassez sazonal de chuvas trouxe à tona a insuficiência e a vulnerabilidade de todo um modelo de gestão de recursos hídricos destinado ao abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo, desde a boa quantificação e operação dos sistemas de captação, passando por um eficiente sistema de redução de perdas em adução e distribuição, a coibição da poluição de recursos hídricos, até à assimilação cultural da necessidade dos cuidados na parcimônia do uso e na prática do reuso.

Mostrou-se nesse episódio assustadoramente preocupante a incapacidade das principais entidades responsáveis, SABESP e DAEE, em trabalhar coerentemente em programas de longo, médio e curto prazos.

Decisões que já deveriam ser tratadas desde há muito como definitivas e em implementação, aparecem em uma crise dessas ainda como pontos de discordância ou mera especulação, a ponto de sugerir como mais aconselhável conduta de governo a total falta de transparência, e portanto de respeito, com a população.

Pelo contrário, entidades e instâncias que foram filosoficamente criadas para possibilitar o constante debate e a participação opinativa da sociedade sofreram, ao longo dos anos, ações orientadas de desarticulação e desmerecimento.

Que ao menos se extraia a melhor lição para esse caso: o macro planejamento do uso de nossos recursos hídricos não pode ficar sob a responsabilidade das diretorias de empresas e instituições que atuam no setor, mas sim ser objeto de Conselho Gestor especificamente constituído para esse fim, em cuja composição estejam os melhores e mais reconhecidos técnicos que o Estado conte nesse campo disciplinar.

No caso das enchentes, é imperativo que o governo estadual corajosamente reconheça o flagrante fracasso técnico dos programas de combate às enchentes que vêm sendo insistentemente adotados.

As enchentes estão se mostrando a cada dia mais frequentes, mais abrangentes e mais trágicas.

É preciso deslocar seu combate para o real enfrentamento de sua principal causa, qual seja a incapacidade da cidade reter uma considerável parte de suas águas de chuva, ao invés de lançá-las a cada vez em maiores volumes e em tempos sucessivamente menores sobre um sistema de drenagem (córregos, rios, bueiros, galerias, canais…) progressivamente incapaz de lhe dar a devida vazão.

Drenagens agravantemente submetidas a um intenso assoreamento por sedimentos, lixo e entulhos de construção civil.

As medidas que têm a propriedade de atacar diretamente essas causas vêm sendo seguidamente relegadas em benefício de ações exclusivas na ampliação das calhas de nossos grandes rios e na instalação dos odiosos e deletérios piscinões.

Enfim, a expressão dramática desse temerário paradoxo, crise hídrica e enchentes, está mais do que nunca a exigir de nosso governador atos de coragem, que signifiquem sua radical decisão de atender a sociedade e romper com práticas provadamente perdedoras.

Geólogo Álvaro dos Santos é ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia. É Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, Manual Básico para Elaboração e Uso da Carta Geotécnica”

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Comentários

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Maurilio Gadelha

DIVIDENDOS EM NEW IORQUE – O que é melhor para os gestores paulista: Agua para todos incluindo os pobres ou abastecer os iangues de gordos lucros da SABESP? Certtamente a agua acumulada na grande metropole seria transferida para o Cantareira através de um cano, como de Sergipe ao Ceará, facin, facin.

Fabio Silva

Bom, mesmo que tivéssemos ampla cobertura por reservatórios, e ainda que todas as medidas contra enchentes tivessem sido tomadas, isso não impediria os desastres que estamos vendo. Claro, não tenho dúvida de que os mais pobres, sempre os mais atingidos, não estariam em situação tão degradante. E o problema é justamente esse: a parcela da população com menos recursos é atingida tanto pela má gestão (má no sentido de vil) quanto por outro problema que parte da esquerda ainda insiste em ignorar – a causa desses desastres, que é a mudança climática. Não podemos nos dar o luxo de fazer da análise de conjuntura guerra partidária, atacando só o que interessa no imediato. Aliás, talvez a questão seja mesmo fazer guerra partidária, afinal, faz parte do ideário de esquerda e progressista a solidariedade com outros povos e com o futuro da humanidade. Que eu me lembre, preocupação com elegibilidade em detrimento da vida das pessoas era o fundamento das práticas dos partidos de direita.

Francisco

A prova insofismável de que a falta de água em São Paulo é fruto de gestão incompetente, é que quem tem balde, tem água, pois chove.

Quem se fia na Cantareira (um balde mega) não tem…

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