Roberto Amaral: Precisamos discutir o Brasil

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Presidente Lula na posse de Marcio Pochmann, novo presidente do IBGE -- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 18 de agosto, no Ministério do Planejamento, em Brasília (DF). Foto: Ricardo Stuckert/PR

Precisamos discutir o Brasil

Por Roberto Amaral*

Ao anunciar o novo Pacto de Aceleração do Crescimento – PAC, que a rigor consiste, tão só, numa tentativa de recuperação do atraso, porque crescimento não há por registrar, o presidente Lula marcou a data (11 de agosto) como a do início de seu terceiro governo, ainda condicionado, tanto na sua composição quanto no conteúdo programático, pelas negociações em curso.

O ministério de hoje é sabidamente pro tempore, e o PAC anunciado, nada obstante a liderança política e moral do presidente, será conduzido por cabeças ainda não coroadas. Que os deuses do Olimpo zelem por nós.

Uma maior privatização dos recursos públicos é o preço que essa entidade chamada Centrão cobra, às escâncaras, para apoiar um governo sem sustentação parlamentar própria, a fôrma deste mostrengo em que se transformou o falecido “presidencialismo de coalizão”: um inviável regime no qual a Câmara dos Deputados, um Moloch insaciável, tem mais poder que o Executivo.

A crise logo transbordará da política para a institucionalidade, porque os maus ventos sempre anunciam tempestades.

Respeitadas as circunstâncias, que normalmente frustram os sonhos, há, porém, o que celebrar.

Refiro-me à resistência do presidente, desafiado a todo tempo em sua habilidade política e testado em sua fidelidade ao projeto que o levou das greves dos Metalúrgicos do ABC ao Palácio do Planalto, já pela terceira vez – fato inédito nesta República oligárquica.

Mas me refiro de igual modo ao PAC em si, sem ainda discutir seu escopo, ao fim e ao cabo um programa de governo de cerca de quatro anos, a que não revelou apreço a chamada grande mídia.

Registro que este terceiro governo Lula, em seu sétimo mês, começa pelo bom início, que é a recuperação do planejamento como instrumento de gestão.

O que não é pouca coisa, nas condições presentes, mas não é nada demais, tendo em vista que até mesmo a ditadura castrense adotou esse modelo por anos a fio.

Eis um indicador do nosso atraso.

Com o novo PAC, que esperamos possa ter o sucesso negado aos seus antecessores, retomamos a boa tradição do Estado indutor do desenvolvimento, que conhecemos principalmente na saga varguista, que FHC jurou erradicar.

Se não chegarmos a assentar as bases de um Estado socialmente e economicamente democrático, que não deveria ser historicamente tão custoso – e hoje, para nós brasileiros, tão distante –, aspiremos ao mínimo oferecido pela história do presente, a saber, a ablação do neoliberalismo associado ao autoritarismo, essa degradação de que a soberania popular nos livrou em outubro de 2022, sem ainda nos poder livrar da preeminência da caserna, que nos malsina a República desde o nascedouro.

O conservadorismo mais rés-do-chão se irmana ao cobiçoso Centrão, transformando o poder legislativo num colegiado reacionário, refratário a qualquer sorte de mudança nas estruturas arcaicas do poder, de que são produto.

Os “grotões” do atraso habitam a Faria Lima e os quartéis e dão ordens ao Brasil, diretamente nos gabinetes do poder (em todas as suas instâncias), ou por intermédio dos grandes meios de comunicação, seu aparelho ideológico de dominação.

Por isso mesmo, no Brasil que passa fome, não se discute o Brasil, não se discute que sociedade temos, nem muito menos que sociedade precisamos ter. O que deveria ser o debate nacional cede espaço ao império da irrelevância; a futilidade como projeto expele a informação.

Este quadro, contudo, não é suficiente para explicar o conservadorismo larvar da sociedade brasileira, pois é apenas um elemento, certamente não decisivo, na teia histórico-sociológica que costura nossa formação: seremos sempre filhos da casa-grande e da senzala se não reagirmos ao desafio, ou seja, se continuarmos nos omitindo do debate.

E as esquerdas em tudo isso?

Se as disputas eleitorais são necessárias, e devemos enfrentá-las com o melhor das nossas forças, é também preciso ter claro que, no sistema do capital, o domínio da burguesia é tão sólido que, como alertou Lenin, a mera troca de agentes – de pessoas ou partidos – não abole esse poder.

Ou seja, é falsa crença de que a vitória nas urnas, por si só, assegura que a vontade da maioria seja posta em prática, e priorizadas as suas necessidades.

As comprovações disso abundam no cotidiano brasileiro, e talvez não haja melhor exemplo do que a tranquilidade com que o grande capital encara a periódica substituição de seis por meia dúzia, a cada pleito, no comando da economia nacional.

Em ocasiões extremas a ordem democrática permite a ascensão de um “estranho no ninho”, mas se lhe cede a governança vigiada ou compartilhada, não lhe permite o exercício poder. Quando esse limite é intentado, a resposta é a de sempre: golpe de Estado.

Eis por que a educação política e a organização popular são a chave para qualquer projeto de esquerda – algo que as forças reacionárias, ao menos elas, não se permitem ignorar.

Voltando: o PAC parece ser uma obra bem engendrada, mas jamais será um projeto com o qual o povo (aquele que dá suporte real a Lula) possa se identificar, pois não lhe pertence. Chamado às ruas para defendê-lo, ficará em casa.

Porque simplesmente não foi ouvido nem chamado ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro, onde, em noite de gala, o Pacto foi apresentado a uma plateia seleta.

Por enquanto é um belo texto, certamente será publicado no Diário Oficial, mas será sempre simplesmente isso: um documento elaborado por técnicos competentes e bem-intencionados. Nada mais.

É pouco para um país recentemente assolado pelo assalto da direita protofascista, com inegável apoio popular. Será um engano, certamente letal, suporem as esquerdas que os desafios foram eliminados com as difíceis eleição e posse do presidente Lula.

Jamais esquecer que muitas vezes águas passadas movem moinhos. Aos incréus sugiro uma mirada em nosso entorno sul-americano, começando por Colômbia, Argentina e a tragédia peruana.

Contra o repouso do guerreiro em plena guerra, sugiro o combate permanente: nos termos de hoje é a batalha ideológica, fundamental para a conquista da sociedade e para a sustentação do governo Lula.

Com o PAC, Lula nos promete a retomada do desenvolvimento, e associa o progresso ao combate à megera miséria, filha primogênita da obscena concentração de renda: segundo o IBGE, , a renda do 1% de brasileiros mais ricos é 33 vezes superior à renda da metade mais pobre da população.

Que tal irmos mais adiante e fazermos deste país uma grande ágora, promovendo o debate livre e o livre pensar em todos os cantos e a propósito de tudo e de qualquer coisa?

Este é o bom momento de o presidente abrir o diálogo nacional, pôr o país a pensar seus problemas e suas soluções com a sociedade. Perdida esta oportunidade (muitas já foram desperdiçadas), podemos ter segurança de que a História nos absolverá?

Apostamos todas as fichas da esperança na coragem de Lula, líder e estadista, aquele que vê mais longe que seus acompanhantes de caminhada.

O desafio é passar o país a limpo, como reclamava Darcy Ribeiro, usando a reflexão, o livre pensar, o indagar, o questionar, como ferramenta pedagógica. Estimular as dúvidas, e contar que o povo encontrará respostas. Discutir o país. Por que ele é desse jeito?

Ao debater a vida nacional e a vida em seu bairro, em sua cidade, o transporte, a violência, o desemprego, a escola, o sistema político… o povo, sozinho, sem o concurso de instrutores ou conselheiros, compreenderá que nem a pobreza nem a riqueza são fenômenos naturais.

A partir desse momento ele conquistará a liberdade que a sociedade de classes lhe nega, e se transformará em cidadão. Sujeito ativo, se transformará em agente do processo histórico.

Um ensaio pode ser trabalhar o PAC como um projeto político, recordando o entusiasmo e a confiança que levaram o antigo PT a implantar o orçamento participativo, hoje uma saudosa lembrança.

Aula Magna – Assim foi definida, por muitos (defensores ou não da justiça social), a participação de João Pedro Stedile na farsesca “CPI do MST”, que vai se extinguindo na Câmara dos Deputados.

Como o inquérito carece da necessária definição de objeto, a reunião da última terça-feira deu ao líder do MST uma oportunidade – rara – de falar ao grande público, com fineza e acuidade, sobre modelo agrário, relações de produção, sociedade de classes e outros temas que domina com brilhantismo, para o espanto de uma meia dúzia de beócios (a começar pelo presidente e o relator do colegiado) que avaliaram poder acuá-lo.

Um dos pontos que a aula de Stedile nos deixa para reflexão é a reprodução do modelo agroexportador colonial – que produzia riqueza sem desenvolver o país – no agronegócio que aí está, cantado em verso e prosa pelo aparelho ideológico do grande capital.

Outro é o riquíssimo exemplo, de confiança e aposta na capacidade de auto-organização do nosso povo, que o MST e outros movimentos sociais oferecem às esquerdas brasileiras.

Há de ser por isso que são tão temidos e odiados. Oxalá essa Aula Magna ecoe nos gabinetes de nossos e nossas parlamentares e diga algo aos partidos que confundem tática com estratégia.

*Roberto Amaral foi presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula. Atualmente, é professor, cientista político e jornalista.

* Com a colaboração de Pedro Amaral.

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Comentários

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Zé Maria

“Na última vez que participei da Cúpula do Brics, em 2010,
tive a honra de receber os países no Brasil.
Naquele momento saímos fortalecidos com o ingresso da África do Sul.
Passamos a refletir melhor a nova configuração do poder mundial.

Hoje, representamos 41% da população [do Planeta Terra] e
somos responsáveis por 31% do PIB global em paridade do
poder de compra.
Mas também enfrentamos um momento complexo, de competição
geopolítica, que corrói o multilateralismo.”

https://twitter.com/LulaOficial/status/1694292459465961610

Zé Maria

“Histórico discurso de Lula (*) nos @BRICSinfo, repercutindo
os principais encaminhamentos da Cúpula da Amazônia
e recordando a ênfase dada por Janja no Le Monde,
destacando as mulheres na construção da paz,
já que são as que sofrem as piores consequências da guerra.”

Jurista CAROL PRONER
https://twitter.com/CarolProner/status/1694311333053767766
Professora de Direito Internacional ( UFRJ).
Diretora Executiva do IJHF –
Instituto Joaquín Herrera Flores – e da
Escuela de Estudios Latinoamericanos y Globales.
Membro da ABJD –
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.
Membro do Consejo Latinoamericano de Justicia y Democracia.
Coordenadora do Programa Máster Universitario de Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo de La Universidad Pablo de Olavide
y la Universidad Internacional de Andalucía (España).
https://www.escavador.com/sobre/4939881/caroline-proner

*Confira o Discurso do Presidente Lula nos BRICS: https://t.co/MBZzfTK5UO
https://twitter.com/LulaOficial/status/1694328545340739691

https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos-e-pronunciamentos/2023/discurso-do-presidente-da-republica-luiz-inacio-lula-da-silva-durante-sessao-plenaria-aberta-da-xv-cupula-do-brics

Zé Maria

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“Presidente @ArthurLira_ precisa entender que a taxação dos fundos
de brasileiros nos paraísos fiscais e os aperfeiçoamentos que o Senado
fez no arcabouço fiscal interessam acima de tudo ao país.

Não faz sentido transformar essas duas votações em queda de braço
com o governo, porque todos vão sair perdendo, exceto os super ricos
que não pagam imposto e os que não suportam ver o país crescer
e gerar empregos, com investimentos públicos e privados.

É hora de pensar no Brasil em primeiro lugar”

https://twitter.com/Gleisi/status/1693985823610528030
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“Não espere atitude positiva de Artur Lira.
No golpe comprovado contra Dilma
ele era o presidente da CCJ.”
https://twitter.com/jalfredo14/status/1694006776960577630
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Zé Maria

“Que história é essa da cúpula do congresso ser contra
tributar os fundos offshore (investimentos de brasileiros
em paraísos fiscais). Por quê?
Isso não é aumento de carga tributária.
É cobrar imposto de quem não paga nada.
Quem investe no Brasil paga. Trabalhador paga imposto.
E os super ricos ficam na boa? Tem bilhões, trilhões de reais
de brasileiros no mundo sem pagar imposto!
Isso é injustificável.
É preciso vir a tributação offshore já!”

Deputada Federal Gleisi Hoffmann (PT/PR)
Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores
https://twitter.com/Gleisi/status/1693669364925448438

João Ferreira Bastos

Antes se faz necessário, prender todos os golpistas, terroristas e financiadores
sejam civis e/ou principalmente militares

Zé Maria

OFFSHORE

“Bilionários Utilizam Paraísos/Refúgios Fiscais
Para Não Pagar Impostos no País”

“Brasil não taxa quem envia dinheiro para o exterior,
e muitas empresas e pessoas físicas se utilizam disso
para ter maiores ganhos financeiros sem tributação”.

A taxação do dinheiro que os super-ricos mantêm fora do Brasil
em paraísos/refúgios fiscais, utilizando o sistema chamado de
“offshore” [no exterior], está na mira do Ministério da Fazenda,
que espera arrecadar R$ 3,25 bilhões em impostos em 2023,
chegando a R$ 6,75 bilhões em 2025.

Segundo o Banco Central, os mi-bilionários brasileiros têm no exterior
R$ 1 trilhão de reais investidos em diversos fundos.

O economista da Unicamp Marcelo Manzano,explica como funciona o sistema offshore (fora da costa, em inglês).

“É pelo offshore que uma pessoa mantém dinheiro do Brasil rendendo lá fora,
recebendo lucros e escapando da fiscalização, e sem cobrança de tributos.
Este tipo de negócio vem sendo combatido por países da Europa e pela OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico],
que tentam estabelecer regras mais justas”, diz Manzano.

O economista cita como exemplo pessoas físicas e/ou jurídicas que preferem remeter suas rendas para países muitas vezes pequenos
que não cobram impostos e por isso são chamados de paraísos fiscais.

“É importantíssimo taxar essas operações.
Acabar com essa farra para escapar de pagar imposto aqui.
O Brasil é um dos países que menos tributa lucro e dividendo.
Isso é uma vergonha porque o capital paga pouco imposto
e quem paga é o pobre que acaba compensando a falta de
pagamento do rico”, afirma Manzano.

Íntegra:

https://www.cut.org.br/noticias/offshore-como-bilionarios-utilizam-paraisos-fiscais-para-nao-pagar-impostos-no-p-2415

Zé Maria

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A Burocracia Governamental nunca integrou a

Concepção do Processo Organizativo do MST.

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