A guerra desembestada

Tempo de leitura: 3 min

O affair McChrystal, general desembestado
23/6/2010, Norman Solomon, Huffington Post

Traduzido por Caia Fittipaldi

Troca-se o motorista, com o carro está derrapando. Trocam-se os generais, Petraeus assume o comando geral no Afeganistão; e o esforço de guerra dos EUA prossegue, só carnificina e futilidade.

Nas entrelinhas, tudo já estava escrito. Horas antes de o general Stanley McChrystal apresentar-se ao presidente Obama na 4ª-feira, o New York Times noticiava que “a fuzilaria está sendo alimentada por dúvidas crescentes – também entre os militares –, sobre se é possível vencer no Afeganistão, ao mesmo tempo em que encolhe o apoio da população àquela guerra de nove anos; e cresce como nunca o número de mortos norte-americanos.”

Pouca diferença faz agora, para McChrystal, que os jornais tanto tenham falado dos seus hábitos pessoais espartanos (praticamente nem come nem dorme), da energia física (corre freneticamente) e dos sucessos acadêmicos (lê História) e militares. Não há indivíduo insubstituível.

McChrystal é estrela cadente há muito tempo. Alguns dias antes de a matéria de Rolling Stone acelerar a queda repentina dos píncaros da glória de fazedor de guerras, Joe Klein, com a sabedoria convencional do Time Magazine, já não usava meias palavras, ao avaliar os resultados obtidos por McChrystal: “Seis meses depois de Barack Obama ter anunciado sua nova estratégia para o Afeganistão em discurso em West Point, a estratégia continua em sinuca [ing. stymied].”

Essas expressões, “em sinuca” e “num beco sem saída” [ing. stalemate], têm sido frequentemente usadas em referência à guerra do Afeganistão. O que de modo algum significa que os militares norte-americanos considerem a retirada.

Walter Cronkite usou a expressão “beco sem saída” em famoso comentário, aos telespectadores da rede CBS, em fevereiro de 1968, pela rede CBS, quando disse que já era impossível, para os EUA, vencer a guerra do Vietnã. “Temos nos frustrado já vezes demais pelo otimismo dos líderes norte-americanos, no Vietnã e em Washington, para continuar acreditando nos tons prateados que eles veem até nas nuvens mais escuras” – disse Cronkite.

E continuou: “Já parece impossível não ver que a sangrenta experiência do Vietnã acabará num beco sem saída.”

Vendo ou não vendo o beco sem saída, a guerra dos EUA no Vietnã prosseguiu por outros cinco anos depois daquele comentário, gerando horrores e mais horrores indizíveis em escala vastíssima.

Como milhares de outros ativistas norte-americanos, tenho alertado para a escalada da guerra do Afeganistão já há muito tempo. Cresceu a oposição à guerra, mas a situação hoje não é muito diferente da que descrevi em artigo de 9/12/2008: “Há, implícita na panaceia receitada pelos especialistas em política externa nos EUA, uma fé monolítica na massiva capacidade do Pentágono para produzir violência e infligir sofrimento. E o eco responde: a guerra do Afeganistão bem vale o preço que outros pagarão.”

Os eventos mais recentes refletem as regras não escritas que regem os comandos militares: tudo bem, se você quiser aprofundar uma matança horrenda. Mas nem pense em falar mal do comandante-em-chefe!

Fato é que os aspectos mais profundos do artigo “The Runaway General” [O general desembestado] da revista Rolling Stone pouco têm a ver com o general. O ponto de partida é – ou deveria ser – que a guerra dos EUA no Afeganistão é desastre sem solução; por mais que sejam insaciáveis os argumentos dos militares que aumentam, dia a dia, o desastre.

“Em vez de iniciarem a retirada ano que vem, como Obama prometeu, os militares insistem em levar adiante aquela campanha de contraguerrilha, e cada vez maior” – lê-se em Rolling Stone. E “a contraguerrilha só conseguiu criar demanda perpétua pelo único produto primário que os militares sempre têm para vender: guerra perpétua.”

Há um tom lamentoso e sombriamente patético nas últimas palavras do editorial do New York Times que chegou aos lares e gabinetes poucas horas antes de o general enfrentar o comandante-em-chefe: “Seja o que for que decida fazer com o General McChrystal, é indispensável que o presidente Obama assuma imediatamente o controle de sua política para o Afeganistão.”

Como inúmeros outros veículos de mídia em todo o país, o conselho editorial do Times continua agarrado ao sonho da guerra antiguerrilhas universal comandada pelos EUA. (…)

Houve furiosa discussão sobre a demissão de um general desembestado terminal. Mas falta ainda, desesperadamente, por fim àquela guerra desembestada.

O artigo original, em inglês, pode ser lido dando um Google em: From Great Man to Great Screwup: Behind the McChrystal Uproar


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Comentários

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MIlton Hayek

Esse soldado morreu dois dias depois desse discurso.Dizem que foi "ataque cardíaco".Vocês duvidam que ele foi "suicidado'???O IV Reich já manda navios para a costa do Irã e matará milhões de pessoas como matou 1 milhão e 500 mil pessoas no Iraque(dados da ONU):

[youtube JFOmnAjk1EQ http://www.youtube.com/watch?v=JFOmnAjk1EQ youtube]

João Carlos

Estive refletindo sobre esta "crise" entre generais e governo imperialista e cheguei à conclusão que a ganância do complexo industrial-militar americano é, atualmente, a pior ameaça à humanidade que enfrentamos.

O Afeganistão e os impérios | ESTADO ANARQUISTA

[…] A guerra desembestada, pelo Viomundo […]

DUDU

A atitude dos eua parece aqueles filmes de couboy de 3ª qualidade.
O sujeito (Irã) está quieto no balcão bebendo seu uisque, entra o bandido (eua) e começa a provocá-lo.
Junto ao"bandido", seu cachorro louco (israel), pronto para atirar pelas costas!
Outros asseclas (europa) ficvam esperando para ver o frio assassinato!
Esse é o espetáculo que o congresso norte-americano acaba de nos apresentar: mais uma sanção contra o Irã.
Parem para pensar um pouco!
Admitamos, só para argumentar, que o Irã consiga fazer UMA bomba atômica!!!
Os eua tem 5.000; Russia tem 3.000, israel tem 200…
O que o Irã iria fazer com uma bombinha só?
A desproporção é tamanha que leva a pensar que a provocação é para inventar mais uma guerra, alimento da economia norte-americana.
Assassinos, frios assassinos!!!

Leider_Lincoln

Do Afeganistão saíram os mogóis derrotados para a ruína; foi onde os britânicos foram humilhados, e saíram com seu Império para a ruína (por mais que Rudiard Kipling tentasse poetizar a catástrofe); foi do Afeganistão que os soviéticos saíram humilhados para a sua ruína e agora, em menos de 250 anos, está lá o quarto império sendo humilhado e pavimentando seu próprio caminho para o próprio desastre…

Nelson

Meu caro Hans Bintje. Creio que o que você está propondo é uma heresia aos olhos dos grandes caitalistas que dominam a economia mundial, pois poderia se transformar em uma oportunidade de os agricultores afegãos decretarem sua libertação definitiva e, assim, poderem realmente saciar sua fome e a de seus conterrâneos.
E não é isso que as mega empresas da agricultura e da química estadunidenses e de outras partes do mundo querem. Como é que elas iriam manter a expansão de seus lucros se os agricultores desse nosso planeta começassem a se libertar de suas sementes híbridas, transgênicas, etc.? Afinal, a agricultura se transformou, atualmente, em uma das mais poderosas formas de dominação dos países ricos sobre os pobres.
Ah! E os mais de US$ 900 bilhões em riqueza mineral que teriam sido "descobertos" no Afeganistão, supostamente só agora, pelos pesquisadores dos EUA? Uma vez decretada a libertação na área agrícola/alimentar, os afegãos, certamente, iriam querer libertar-se também em outras áreas.
Será que o grande capital estadunidense está disposto a deixar que isso aconteça e se ver obrigado a abandonar tamanha riqueza?

    Hans Bintje

    Nelson disse: "Será que o grande capital estadunidense está disposto a deixar que isso aconteça e se ver obrigado a abandonar tamanha riqueza?"

    Vamos trabalhar com o número – US$ 900 bilhões – e a hipótese mais desfavorável para os EUA, que os afegãos criem uma empresa estatal para administrar a riqueza mineral do país.

    Ainda assim eles ganham. Basta pensar em alguns poucos – a lista real é bem extensa – itens relevantes:

    1) No fornecimento de equipamentos e tecnologia para extração e pré-processamento de minérios;

    2) Nas operações financeiras ligadas à abertura e operação das minas e das fábricas, bem como nas atividades de exportação de minérios e importação de equipamentos de extração;

    3) No giro comercial provocado pelo pagamento de salários aos trabalhadores, na compra de alimentos e outros bens, como materiais de construção e tudo o que for minimamente necessário para equipar as casas dos afegãos;

    4) Na construção de infra-estrutura, estradas, rede elétrica, fornecimento de água para as cidades.

    Isso sem falar nos gastos com educação, lazer e divertimento. Sim, a criançada afegã também vai querer ver o filme estadunidense "Toy Story 3", tanto quanto a brasileira, tailandesa ou espanhola!

monge scéptico

A onu deveria ser o únicoo orgâo, a poder questionar o sistema político de qualquer nação, que pratique
internamente, atentados contra seu próprio povo. Hoje a onu não tem mais autoridade e, reflete apenas
o que é ditado pela USA. Se saissem de lá, e deixassem deixasse o povo afegão resolver seus problemas
por si, talvez num dado momento, o bom senso se impusesse e a paz seria feita dentro dos moldes do que
acreditam ser ocerto etc………………………

monge scéptico

è um dia para ficar na história do BRASIL. Anunciantes tremei. Inteiramente aprovado e recomendado. Como não
vejo globo, recomendo que também o façam pelo menos por um dia

FatimaBahia

Seu post parece brincadeira,é claro que o Azenha não quer e não ocuparia essa posição,mas a idéia e proposta,considero perfeitas!

    Hans Bintje

    Se você ainda não viu, recomendo assistir o programa do Azenha sobre Gana. Os líderes tribais afegãos ficariam malucos se vissem aquele material, o olhar de respeito com as populações africanas, e perguntariam:

    – Dá para fazer igual por aqui?

Tiago

Embora me oponha a este conflito (como qualquer outra guerra), não considero o ideal as tropas americanas apenas abandonarem o país neste momento. O Afeganistão vive em estado de guerra há trinta anos. E mesmo antes da invasão americana, o país era governado por um regime cruel e tirânico. De que adianta decretarem a "vitória" nesse momento, e o Taleban voltar ao comando daqui a seis meses?Acredito que é responsabilidade americana devolver o país às suas instituições. Enquanto o próprio governo afegão não for suficientemente forte para resolver seus próprios problemas internos, a guerra continuará, e com ela, o sofrimento do povo afegão.

    marcos santos

    Tiago,

    O Afeganistão, ou o cinturão sem lei das regiões tribais do paquistão, estão em guerra, se quizermos nos guiar pela historiografia ocidental, desde o século XIX, contra os ingleses. A estrutura social baseada em tribos e senhores de guerra é uma expressão da geografia conflito nessa região.
    E o conflito nessa região é muito antigo.

    Varios senhores da guerra imperiais passaram por lá. Os macedônios, com Alexandre, os Ingleses, os Russos, e agora os Americanos.

    Melhor seria reconhecer o fracasso e se retirar !

    Tiago

    Você tem razão. Apenas me corrigindo quando me referi aos "trinta anos de guerra", citava os fatos históricos a partir da invasão russa, pois como você disse o país sempre foi um barril de pólvora. Enfim, embora concorde que você está correto quanto aos aspectos geopolíticos do país, continuo achando que "reconhecer o fracasso e se retirar" não é a melhor solução. Embora a situação pré-invasão americana já fosse terrível, o atual caos e inexistência de governo foi causado pelos americanos, portanto, acredito que é responsabilidade deles resolverem a situação. Ou seria. Como sabemos, os americanos pouco se importam com o país. E novamente, o povo afegão é quem sofre mais.

DUDU

Os estadunidenses são os vampiros da humanidade.
Eles precisam de sangue para fazer sua indústria bélica funcionar. Esta, se parar eles quebram.
Esse império sórdido e covarde conseguiu, até agora, tão somente ser odiado no mundo todo.
Existe algo mais constrangedor do que você saber que não é benvindo em lugar nenhum?
Ah, mas não importa. Eles querem controlar o mundo inteiro! Não conseguirão, pois já estão quebrados!
Eu estou ajudando na quebradeira deles. Não compro nada que venha de lá.

Hans Bintje

Tirem o general Stanley McChrystal e mandem o Azenha para o Afeganistão!

Parece brincadeira, mas eu estou falando sério. A primeira atitude seria passar para os líderes tribais afegãos uma cópia do vídeo sobre Gana, que "é o centro de irradiação na África das tecnologias desenvolvidas no Brasil pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa. (…) Que traz vantagens para o Brasil e para os paises africanos."

O Luis Nassif já tratou desse assunto – a Embrapa no Afeganistão – de maneira brilhante e o Azenha mostrou como isso pode funcionar, na prática, exibindo a experiência bem sucedida na África.

Os líderes tribais vão estranhar o discurso:

– Isso quer dizer que, pela primeira vez em décadas, não vão voar bombas em cima da cabeça da gente? E ainda vamos ter comida?

É basicamente isso.

Num segundo momento, o discurso vai tratar de programas como "Bolsa Família", "Minha Cabana, Minha Vida" e outras iniciativas para melhorar a vida do povo afegão.

Aí o Azenha se torna o rei do país!

    toni gatto

    Pô Hans, desta vez vc , sempre tão comedido e ilustrado, se superou. Pena que o Azenha vá ter tanto trabalho que ficará anos sem dar aa caras por aqui, mesmo que eletronicamente. Agora ser rei e pegar no batente, nem pensar… Acho que ele declinará do cetro!!!

    Hans Bintje

    toni gatto:

    O que o Azenha não pode fazer, de jeito nenhum, é tentar conquistar uma mulher nativa de lá.

    É o que mostra o filme "The Man Who Would Be King" ("O homem que queria ser rei"), 1975, baseado na obra de Rudyard Kipling, dirigido por John Huston.

    A wikipedia publicou uma sinopse desse filme ( http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Man_Who_Would_Be… ):

    "Narrado em flashback por um velho aparentemente perturbado (Michael Caine) a Rudyard Kipling (Christopher Plummer), na redação de seu jornal, o filme conta a história de dois rudes ex-soldados britânicos, expulsos do exército, que no século XIX se dirigem à Índia, então sob domínio da Grã-Bretanha, em busca de aventuras e riqueza e acabam se tornando reis do povo da longínqua e inexplorada região do Cafiristão, onde nenhum homem branco havia posto os pés desde Alexandre, o Grande e depois perdem tudo, inclusive, um deles, a vida.

    Considerados seres divinos pelos habitantes locais, após Daniel Dravot (Sean Connery) ser ferido em batalha por uma flecha no peito e nem sangrar nem morrer (a flecha na verdade entrou numa bandoleira de couro que ele usava embaixo da roupa) os dois usufruem a realeza lhes concedida pela população, até serem desmascarados pela noiva escolhida para Drevot, a linda nativa Roxana (papel feito pela esposa marroquina de Caine, Shakira) que morde Drevot na noite de núpcias se negando a ser possuída e mostra a todos que ele pode sangrar, não sendo então uma divindade.

    O velho que conta a história a Kipling é Peachey Carnehan, o sobrevivente da aventura."

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