Dalva Garcia: Prometeu e Epimeteu, a necessidade de prever e a nossa frágil democracia

Tempo de leitura: 4 min
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Por Dalva Garcia

Prometeu, irmão de Epimeteu

Sobre a necessidade de prever: Prometeu e Epimeteu

Por Dalva Garcia*

O episódio de jogadores da seleção pedindo carne com pó de ouro em restaurante me conduziu a relembrar as grandes narrativas da mitologia grega.

As atribulações do trabalho de uma professora de educação básica e universitária no final de semestre sopraram para longe o tempo necessário à rememoração.

Todavia, os acontecimentos da tarde de domingo de 08/01/2023, trouxeram-me à tona uma dessas narrativas intrigantes que podem nos convidar à reflexão.

Trata-se do famoso mito de Prometeu, imortalizado pela tragédia grega. Prometeu e Epimeteu são filhos de um Titã.

Prometeu pensa antes de agir, consegue com astúcia prever os acontecimentos. Seu irmão, Epimeteu, o desprevenido se caracteriza pela ação que dispensa a reflexão.

Na guerra de Titãs, Prometeu prevê a vitória de Zeus, mas diferente dos demais que logo tomam imediatamente partido pró ou contra Cronos – o tempo que devora seus filhos, Prometeu reafirma seu comprometimento com o senhor do Olimpo após sua vitória.

O fim da guerra restabelece entre os deuses um período de paz que leva os deuses ao tédio. Era preciso criar algo extraordinário.

Hefesto, o deus da forja, é chamado para mediante os elementos fundamentais da alquimia, em assembleia com os 12 deuses do Olimpo, para povoar os deuses com a companhia de diferentes seres vivos. Dentre eles: homens forjados a imagem e semelhança dos deuses.

Zeus delega aos irmãos Prometeu e Epimeteu a tarefa de distribuir as características necessárias à sobrevivência dos seres vivos: força, velocidade, capacidade de se ocultar ou transmutar, sobreviver, enfim.

Embora cauteloso, Prometeu cede ao pedido do irmão Epimeteu a tarefa concedida pelo senhor do Olimpo.

A empolgação e ansiedade de Epimeteu conduz à realização de sua tarefa com rapidez e eficácia, salvo por um pequeno detalhe. Epimeteu se esqueceu dos homens, imagem e semelhança dos deuses.

Ironicamente, Platão, retoma o mito e dá aos homens a política como forma de sobrevivência.

O relato de Platão merece outro escrito… Por hora, basta a narrativa.

Eis que as criaturas perfeitas forjadas por Hefesto estão indefesas.

Com ajuda de Athenas, deusa da sabedoria, Prometeu pede a ajuda de Zeus. O fogo para proteção dos homens estará disponível na copa das árvores, bem como o trigo nascerá sem semeadura.

Zeus concede o benefício aos seres humanos desvalidos graças ao suposto engano de Epimeteu.

Talvez, diria eu, engano gerado pela ansiedade de servir com eficácia ao seu senhor. Homens e deuses convivem em harmonia: sem dificuldade, mas também sem novidades.

Como senhor, Zeus, ordenador do “Estado de Direito”, resolve reordenar tudo. Finalmente, escalonar os lugares segundo a importância de deuses e humanos.

No topo, Zeus, abaixo os deuses, e bem abaixo os homens agora separados do seu criador, embora tutelados por eles.

A hora da partilha entre homens e deuses seria necessária e instaurada num ritual encomendado por Zeus.

Um boi deveria ser sacrificado para um banquete. Suas partes divididas e as melhores e mais apetitosas escolhidas pelo criador e oferecidas aos deuses. As demais: aos homens, meras criaturas.

Prometeu, o previdente, é o encarregado da preparação do churrasquinho sagrado. Ele aceita a tarefa com uma convicção: não aceita as novas regras.

Por essa razão separa os ossos não comestíveis e os besunta com gordura atraente e apetitosa. As carnes mais saborosas as cobre de ossos e peles repugnantes.

Depois de tudo preparado, cabe a Zeus a escolha e, a consecutiva, partilha do banquete. Zeus escolhe o que lhe parece mais apetitoso e atraente.

Quando descobre que por baixo da beleza da carne estava o osso duro escondido, se enfurece. Retira dos homens o fogo e a alimentação sem semeadura.

Mais uma vez com o apoio de Athenas, Prometeu adentra na morada de Zeus e rouba uma chama do fogo sagrado do Olimpo que nunca se apaga e o entrega aos pobres seres humanos sem luz à noite e sem poder preparar os alimentos.

A discrição de Prometeu é prudente, em silêncio pega uma fagulha do fogo e o conduz no oco de um simples fungo.

Mas Zeus descobre que não pode mais tutelar suas criaturas…

A ira de Zeus é assombrosa. Aos homens, Zeus encomenda Pandora, como pagamento do churrasco preparado por Prometeu: linda, mas ardilosa e astuta.

Antes de enviá-la aos homens ela é entregue ao desprevenido Epimeteu.

Advertido pelo irmão Prometeu para não aceitar nada sem analisar, Epimeteu não resiste aos encantos da moça. A recebe de braços abertos.

A moça traz consigo uma caixa que não deveria ser aberta em hipótese alguma. Nela estaria os malefícios que assombram deuses e mortais.

Assim que sai do leito de Epimeteu, a linda Pandora abre a caixa. Os males se espalham e se misturam com os benefícios.

Não é possível distinguir o bem e o mal, assim como Zeus não distinguiu o que parecia o melhor na sua partilha com suas criaturas.

O trabalho e a dor, o medo e o amor se mesclam nisso que é vida humana.

Prometeu é acorrentado para que uma águia devorasse seu fígado durante o dia e regenerado à noite. Seu fígado, símbolo das iguarias que tentou oferecer aos homens.

Prometeu não reclama, sabe prever e, segundo, alguns relatos, é liberto por Hércules e cumpre a promessa de avisar  seu senhor dos perigos que ameaçam seu poder.

Mas é preciso lembrar que graças ao artifício de Hermes, o deus mensageiro, no fundo falso da caixa de Pandora reside a esperança que continua na caixa como bálsamo de dores e desilusões humanas.

Esperança ardil de outro personagem que sabe prever. Hermes, que sabe o valor de decifrar que conquistou com o irmão Apolo.

Por fim, a narrativa é metáfora, por isso guarda uma semente que precisa ser interpretada.

Como na canção de Gilberto Gil “Metáfora”: na lata do poeta tudo e nada cabe. Pois ao poeta cabe fazer caber o incabível.

Mas vale dizer que polvilhar churrasco com pó de ouro ou lustrar os pés dos móveis não é suficiente.

É preciso prever, analisar, refletir…

Nenhuma distinção é tão clara, nem para o senhor do Olimpo, ordenador Zeus. Muito menos para nós mortais, confusos entre o parecer e o ser nesta frágil democracia.

*Dalva Garcia é professora de Filosofia na rede pública de São Paulo.

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Dalva Garcia

Professora de filosofia da rede pública de São Paulo.


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Comentários

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Zé Maria

.
Para Sorte da Humanidade, Prometeu foi
Encarregado do Ritual da Partilha do Boi,
e reservou ao Povo a Alcatra e a Picanha.
E além do mais, o Escolhido forneceu
o Fogo para que Homens e Mulheres
pudessem cozinhar seus Alimentos,
e assim também deu “Luz Para Todos”.

Entretanto, se em vez de Prometeu,
o Encarregado da Partilha do Boi
no Ritual encomendado por Zeus
fosse o Guedes ou o Bolsonaro, ou
qualquer Ultraliberal do Mercado,
os Humanos ficariam só com Osso.
.

    Zé Maria

    Talvez por suas Boas Ações
    Solidárias e Humanistas,
    o Justo Titã foi Condenado
    e ficou Preso Acorrentado
    por Quinhentos e Oitenta Dias.
    E com Absoluta Certeza de
    sua Inocência, de que seus Atos
    foram Justos, Prometeu haja
    retrucado aos Bajuladores
    dos Algozes, que escarneciam
    de suas Angústias, suas Dores:
    “Eu Prefiro Meus Sofrimentos
    do que a Tua Servidão.
    Não troco Minha Dignidade
    pela minha Liberdade.”

    Zé Maria

    Dentro da mesma Metáfora
    Pandora Ardilosa tem ares
    De Micheque ou Damares.

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