Fernanda Giannasi: Segurança e saúde do trabalhador, uma questão de direitos humanos

Tempo de leitura: 5 min
vítimas dos crimes socioambientais no Brasil: jornalista Dom Phillips, o indigenista Bruno Pereira e quatro chacinados em UNaí (MG) --os fiscais Nelson José da Silva, Erastótenes de Almeida, João Batista Soares Lage e o motorista Aílton Pereira de Oliveira Ilustração: Carlos Lopes

“Requiem aeternam” para as vítimas dos crimes socioambientais no Brasil
A Bruno Pereira e Dom Phillips, nossas homenagens.
Seus legados jamais serão esquecidos.

Por Fernanda Giannasi*

É uma grande responsabilidade inaugurar a coluna semanal no blog Saúde & Trabalho no site Viomundo num momento de grande comoção mundial e consternação em que assistimos estarrecidos mais um crime perpetrado em nosso país contra ambientalistas, ativistas e agentes estatais defensores dos direitos humanos.

Há mais de 30 anos que lutamos nas trincheiras da Saúde do Trabalhador e Trabalhadora, em especial junto com as vítimas do amianto ou asbesto, para tornar visível à sociedade planetária os males causados pelo chamado mineral “mágico”, segundo o navegador italiano Marco Polo, que o conheceu em suas expedições à Ásia e que era denominado até o início do século XX como a “lã da salamandra”, o anfíbio, parecido com uma lagartixa, cuja pele é resistente ao fogo, uma das principais propriedades muito apreciada desta matéria-prima, que foi intensivamente usada na indústria da construção civil, naval, metalúrgica, química e petroquímica e a qual o Brasil foi até recentemente o terceiro maior produtor e exportador e o quarto utilizador mundial.

Embora banido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017, o amianto continua a ser produzido e exportado pelos portos marítimos brasileiros, numa total demonstração da fragilidade de nossos mecanismos institucionais de proteção à saúde e à vida da nossa população, em especial dos trabalhadores e trabalhadoras, e de repressão aos crimes socioambientais praticados diuturnamente em nosso país.

São mais de 107.000 mortes por ano de trabalhadores e trabalhadoras, causadas pela exposição às fibras deste mineral cancerígeno, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Foi considerada pelo Senado francês como a “catástrofe sanitária do século XX”.

São mortes que não ganham destaques na mídia e são inviabilizadas por mecanismos sociais, que vão desde a inexistência de diagnósticos confiáveis por serviços de saúde técnica e humanamente impossibilitados de os realizarem, passando por não reconhecimento do nexo causal, subnotificação nos registros oficiais dos Ministérios da Previdência e da Saúde, morosidade e culminado com parcialidade e cumplicidade da Justiça brasileira, que inverte o ônus da prova às vítimas sem recursos e capacidade para fazê-lo.

Outro problema grave para a realização dos trabalhos de vigilância e defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e que há tempos vimos denunciando é a falta de proteção aos agentes responsáveis pela fiscalização de ambientes nocivos à saúde dos obreiros.

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Um exemplo disto é o programa brasileiro de proteção aos defensores dos direitos humanos, que se restringe a uma ação meramente burocrática sem qualquer reflexo ou alteração da realidade de violência cotidiana, muitas das vezes institucionalmente praticada pelo próprio aparato estatal, que deveria protegê-los e que, ao contrário, se coloca ao lado e em defesa dos interesses dos seus algozes.

Casos de denúncias desta violência e assassinatos de agentes defensores dos direitos humanos foram selecionados para o relatório Na Linha de frente: Defensores dos Direitos Humanos no Brasil — 2002-2005, publicado em dezembro de 2005 pelas ONGs Justiça Global e Terra de Direitos, baseadas na Resolução nº. 1842 de junho de 2002 da Organização dos Estados Americanos (OEA) de garantir o “Apoio às tarefas realizadas por indivíduos, grupos e organizações da sociedade civil para a promoção dos direitos humanos nas Américas”.

Alguns dos casos relatados, que tiveram um desfecho trágico, com grande repercussão nas mídias nacional e internacional, foram o da missionária Dorothy Stang, assassinada em 12/2/2005, e dos meus colegas do extinto Ministério do Trabalho e Emprego, Nelson José da Silva, Erastótenes de Almeida, João Batista Soares Lage e do motorista, Aílton Pereira de Oliveira, em 28/1/2004. Os colegas foram mortos numa emboscada sob o comando de um poderoso fazendeiro e político de Minas Gerais, que estava sob investigação de exploração de mão-de-obra análoga à escravidão e oferecer péssimas condições de trabalho.

As ameaças por nós sofridas pelo nosso trabalho, no combate ao amianto, tanto vindas do exterior como praticadas pelo aparato estatal estão citadas no relatório acima (pág. 79-82), enviado à ONU em 30/3/2004, como no trabalho denominado “Independência dos Juízes no Brasil. Aspectos relevantes, casos e recomendações”, produzido pelo Programa dhINTERNACIONAL do Movimento Nacional de Direitos Humanos/Regional Nordeste e o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), no qual é descrita a tentativa de um juiz corrupto, preso na operação ANACONDA da Polícia Federal, de nos incriminar e do conluio criminoso do Judiciário com a indústria do amianto, ampla e detalhadamente demonstrado nas pp. 144-150. Estas ameaças também foram fartamente noticiadas pelo sites Viomundo e Racismo Ambiental.

A ineficiência dos organismos das Nações Unidas (ONU) é, portanto, mais do que conhecida para impedir ou minimizar os efeitos das agressões não só físicas, como psíquicas desferidas contra os defensores dos direitos humanos e os trabalhadores e trabalhadoras, e a população em geral, com seus mecanismos débeis de aprovação de resoluções baseadas em critérios de consenso, na grande maioria impossíveis de serem obtidos entre membros com notórios conflitos de interesses. Um exemplo recente ocorreu durante mais uma rodada da Conferência das Partes (COP) da Convenção de Roterdã em Genebra, na Suíça, na semana do dia 14/6/2022.

Mais uma vez uma minoria de países (Rússia, Cazaquistão, Zimbábue, Índia, Paquistão) impediu que o amianto crisotila, entrasse para a lista do Anexo III, que prevê que os países importadores sejam informados pelos exportadores dos riscos cancerígenos intrínsecos aos produtos, que o contenha, ou a matéria-prima in natura. Isto, se aprovado, regularia o comércio internacional de tóxicos, no caso o amianto, onde deve haver o chamado Consentimento Prévio Informado (PIC) por parte do importador, que passa a ser corresponsável por tal decisão, não mais podendo alegar desconhecimento sobre os riscos envolvidos com o produto adquirido.

Enquanto o critério do CONSENSO perdurar, nos organismos da ONU, e não o voto da maioria, prevalecerá a posição minoritária de países-membros ou chamados Partes. ISTO NÃO É A TAL DEMOCRACIA, TÃO VALORIZADA PELA ONU, E SIM A DITADURA DA MINORIA!

A única arma que nos resta é buscar energia para transformar nossa indignação em atitudes para combater e mudar esta execrável situação de injustiças que nos rondam, promovidas por este conluio criminoso entre Estado e organizações defensoras do capitalismo predatório, que quer nos subjugar, calar e domar a natureza e sua biodiversidade.

Para que não deixemos que a memória dos trabalhadores e trabalhadoras mortas pela poeira assassina do amianto continuem invisíveis aos olhos de nossa sociedade “moderna e tecnológica”, o Memorial das Vítimas do Amianto, a ser erigido em Osasco, ainda este ano, é um símbolo da luta da vigorosa ABREA-Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto, fundada em 1995, que nas palavras de seu combativo presidente, Eliezer João de Souza, soa como um brado de guerra: “será a demonstração materializada de nossa resistência em contraposição às agressões por nós e nossas famílias sofridas e às mentiras sobre a segurança da fibra assassina propalada há anos por nossos inimigos” e complementa “é mais um momento histórico na luta contra o amianto no Brasil, contra as empresas e o capital, que visam apenas o lucro em detrimento da saúde e vida de seus trabalhadores e trabalhadoras, e da sociedade como um todo. O Memorial é uma homenagem aos que se contaminaram com a fibra assassina e um alerta para as futuras gerações, para que possam evitar que tragédias como essa não se repitam. Essa catástrofe sanitária do século XX não pode se repetir. Osasco já foi o espelho da morte. Que seja agora o espelho do respeito à vida”, enfatizou.

*Fernanda Giannasi é engenheira civil e de segurança do trabalho. Foi auditora fiscal do trabalho no hoje extinto Ministério do Trabalho e Emprego, em São Paulo. Atuou na inspeção das condições de saúde e segurança no trabalho com ênfase na insalubridade, letalidade e periculosidade dos agentes cancerígenos (amianto, nuclear, sílica) e outros tóxicos. Atualmente, atua na área de saúde, trabalho e meio ambiente para entidades de trabalhadores e vítimas de processos industriais.

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Comentários

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Zé Maria

O “não reconhecimento do nexo causal” pelos Peritos Auxiliares da Justiça,

em grande parte Desqualificados, ainda é o Maior Problema enfrentado

pelos Trabalhadores que sofrem das chamadas “Moléstias Profissionais”.

    Zé Maria

    Adendo

    Situação que é cotidianamente enfrentada nas Ações Judiciais de Indenização.

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