Saul Leblon: O PSDB quer terminar o desmonte que começou

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Leblon: O conservadorismo brasileiro ignorou olimpicamente a fraude de Rogoff & Reinhart, dois dos centuriões do arrocho fiscal

Leblon: O conservadorismo brasileiro ignorou olimpicamente a fraude de Rogoff & Reinhart, dois dos centuriões do arrocho fiscal

por Saul Leblon, em Carta Maior

O conservadorismo brasileiro ignorou olimpicamente a desmoralizante refrega sofrida pelos pelotões do arrocho fiscal nos últimos dias.

Dois de seus centuriões (Rogoff & Reinhart – na foto acima), como se sabe, foram flagrados em malfeitos intelectuais por um estudante de economia de 28 anos.

O rapaz percebeu que eles deram uns anabolizantes à ponderação de dados que confirmavam suas teses. E ministraram um chá de sumiço aos teimosos números que refutavam as mesmas premissas.

Quais?

As de que, independente das condições de vento e temperatura, históricas e sociais, o gasto público é algo devastador, sobretudo quando transita na faixa dos 90% do PIB.

Quente ainda o defunto da fraude intelectual, o Instituto Fernando Henrique Cardoso convocou um similar para esgrimir o opróbio de uma das pilastras de sua agenda para o Brasil.

O PSDB quer terminar o que começou: o desmonte completo do Estado brasileiro.

Mãos à obra.

Vito Tanzi, ex-FMI, ‘amigo’ do Brasil desde a crise da dívida externa dos anos 80, desembarcou aqui para demonstrar, em carne e osso, como a ideologia não muda. Independente dos vexames de seus formuladores.

E por uma razão muito forte.

Por trás das ideias, melhor dizendo, à frente delas, caminham os interesses.

Em nome deles, quase como por encomenda, Tanzi falou no Instituto FHC.

Depois, reiterou ao jornal Valor:

“O tamanho do Estado brasileiro, refletido no amplo número de programas econômicos e sociais, é algo que precisa ser enfrentado. Uma vez introduzido um programa é muito difícil voltar atrás’, alertou o tecnocrata à la carte, para lançar um petardo de suspeição no arremate:” É possível que o déficit fiscal do Brasil talvez seja maior do que apontam as estatísticas, em razão de “truques” (…)

Tanzi não é um atirador solitário da restauração conservadora planejada pelos tucanos. Há solistas locais a ombreá-lo no esforço de redimir a ‘boa ciência’, para tê-la à mão na disputa contra ‘a intervencionista’, em 2014.

Edmar Bacha, um dos formuladores do projeto econômico da candidatura Aécio Neves, atacou na mesma direção, num debate promovido também pelo jornal Valor:

“Falando só de economia, uma coisa que está clara é a dívida pública bruta (do Brasil) de 65% do PIB, que é extraordinariamente elevada para um país em desenvolvimento; comparado com nossos parceiros de renda per capita é extremamente elevado; o padrão normal seria mais nos 20%”.

Como resolver a equação proposta por Tanzi/Bacha?

Cortando gastos. Quer dizer, destroçando o pouco da capacidade de fazer política pública restaurada no Brasil na última década.

Em resumo, finalizando o desmonte estatal produzido pelo PSDB quando o partido esteve no poder nos anos 90.

Há vozes discordantes, felizmente.

E com decibéis intelectuais suficientes para evidenciar que subjacente à gororoba do contracionismo-expansionista, defendida pelos Rogoffs,Tanzis & Bachas (destruir o Estado para a expansão do setor privado) existe um vácuo.

E é justamente ele que dá origem a boa parte dos impasses enfrentados pelo desenvolvimento brasileiro nesse momento.

Um vácuo de coordenação econômica.

Um déficit não propriamente fiscal, como querem os contracionistas, que fazem da Europa atualmente um mausoléu de Estados e conquistas sociais.

Mas um déficit de ação ordenadora do Estado, que explica não apenas o colapso da infraestrutura brasileira, como a hesitação de um investimento privado, desprovido de bússola pública para guia-lo.

No mencionado debate promovido pelo jornal Valor o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, em resposta a Bacha, colocou o desafio do passo seguinte brasileiro nos seus devidos termos. É importante acompanhar o que pensa o professor, um dos mais respeitáveis intelectuais da atualidade:

Fala Belluzzo:

“O diabo é que eu tenho boa memória, eu não sou muito inteligente, mas boa memória eu tenho. A taxa (de investimento) no auge do milagre chegou a 27%, mas na verdade a média era 22%, 23%. A partir da crise da dívida externa tivemos um declínio fortíssimo.

Vou analisar algumas questões estruturais do período anterior para a gente entender.

Você tinha uma sinergia muito grande entre investimento público e privado naquela época em que construímos toda a nossa infraestrutura, até os anos 1970. Temos 30 anos atrasados na infraestrutura. Keynes era um liberal conservador, gostava das conquistas culturais e civilizatórias do capitalismo, mas achava que o sistema não funcionava muito bem.

Então, o que ele recomendou? Precisa ter uma sinergia para que você tenha um mínimo de estabilidade na taxa de inversão entre os programas de investimento, uma coordenação. O que você perdeu aqui no Brasil foi muito dessa coordenação, nós tínhamos, mal ou bem, essa coordenação nos anos 1950 e 1960.

Quem fazia isso? As empresas estatais. Eu não estou dizendo que você tem que desfazer a privatização, eu estou dizendo o seguinte: o governo precisa ter um orçamento de capital separado do orçamento corrente, orçamento corrente tem que ser sempre equilibrado, o orçamento de capital é aquele que regula as flutuações cíclicas, isso foi o que ele pensou.

Muito bem, deixamos o investimento público aqui baixo; nossa indústria de bens de capital está reduzida. A taxa de investimento é muito baixa. E ela ficou estagnada com flutuações muito pequenas ao longo desses últimos 30 anos, o investimento público caiu para menos de 2% do PIB.

Não é possível, isso é uma economia que não tem coordenação (…) Essa coordenação nós perdemos a partir da crise da dívida externa, tivemos graves problemas fiscais e nunca recuperamos a capacidade do Estado de investir e coordenar o setor privado. E aí está o resultado na infraestrutura.

Isso tem um impacto grande. (…) e aí eu vou ter a primeira relação crítica com o Bacha, temos sim um problema de oferta e temos um problema demanda efetiva, porque se você quer criar oferta você tem que gerar demanda. Esse problema não ficou claro e agora está começando a ficar, porque durante o período da bonança nós promovemos uma mudança na composição da demanda doméstica, certo?

Por causa dos programas sociais, do salário mínimo etc (…) Mas nós estamos em um enrosco, por quê? Como o crescimento se deu dessa maneira, e é claro que se incorporou um monte de gente como consumidor, e dadas as mudanças que ocorreram na economia, sobretudo a queda da inflação, eles viraram demandantes de crédito.

Nos anos 1980 você não tinha crédito, a relação crédito/PIB era de 20%? Era isso? Quanto é hoje, 50%? Ocorreu alguma coisa diferente, quem não tomava crédito começou a tomar, isso tudo deu uma mudança na estrutura da demanda, qual foi o impacto na estrutura da oferta? (NR :importações passaram a suprir parte dessa expansão da demanda).

O governo precisa colocar o câmbio no lugar. Eu acho que hoje em dia, dada a reestruturação da indústria mundial, essa questão cambial é crucial. Agora não é suficiente, por quê? Vamos pegar o exemplo bem-sucedido. O Bacha fez uma crítica ao conteúdo nacional (NR: a exigência de conteúdo nacional nas encomendas da Petrobras que, segundo o porta-voz do PSDB, partido que quase privatizou a ‘Petrobrax’, estaria matando a estatal…)

Eu acho que precisa escolher alguns setores que têm maior poder de disseminação e dar prioridade a eles. Para terminar: este é o país mais burocratizado do mundo (…) vai ter que resolver esses impasses que estão cada vez mais graves entre Legislativo, Judiciário e Executivo. Existe uma interferência burocrática na ação econômica do Estado que a gente precisa discutir“ (Valor; 02-05-2013)

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Comentários

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Falando pra pobre

Não se trata de inteligência, mas de intenção mesmo. Sabem para quem trabalham.

Falando pra pobre

Alguém precisa logo abrir um processo contra FHC, assim paramos os petardos. Basta!

Mardones

Teoria de arrocho desmascarada no exterior e a presidenta Dilma aplicando as receitas do arrocho aqui, via aumento da Selic.

Viva o Brasil!!!!

Eduardo

Belluzo! Além de ter boa memoria, todos reconhecem sua inteligencia. Eu só não sabia que voçê é tão educado! Mas eu não sou educado, portanto, é preciso dizer que o Brasil, salvo boas exceções, não possui empreendedores ousados, investidores dispostos a assumir riscos , inovadores ambiciosos e visionários atuantes, que sejam capazes de realizar sem que o risco seja do governo ( do povo ). Apesar dos programas “Bolsa BNDES” “Bolsa Remissão Fiscal””Bolsa Prêço minimo agricola”Bolsa inovação tecnologica” Bolsa Incentivo Fiscal” Bolsa Redução de tributos”Bolsa Financiamento Subsidiado “Bolsa tributos e financiamentos exportação””Bolsa materiais de construção”Bolsa ind. Automobilistica ” Bolsa Energia eletrica ” Bolsa combustiveis”Bolsa redução de aliquotas e suspensões temporarias ” Bolsa subsidios agricolas”e dezenas de outras bolsas,inclusive o “Bolsa familia ( que ajuda mais o empreendedor que o trabalhador. Sem contar as Bolsas estaduais e as Bolsa Municipais, os empresários brasileiros querem mais( querem o leite e o sangue da pátria amada). Com tantas Bolsas e facilidades e com tanta falta de empreendedores investidores Brasileiros capital estrangeiro ( predadores nossos) ficam esperando a presa se distrair para dominá-la . É a natureza agindo! O FHC , o Bacha e outros privatistas já conhecidos são agentes facilitadores dos predadores( No caso agora, oportunistas de plantão).Por hoje é só!

Marcos Coimbra: Por que a oposição cobra do PT práticas que nunca adotou? – Viomundo – O que você não vê na mídia

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Julio Silveira

Ainda tenho ansia toda vez que penso que vivo num país onde vive gente que tenta endeusar um cidadão que sob minimos aspectos civicos poderia ter um julgamento critico, quando não legal, por traição. Gente sem qualquer compromisso com o que se poderia chamar de consciência de cidadania e dos esforços históricos para tirar o país e seus cidadãos da dominância externa, que sempre quizeram nos legar um papel secundário no contexto dos países. Fazer-nos quintal, como já declaram sem pudor.
Gente que ousa proteger quem usa a premissa constitucional da soberania, pensada para tornar a nação Brasil independente em seus atos, em um artificio linguistico utilizado para servir em favor de uma mal dissimulado alinhamento ideológico a serviço de outra nação, e lógico de poucos beneficiários no contexto, descaracterizando o principio.
Ficamos discutindo o sexo dos anjos enquanto o Brasil vai sendo assimilado por dentro enquanto não conseguirmos, como a ciencia faz, identificar e expor os males do nosso corpo, que simulam ser parte nossa, mas que nos fazem doentes, e combatê-los.

J Souza

O “eficiente” setor privado morre de medo da concorrência do “ineficiente” setor público!

Mas o eficiente setor privado, que quase nada constrói, adora arrematar a preço de banana as empresas públicas construídas pelos “ineficientes” e “deficitários” funcionários públicos!

E assim segue a vida, com as “ineficientes” Petrobrás, líder de mercado, Banco do Brasil, vice-líder de mercado (atrás apenas dos que se fundiram…), Correios, líder de mercado, Infraero, dando consultoria para as concessionárias. Haja “ineficiência”…

Só os “direitopatas” vão votar no PSDB.

    H. Back™

    Caramba! Que explicação simples para um problema originalmente complexo!
    Tomei a liberdade de copiá-lo. É o que eu sempre medito todos os dias. O porquê dessa onda de privatizações só agora? Por que só agora, depois das empresas estarem solidamente formadas e capitalizadas (pelos recursos dos contribuintes, é claro) e dando lucros, os ditos “capitalistas” vêm com essa cantilena de que o Estado é ineficiente? Porque não abriram seus caminhos e formaram os seus consumidores antes que o Estado o fizesse? Então depois de “comprar” (a preço de banana) as empresas privatizadas, os empresários irão sugá-las (dilapidando o seu patrimônio) ao máximo quebrando-as e abandonando-as à mercê da própria sorte, deixando os consumidores na mão. Novamente virá o Estado (contribuinte) e preencherá o vácuo deixado pelos “eficientes” empresários.
    Conclusão: o Estado só serve para beneficiar e socorrer os capitalistas. E assim foi desde o início da História humana.

Fabio Passos

Quem está fazendo o programa econômico do aécio são os mesmos economistas do desgoverno fhc?

Sério? Não parece verdade.

aécio deve estar consumindo do mesmo fornecedor do lobão. rs

propostas do aécio:
– privataria
– juros siderais
– quebrar o Brasil e correr submisso ao FMI
– Apagão
– crescisento pífio
– aumento do desemprego
– redução da renda dos trabalhadores

    H. Back™

    Resumindo: entregar o país para os gringos.

Carlos Lopes

A inflação já voltou com toda força, preços dos alimentos estão nas alturas.

Fabio Passos

Se deixar, fhc e sua trupe neoliberal vendem a própria mãe na feira.
Estes bandidos destruíram o Brasil durante o
desgoverno fhc.

Belluzo acertou em cheio. É o Estado que precisa voltar a investir e atuar como realizador.

O governo Dilma precisa colocar o Estado para fazer. O Estado não apenas indutor… Mas motor da economia e do desenvolvimento.

Urbano

Os patrões do Norte estão na cola… Hum!

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