Com “ame-o ou deixe-o” da ditadura, Temer ameaça coesão social com a PEC do arrocho

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Ilustração acima parcialmente do Tijolaço: a campanha da Empiricus pela PEC do Arrocho, em apoio ao governo Temer, se parece com a feita durante a ditadura militar, com apoio da multinacional norte-americana Texaco: “Brasil, ame-o ou deixe-o”; era o ditador Médici, que como Temer promoveu campanha publicitária com tons fascistas — incluiu o hit da dupla Dom e Ravel cujo refrão era “eu te amo, meu Brasil, eu te amo”.

O novo regime fiscal contra a coesão social

Por Marcelo Nerling*

Falamos da PEC 241/2016.

A regra em tela, ‘emenda’ as Disposições Transitórias.

O ‘novo regime’, no caso, o ‘regime fiscal’, é uma ponte para o passado.

A técnica legislativa altera as velhas regras de transição, uma transição do antigo regime que saiu pela porta e segue voltando pelas janelas.

Raiz e projeto de crises políticas, apropriadas à vendilhões e lesa pátria, mantem o ‘velho regime’, é o Estado de direito em detrimento do Estado Democrático de Direito.

Na técnica jurídico-política, o que está em jogo é o apontamento sobre formas de pensar e dirigir intelectual e moralmente a sociedade em meio a um quadro de ‘agudo desequilíbrio fiscal’.

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A mudança de rumo nas contas públicas – gastos e dívida pública – em meio a ‘crise fiscal’, se diz necessária para recolocar a economia em trajetória de crescimento e com isso gerar emprego e renda.

O problema central, para o governo, é a deterioração do ‘resultado primário’, que gerou um déficit alardeado de R$ 170 bilhões, que pressiona a ‘dívida pública’ brasileira, que passou de 51,7% do PIB, em 2013, para 67,5% do PIB em abril de 2016, e que já consome 1 trilhão de reais ano do orçamento federal, ou seja, mais do que 43% do orçamento federal.

Não há consenso sobre estatísticas fiscais, mas os instrumentos do ‘sistema’, a mão visível, os ‘prêmios de risco’, a ‘perda de confiança’, as ‘altas taxas de juro’ – mais de 400% a.a. em algumas linhas de crédito –, são vetores que ‘deprimem os investimentos’ e a ‘confiança’ dos investidores, comprometendo a capacidade de crescimento da economia e o aumento da arrecadação.

Para despertar investimentos, o governo Temer elege como centro do problema fiscal o ‘crescimento acelerado da despesa pública primária’ (Mansueto, 2012).

O epicentro da crise estaria na imprudência do período de 2008-2015, quando a despesa pública primária cresceu 51% acima da inflação enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%.

O remédio do governo é ‘estabilizar o crescimento da despesa primária, como instrumento para conter a expansão da dívida pública’.

Para a Equipe do Prof. Temer, a política constitucional e legal brasileira é ‘procíclica’ – cresce quando a economia cresce e vice-versa –, e o governo estimula a economia quando ela está crescendo e promove ajuste fiscal quando está em recessão.

Porém, utilizar uma ‘meta de resultados primários como âncora da política fiscal’ é uma estratégia que deveria estar na mesa junto com outras estratégias possíveis – debater com profundidade a despesa financeira; despesas do ‘Projeto Piloto de Investimentos Públicos’; as despesas do orçamento de investimentos públicos; despesa de investimento em empresas estatais.

O indicador do governo aponta para o problema das ‘despesas primárias’ – obrigatória e discricionária –, aquelas que pressionam o resultado primário, alterando o endividamento líquido do governo (setor público não financeiro) no exercício financeiro correspondente.

O governo, nas justificativas, aponta para adoção, no futuro, de uma ‘meta ainda mais ambiciosa: corrigir o limite pela inflação futura esperada’, reduzindo a ‘memória inflacionária’ e ‘coordenar expectativas’.

Pelo momento, o governo pretende elevar a ‘previsibilidade da política fiscal’ evitando o aumento de gastos nas ‘despesas primárias’, pressionando para baixo e corrigindo os indicadores financeiros com o IPCA/IBGE, dentro de um ‘ciclo econômico’ de 20 anos.

Essa direção intelectual foge da política econômica tradicional, que normalmente indexa ao PIB ou a Receita os valores de correção e dos gastos primários, ou apoiam-se no endividamento esperando tempos melhores, ciclos mais prósperos e o normal é apontar um processo para uma legislatura e não para cinco planos plurianuais, o que mostra estarmos diante de uma política fiscal que promove um choque e uma mudança na preferência da sociedade.

Pressionar o resultado primário a partir de uma política fiscal afastada das práticas internacionais pode nos levar à asfixia financeira do Estado, à redução de sua capacidade distributiva, reparadora de injustiças por meio da transferência de renda para aplacar as desigualdades e fortalecer os serviços públicos.

Um estudo recente (Chernavski, Dubeux, 2016) mostra que andamos no caminho contrário da maioria dos emergentes, um caminho que inviabiliza o Estado de bem-estar social, um retrocesso no nosso modelo de sociedade: a fórmula proposta pelo governo Temer, aplicada em projeção do passado, no período 1996-2016, tem como resultado um indicador de menos 55% nos gastos com saúde.

Adotada a fórmula originalmente proposta, em 20 anos estaremos gastando 1,5% do PIB com a saúde pública brasileira.

O abandono da prudência fiscal ataca a gestão ineficiente da despesa primária como problema originário da atual situação fiscal.

Essa conta consome entre 14-20% do orçamento federal. Ela é real, mas não é a única variável do jogo.

Centrar toda força das medidas impopulares apenas nesse eixo nos parece pouco republicano.

O caminho único apontado, o superávit primário para fazer parar de crescer a dívida pública que deve estar perto de R$ 2,8 trilhões em 2018, também mereceria um debate conjunto com as variáveis do controle da inflação, ‘renegociação’, ‘moratória’, porém, esses seguem sendo os velhos dogmas, as verdades a priori, imunizadas, não sujeitas à prova, porque ‘apocalípticas’.

Então, que pague o Povo e não quem especula com a moeda, quem ataca a soberania econômica de um povo com mais de duzentos milhões de habitantes, a nona economia do mundo, que já chegou a ser a sexta há cinco anos passados.

Comprometer os próximos vinte anos em um ‘regime’ é temerário para o que nos cumpre viver e compromete as bases da geração dos que nos sucedem.

Urge avaliar e pensar sobre os remédios propostos, sobremaneira quando mantém o privilégio de poucos em detrimento das políticas sociais garantidoras da coesão social.

*Professor de direito financeiro no Curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo.

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