Roberto Amaral, que em 2016 levou bomba da PM de Alckmin: Quem fará o discurso da esquerda nas eleições de 2022?

Tempo de leitura: 8 min
Fotos: Reprodução de vídeos

Por Conceição Lemes

Aos 82 anos, completados em 24 de dezembro, Roberto Amaral segue incansável.

Cientista político, jornalista, escritor, conferencista e político militante, tem obras de ficção e mais de 30 livros nas áreas do Direito, Ciência Política, Segurança Nacional, Ciência e Tecnologia e Comunicação.

Ministro da Ciência e Tecnologia (janeiro de 2003 a 2004) do primeiro governo Lula, teve inquestionável liderança ideológica no PSB, do qual foi um dos refundadores em 1985.

Em outubro de 2014, foi contra a decisão do PSB de apoiar no segundo turno a candidatura de Aécio Neves a presidente da República.

Aí, se afasta da presidência do PSB e lidera a dissidência pela esquerda no partido.

É um dos idealizadores da Frente Brasil Popular, de 1989, integrada por PCdoB, PT e PSB.

Lançada em 9 de junho daquele ano, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o objetivo era eleger Lula Presidente.

Roberto Amaral, aliás, é também incansável na luta por justiça, democracia e direitos dos trabalhadores.

Coerente, ele está sistematicamente presente nos momentos cruciais do País.

Ao ler o artigo (mais abaixo) que Amaral enviou por e-mail no final da noite de quinta-feira, 13-01, acabei relembrando e resgatando dois desses momentos. Ambos são uma lição para todos nós.

Começando pelo mais recente.

9 de maio de 2017. Véspera do primeiro depoimento do ex-presidente Lula ao então juiz Sérgio Moro.

Junto com outros juristas, Amaral deu aula em praça pública de Curitiba (PR) na qual denunciou as ilegalidades da Lava Jato. O evento foi organizado pelo Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (CAAD).

Oito meses antes, em 4 de setembro de 2016, Roberto Amaral sentiu na própria pele a truculência da Polícia Militar (PM) do governador de São Paulo, o então tucano Geraldo Alckmin.

Violência policial escancarada e consentida.

Era o primeiro domingo pós-derrubada definitiva da presidenta Dilma. Em 31 de  agosto, o Senado havia concluído o processo de impeachment.

Gentes de todas as idades protestavam contra o usurpador Michel Temer (MDB-SP) no Largo da Batata, em Pinheiros.

Um ato absolutamente pacífico, que durou cerca de quatro horas.

De repente, a PM ataca sem qualquer razão a multidão indefesa.

Do nada, PMs começam a lançar bombas de efeito moral, spray pimenta, jatos d’água, gás lacrimogêneo e balas de borracha.

Houve muita correria e desespero.

Nem mesmo idosos, mães com filhos pequenos no colo e crianças foram poupados.

Em entrevista a Edgar Bueno, do Jornalistas Livres, o então senador Lindbergh Farias (PT-RJ) contou que estava no Largo da Batata, a caminho da estação do metrô Faria Lima com o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), quando a PM começou a lançar bombas de gás lacrimogêneo.

Na confusão, os parlamentares encontraram o ex-ministro Roberto Amaral, já com 76 anos, ferido no braço pelo estilhaço de uma das bombas e os olhos lacrimejando por efeito do gás lacrimogêneo.

“Não houve um ato que justificasse a violência da polícia. Eu estava lá”, disse Lindbergh. 

“Isso é um escândalo. Vamos denunciar o Alckmin à Corte de Direitos Humanos”, afirmou no dia (Veja PS do Viomundo). 

Ao final, assista mais dois vídeos daquele terrível 4 de setembro de 2016. 

Eles dialogam com o artigo de Roberto Amaral e nos ajudam a refletir sobre as eleições de 2022. 

QUEM FARÁ O DISCURSO DA ESQUERDA?

Por Roberto Amaral*

A burguesia aqui operante, desapartada dos interesses do país, vem garantindo o império de sua ordem, nada obstante a periódica troca nominal de governantes que promove e a sucessão de partidos políticos conservadores que no mais das vezes se confundem na mesmice de programas (escritos por mera exigência legal) e na prática comum de vícios, dentre os quais aflora o descompromisso com o que quer que mesmo de longe sugira um projeto nacional, a cuja carência debitamos grande parte de nossas mazelas.

O poder pelo poder – a ocupação das sinecuras e os “negócios de Estado”– é o fim e a justificativa do concurso partidário, elevado aos píncaros da biltraria pelo Centrão, conglomerado de reacionários e negocistas de que se vale a classe dominante para manietar o Congresso e, por seu intermédio, impedir reformas e impor retrocessos políticos.

Mediante esse controle, custeado pela ingerência do poder econômico nas eleições, asfixia os eventuais governos populares (sempre um episódio fora da curva), impondo-lhes a rendição, como ocorreu com o golpe de Estado parlamentar que sequestrou o mandato de Dilma Rousseff.

O antipetismo e o anti esquerdismo de um modo geral são herdeiros de tudo isso.

Nas poucas oportunidades nas quais o mando se viu ameaçado, ameaçado de fato ou só aparentemente ameaçado em seu monolitismo, a classe dominante não titubeou em fraturar o pacto e interromper o jogo democrático – jogado, aliás, segundo as regras por ela ditadas.

Promovendo a fratura institucional, seu intuito é evitar a ruptura da ordem política hegemônica, cujas rédeas permanecem em suas mãos, qualquer que seja o governo.

A soberania popular fala a cada quatro anos, é verdade, mas sua vontade terá sempre de conviver com a vontade da casa-grande.

A conciliação impede a fissura das estruturas arcaicas, e a “manutenção da lei e da ordem” funciona como dique contra o progresso; nem revolução nem reforma, nem mesmo as mais consentâneas com o capitalismo, como a reforma agrária e a reforma tributária.

Nada que mesmo de leve, e mesmo sob controle, possa ameaçar a estabilidade das velhas estruturas que asseguram o domínio da nação por apenas o 1% de brancos e milionários.

Vez por outra a classe dominante ruge, dá estudados sinais de incômodo, mas é apenas jogo de cena; ela tem consciência de que, no frigir dos ovos, controla o espetáculo.

Dão-se as mãos a caserna, o centrão e a Av. Faria Lima, os grileiros e as mineradoras, o capital financeiro nacional e internacionalizado e o agronegócio, e seu aparelho ideológico, os grandes meios de comunicação de massa.

Quinhentos anos tentando dar vez à emergência de um povo; duzentos anos de Estado independente; 133 anos de República, passados quase 70 anos de um império que já nasceu velho; um sem-número de golpes de Estado, duas longevas ditaduras.

A única revolução vitoriosa, o movimento de 1930 – liderado por três governadores de província –, resultou de uma cisão na classe dominante. Exatamente por isso, venceu. Levada a cabo para assegurar a democracia e as liberdades, a “verdade eleitoral”, terminou por instaurar uma ditadura de 15 anos.

Qualquer sinal de alteração do sentido dos ventos é visto como fator de desestabilização sistêmica, ameaça à calmaria que acomoda o mando; a resposta é a intervenção do braço armado do poder, cumprindo com seu papel de instrumento da ordem: a conservação do statu quo, a preservação do passado no presente.

A história de nossos dias registra dois marcos desse intervencionismo reacionário: a ditadura de 1964-1985 e o golpe de 2016, que, depondo a presidente Dilma Rousseff, abriu caminho para a ascensão dessa chaga que é o bolsonarismo.

Por intermédio do capitão, a direita brasileira, militar e civil, teve a primeira oportunidade, na República, de chegar ao governo pela via institucional e, com a proteção dos engalanados, empreender a exótica experiência de regime a um tempo neoliberal e protofascista.

Enquanto teve fôlego, o fantoche estapafúrdio entregou o contratado aos senhores de seus cordéis: o aprofundamento da desindustrialização, da precarização dos direitos trabalhistas, da derruição da previdência social e, em plena faina, a desmontagem dos instrumentos de governo que, desde 1930, vinham permitindo ao Estado brasileiro cumprir com seu papel de vetor de desenvolvimento, cujo melhor atestado é a extraordinária taxa média de 6% de crescimento anual alcançada entre 1930-1980, contrastando com a estagnação de nossos dias, de que é indicador a expectativa do PIB para 2022, estimado 0,5% pelo Boletim Focus do Banco Central.

Anistórico a mais não poder, o projeto Bolsonaro – reunindo a marginalidade política, empresários e fardados (exército, marinha, aeronáutica e forças auxiliares) – deu com os burros n’água, empurrado por histórica desaprovação popular que esvazia as pretensões de continuidade pela via eleitoral, depois de fracassada a tentativa de golpe do 7 de setembro de 2021, na qual investira o terceiro andar do palácio do planalto, ora com o silêncio beneplácito, ora com a articulação de seus generais, milicianos e empresários delinquentes.

Os dados de hoje dizem que voltou à ordem do dia a regra do jogo democrático clássico, com a qual parece conformar-se a grande burguesia, olhando atenta para o que ocorre na Argentina, na Bolívia, no Peru e no Chile, e já aflita com o que podem oferecer as próximas eleições colombianas.

Teremos eleições e, com os dados de hoje, elas serão respeitadas. O trumpismo, por enquanto, é de pouca valia, e pouco pode a direita brasileira esperar de um inseguro Joe Biden, às voltas com a pandemia, as eleições legislativas de junho, Putin e Xi Jinping, adversários de respeito.

A burguesia brasileira, mandante desde a colônia, caracteriza-se pela alta maleabilidade, sua capacidade de vencer obstáculos e manter-se no comando da política, sempre apta a ceder alguns poucos anéis de latão para conservar os dedos.

Com o esvaziamento da candidatura do capitão, consequência de sua catastrófica passagem pelo governo, a Faria Lima e adjacências enfunaram todas as velas na direção da chamada “terceira via”, a panaceia de seus estrategistas.

O fracasso, porém, nada obstante a comovente obstinação da grande imprensa, foi o mais contundente.

Não sentou praça o “conflito dos extremos” clamando por uma alternativa ao “centro”, e as candidaturas Lula (em ascensão) e Bolsonaro (em queda vertiginosa) continuaram polarizando, e assim deverão chegar às eleições de outubro. A menos que o capitão abandone a raia.

A classe dominante não tem compromissos senão com seus interesses e, em função deles, sabe identificar a estratégia mais segura, não raro parecendo recuar quando, de fato, cuida de avançar.

Se de todo não é mais viável a candidatura in pectoris do capitão, construa-se uma alternativa; indisponível esta, a saída, que o andar de cima não rejeita, é procurar apaziguar-se com o “sapo barbudo” seja indicando-lhe a parelha, seja, onipotente, ditando o modelo de esquerda, dita “moderna”, que nossa esquerda “atrasada” (PT à frente), deve seguir.

O figurino, cantado em prosa e verso pelos grandes jornais, diz que a esquerda brasileira, para modernizar-se, precisa, em síntese, deixar de ser de esquerda, pois impõe-se deitar fora os “velhos temas”, como a luta de classes (vencida pela conciliação), a reforma agrária (vencida pelo agronegócio) e a defesa do Estado e da empresa nacional (vencida pela globalização).

Vitoriosa essa linha, que pode encantar os que reduzem a política ao processo eleitoral, as esquerdas, nomeadamente a esquerda socialista, seriam condenadas à afasia, renunciando ao dever do proselitismo, do qual, aliás, se afastou desde as eleições de 2002, com as consequências consabidas, e delas destaco a fragilidade atual do movimento sindical e o atraso ideológico das grandes massas, cujo índice é a penetração do bolsonarismo entre as chamadas classes subalternas.

Inicia-se uma longa caminhada de pouco mais de nove meses. E ela só terá sentido histórico, para as esquerdas (assim mesmo, no plural), se se constituírem em oportunidade de mobilização e organização popular, política e ideológica.

O processo eleitoral, com as condições de articulação e debate que assegura, com o acesso aos grandes meios de comunicação que propicia, com o ambiente de liberdade e movimento que enseja, deve ser visto pelos partidos e organizações populares e progressistas como a grande oportunidade de contato direto com as massas.

Derrotar a chaga do bolsonarismo não pode ser visto como um fim em si mesmo, fito que tudo justifica.

***

Barriga de aluguel – Para emprestar sua legenda ao ex-governador Geraldo Alckmin, dando-lhe assim condição jurídica de ocupar a vaga de vice na chapa de Lula, o PSB – que vem de sua aliança com Aécio Neves em 2014, e do seu comprometimento com a campanha de Eduardo Cunha à presidência da Câmara em 2015, ponto de partida para o golpe – exige o apoio do PT a seus candidatos em Estados nos quais, como no Rio de Janeiro e RS, não tem votos, ou em Pernambuco, onde seu proclamado candidato renunciou à propositura.

Isso, no dicionário de Antônio Houaiss, que foi presidente da sigla quando esta buscava o socialismo, está grafado como chantagem.

Homenagem a Eny Moreira – Francis Bogossian, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos-IBEP, informa que a instituição realizará uma mesa-redonda sobre a vida e a atuação da criminalista Eny Moreira, minha querida amiga recentemente falecida. A homenagem será no próximo 5 de abril, quando a destemida advogada de presos políticos na ditadura completaria 77 anos.

*Roberto Amaral foi presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula. Atualmente, é professor, cientista político e jornalista.

PS do Viomundo: Via WhatsApp, perguntamos a Lindbergh Farias (PT-RJ), atualmente vereador na cidade do Rio de Janeiro), se chegou a denunciar a PM de Alckmin à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Até a publicação deste artigo, ele não havia retornado. Tão logo isso ocorra, acrescentaremos a informação.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Zé Maria

A partir do dia 04/01/2022 as Pesquisas Eleitorais passaram a ser obrigatoriamente registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Para consulta às Enquetes das Eleições Presidenciais, acesse:

https://www.tse.jus.br/eleicoes/pesquisa-eleitorais/consulta-as-pesquisas-registradas

E escolha as Opções:

Eleição: “Eleições Gerais 2022”
UF: “BRASIL”
“Pesquisar”

[Não é necessário digitar o Número de Identificação]

João de Paiva

Quando Roberto Amaral escreve ou fala, cabe a nós lê-lo ou ouvi-lo com atenção e respeito. Em síntese ele está dizendo o mesmo que eu: o sempre tucano, golpista, vira-latas, privatista, entreguista, o senhor opus dei, Geraldo Alckmin é o ovo da serpente que desejam colocar nos ninhos esquerdista, PSBista, petista, para garantir que, após a “tancredização de Lula” – caso esse se lance candidato e seja eleito – se consolide com um legítimo herdeiro e sucessor da casa grande.

Henrique martins

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/pl-faz-pedido-bolsonaro-live/

RISOS.
Querem evitar que ele continue falando m…..
Mal sabem eles que todas as m…
que ele já falou e ainda vai falar vão deixá-los com um baita mau cheiro perante a população. A ver..

Henrique martins

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/bolsonaro-nao-avisa-equipe-e-anda-de-moto-sem-seguranca/

Ue….. Será que em sua cabeça delirante ele deseja sofrer um atentado para se fazer de vítima de novo?

Se essa moda pegar desconfiem.

Porque ele pode muito bem armar para ser atacado e com isso acusar a esquerda.

Henrique Martins

https://www.rt.com/news/546171-california-tsunami-warning-tonga/

Na verdade, é a costa leste da Califórnia que está fadada a ser destruída no futuro com um mega tsunami provocado pela mulher de sangue azul e sua trupe.
É que as autoridades da Califórnia vão descobrir a verdade sobre ela e não vão aceitar que os EUA continuem a apoia-la.
Daí vão promover um movimento político – obviamente sem contar a verdade para população, apesar que muitos cidadãos vão acabar sabendo e tentarão alertar os outros
pela internet- e vão se separar dos EUA tornando-se uma nação autônoma.
Será um baque para os EUA perder a Califórnia.
Inclusive, eu já disse aqui que no futuro nao muito distante a mulher de sangue azul vai dar um jeito de destruir a economia americana para ameaça-los com receio que eles se unam à Rússia e à China na luta contra ela. Obviamente, isso acontecerá depois que eles – os EUA – estiverem cientes da verdade. Em princípio , eles vão “fingir de égua’ para ela deixa-los em paz, mais essa dona não vai deixá-los passar batido.
Apesar do egoísmo dos americanos eu tenho pena deles.

Devagarinho, isto é, sempre que eu tiver autorização espiritual vou contar algumas coisas sobre o futuro aqui no blog.
Eu venho afirmando que Bolsonaro não chega ao final do mandato e cairá desonrado. Considerando que talvez eu seja a única pessoa do país que afirma isso, depois que acontecer quem sabe alguém me dá algum crédito né.

Elio Veiga

O Alckmin nesse momento de ódio na política nacional provocado pelo Aécio e pela lava jato é ” um mal ” necessário, mas encher o palanque do Lula com um monte de deputado traidor aí eu já acho uma falta de inteligência.
É quase certo que puxaram o tapete do PT de novo.
Esses deputados, senadores e governadores que traíram o pt em 2016 e depois o povo com o teto de gastos e as reformas trabalhista e previdenciária não são nem um pouco confiáveis.
E mesmo o Alckmin o que ele pensa de todos esses assuntos. Ninguém sabe.
O que ele pensa de aumento para os servidores sendo que em SP ele nunca valorizou a categoria.
Talvez não seja uma boa ideia tucanizar o PT.

Henrique martins

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/bolsonaro-bravo-paulo-guedes/

Ele é muito covarde para demiti-lo e falta dignidade ao Guedes para pedir demissão.

Zé Maria

A PM Tucana, agora Bolsonarista, sempre foi Assassina. É uma ‘Cuestão’ de Método.

Zé Maria

O Discurso da Esquerda nas Eleições será feito pela Militância de Esquerda, como sempre.

Deixe seu comentário

Leia também