Dalva Garcia, sobre o Novo Ensino Médio: Nenhuma boa notícia sob o sol, a não ser cansaço e desesperança

Tempo de leitura: 3 min
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Por Dalva Garcia

Nada de novo sob o sol

Por Dalva Garcia*

Tenho acompanhado com certo interesse as repercussões do desastre anunciado acerca das mudanças do Novo Ensino Médio, que atende pela alcunha de NEM.

Como todos os desastres anunciados, frutos do descaso do poder público, choramos tarde demais as consequências do que se costuma designar “acidente”.

Variadas têm sido as explicações: falta de professor, falta de formação do professor para a revolução educacional, despreparo de sistemas de ensino ultrapassados, período necessário de adaptação para mudanças futuras inovadoras na área educacional…

Não iria estranhar se aparecesse um neologismo qualquer para justificar o injustificável.

O fato é que desde a década de 80 do século passado se discute as indefinições dos objetivos do Ensino Médio.

Até os anos de chumbo da ditadura essa era uma etapa do que chamamos hoje de básico, que não era nada básica. Etapa de educação a que tinha acesso a elite bem nutrida do país.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 5.692 que se fez de democrática em plena ditadura resolveu alterar isso: ensino médio técnico para filhos de trabalhadores analfabetos.

A demanda do processo de implantação de multinacionais instaladas no país exigia algo da educação.

Mesmo que a sempre constante farsa democrática. O resultado de uma educação tecnicista capenga se escancarou na década de 80.

Nem a elite tinha estofo para o curso universitário, nem o futuro trabalhador tinha preparação mínima para suas funções. Analfabetismo funcional foi o neologismo criado. Era preciso combatê- lo.

Pedagogia de projetos, construtivismo e outros ismos afloraram no discurso educacional como possíveis maneiras de remediar o estrago.

A nova LDB deu sinais obtusos só na década de 90. É também no final dos anos 90 e início do ” milenium” que o chamado terceiro setor avança suas garras sobre a educação.

Todos parecem poder fazer mágica, desde que ganhem licitações e financiamentos gordos. Cartilhas, publicações que agitam o mercado editorial, vídeos educacionais, canais de Tv, etc e tal.

Considero ainda cedo para avaliar essa parafernália…

Teve efeitos noviços e outros nem tanto. Mas é preciso reconhecer que as políticas educacionais é que mudaram um pouquinho a face do país.

Filhos de trabalhadores analfabetos em pesquisa no exterior, através do Programa Ciência sem Fronteiras, alunos de periferia frequentando as recém-criadas Universidades Federais. Alunos de ensino médio protagonizando protestos de dimensão nacional.

Era preciso estancar a sangria. Novos neologismos: as áreas do conhecimento e suas tecnologias. Educação integral, ou melhor, de período integral para evitar a rua, quiça, os possíveis protestos.

A agenda de ” projetos de vida” calcados no que se denominou ” pedagogia ativa” , pró-atividade do jovem empreendedor.

Mas nada disso foi suficiente. Era preciso uma canetada fatal: o decreto de um presidente interino. E eis o novo que parecia ser uma boa novidade.

Mas as novidades envelhecem rápido. Na maioria deste país alunos terminando o Ensino Médio percebem o engano.

Currículos de expansão de escolhas de jovens não respeitadas, cardápio de itinerários educativos que levam à subnutrição do conhecimento e a pior crise financeira, que leva ao subemprego ou desemprego.

Deixemos então de hipocrisia. É mais do que hora de se admitir o erro e revogar esse Novo Ensino Médio.

Antes que o estrago seja maior.

Antes que a novidade se desgaste no mercado educacional de discursos vazios que sequer as crianças podem acreditar.

De fato, não há nada de novo sob o sol. A não ser o cansaço e a falta de esperança.

*Dalva Garcia é professora de Filosofia na rede pública de São Paulo.

Leia também:

Dalva Garcia: Sonhado por todos que amam verde, arte, teatro e música, o Parque do Bixiga está ameaçado

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Dalva Garcia

Professora de filosofia da rede pública de São Paulo.


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Comentários

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Zé Maria

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O tal NEM é o CAOS!
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“Com Disciplinas Fake, Reforma do Ensino Médio é um Desastre!”
“REVOGAÇÃO JÁ!”

“Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os impotentes
significa ficar do lado dos poderosos, não ser neutro.
O Educador tem o dever de não ser neutro.”

PAULO FREIRE
Em “Pedagogia da Indignação:
Cartas Pedagógicas e Outros Escritos”
(São Paulo: Unesp, 2000).

Por Sirlene Maciel*, em < Esquerda Online

A reforma do ensino médio foi propagandeada como algo que daria autonomia
aos estudantes para escolher áreas de aprofundamento para os estudos nesse
nível de ensino e que, portanto, a grade seria flexibilizada.

Até hoje os estudantes não puderam escolher nada e não existem as disciplinas
optativas, pois tiveram de engolir a grade curricular da escola mais próxima
à residência.

Aprovada a toque de caixa por Michel Temer em 2017 essa “contrarreforma”
é fruto do golpe de 2016 no país.

Os empresários do setor privado, viram na Lei 13.415/2017 a oportunidade
de desmantelar e sucatear ainda mais o ensino médio público, visando
fortalecer a iniciativa privada, seja na oferta da modalidade do ensino médio
nas escolas particulares ou nos cursinhos pré-vestibulares pagos.

Junto com o desmantelamento da legislação trabalhista via reforma trabalhista,
veio também a possibilidade de terceirizar funções que antes eram proibidas,
como é o caso de professores, e de criar uma mão de obra barata e sem direitos.

O Novo Ensino Médio (NEM) se mostrou desastroso, não foi planejado
com o apoio dos educadores, da comunidade escolar e em primeiro lugar
vem acabando com a profissão docente, pois atualmente a reforma prevê
que pode dar aula quem tiver 'notório saber', isto é, não precisa necessariamente
ter cursado a universidade e ter um diploma … além disso, já estava em curso
no país a abertura de cursos de licenciatura 100% à distância, cursos de 2ª, licenciatura para professores em um ano, sem a fiscalização do MEC,
combinado com a falta de abertura de concursos públicos, de reajuste salarial
compatível com a função, o que gerou uma camada de professores precarizados,
que trabalham sem direito à carreira, nem direito a benefícios e de forma temporária.

*Sirlene é Professora do CTRO Paula Souza e
Codeputada Estadual por São Paulo
eleita pela Bancada Feminista do PSOL/SP

Íntegra:

https://esquerdaonline.com.br/2023/02/16/com-disciplinas-fake-reforma-do-ensino-medio-e-um-desastre-revogacao-ja
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Leia também:

"Políticas Educacionais: a Reforma do Ensino Médio e o Apartheid" (*)

Por Carmen Sylvia Vidigal Moraes é Professora Titular da
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP)

(*) Artigo elaborado a partir das reflexões produzidas para os seminários
realizados pelo Grupo de Pesquisa Trabalho e Educação da FEUSP
em colaboração com a Rede Escola Pública e Universidade e com os
Grupos GMarx (História-USP) e Políticas Públicas, da Unifesp.
Parte do texto foi publicado na Revista Práxis e Hegemonia Popular (2022).

Íntegra:

https://esquerdaonline.com.br/2023/02/17/gramsci-e-as-politicas-educacionais-a-reforma-do-ensino-medio-e-o-apartheid/
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JEFONI HUMBERTO DEROSSO

Enfim um diagnóstico lúcido sobre essa aberração chamada “novo ensino médio”, que de novo nem o ser golpista que o instituiu. Mas sempre há tempo de reconhecer o erro e desfazer o malfeito. Insistir seria um péssimo caminho. Precisamos construir mentes que possam sonhar, criar e, principalmente, criticar e não meros “empreendedores de si mesmos”.

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