O golpismo no banco dos réus
Roberto Amaral*
É relevante e inédita entre nós a prisão de um ex-presidente da República e, com ela, a de uma récua de oficiais superiores das forças armadas (três generais e um almirante de esquadra, e um extenso rol de coronéis, majores e capitães) julgados e condenados ao cárcere por conspirarem contra a democracia.
Julgamento e condenação levados a cabo pelo poder civil, às claras, sem qualquer sorte de questionamento digno e, até aqui, sem resistência corporativa. A lição há de ser esta: a partir de agora (hosanas!), atentar contra a democracia pode sair caro.
Mas, trata-se, ainda, de uma só expectativa, ou sonho, cuja efetividade depende, e muito, do papel a ser desempenhado pelo poder político, que vem dando poucos sinais de vitalidade; a tudo assiste silente, e em face do processo histórico procura instalar-se na plateia.
O fato é que a chamada sociedade carece de motivação própria, ou de estímulo (falência dos partidos populares?), para voltar às ruas em defesa da democracia, que deveria ser seu ânimo mais caro.
A exceção, animadora, foram as recentes mobilizações de 21 de setembro, que percorreram o país e empolgaram o Rio de Janeiro e São Paulo.
Mas, a rigor, o julgamento do STF não teve a animá-lo o clamor das ruas, nada obstante seu significado histórico e suas repercussões no processo político imediato, quando o presidencialismo, e por consequência a estabilidade institucional, é posto em crise pelo açambarcamento de poderes do Executivo por um Congresso mais e mais apartado do sentimento nacional. E mais e mais reacionário, e mais e mais controlado por grupos de interesses. Um congresso despido de compromissos republicanos.
Mas voltemos a nos debruçar sobre a importância e os prováveis desdobramentos das decisões do STF.
A primeira relevância, já referida, vem da qualificação dos condenados — à frente de todos, como líder da organização criminosa, caminha um capitão do Exército, desprezível como ser humano e, no entanto, ex-presidente da República —, mas nela não se esgota, pois é de notável importância a tipificação do crime: tentativa de golpe contra a democracia.
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Crime político, apurável e punível. Este o selo do STF. Ineditismo que, pela sua repercussão política e jurisprudencial, não pode e não deverá esgotar-se como fato isolado, episódico. Precisamos cultivá-lo como boa semente em nosso direito público.
As alvíssaras, porém, não apagam o processo histórico vivido. Ao contrário, pautam na ordem do dia a discussão, sempre atual e sempre adiada, do papel dos militares na vida nacional.
A prisão dos principais responsáveis pela intentona golpista de janeiro de 2023, anunciada e festejada no último dia 25 de novembro, é animadora quando sugere o rompimento de nossa história com a conciliação e a impunidade, herança colonial responsável por grande parte dos males do regime: 136 anos de uma República juncada desde o nascimento por golpes de Estado, insurreições e levantes militares; uma longa crônica de seguidas e continuadas agressões à normalidade institucional, ditaduras e regimes autoritários, fruto da tutela da caserna sobre o poder civil, preeminência insólita naturalizada de par com o mando da classe dominante.
A caserna não se cura de nostalgia autoritária, nem de sua presunçosa crença de superioridade moral e cívica sobre os civis, a fantasia do papel dos militares como fundadores e pais tutelares da pátria, a auto outorga de poder moderador na República, chave das intervenções políticas e da impunidade.
Podemos nutrir a esperança de havermos, finalmente, mudado de rumo?
O quadro presente, apenas desenhado, é animador, mas o desafio persiste.
Se aos vencedores se reservam as batatas, o perdedor deve contar com o jejum e a fome. Quando não com o exílio e o cárcere. É o conto da história de todos os tempos, menos entre nós, até ontem.
Na crônica republicana, destacadamente a partir da segunda década do século passado, os golpistas vencidos, sempre a serviço da classe dominante, jamais deixaram o pódio, e permaneceram na caserna e no poder, arquitetando e operando novas investidas contra a democracia e recolhendo seus bônus.
As promoções na carreira e o poder sobre o país premiaram os insurretos, frustrados no intento golpista, mas impunes: em 1954 (os responsáveis pela “República do Galeão”, a deposição e suicídio de Getúlio Vargas) e em 1955 (os generais que tentaram impedir a posse de Juscelino Kubitscheck).
Pouco adiante, os responsáveis pelos motins de Jacareacanga e Aragarças (1956 e 1959), visando à deposição do presidente da República, foram anistiados e promovidos, como seriam anistiados e promovidos até o topo das carreiras os golpistas de 1961 (levante comandado pelos chefes militares que entenderam de vetar a posse do vice-presidente João Goulart).
Toda essa gente, estrelada, enfeitada de faixas, dragonas, quepes com bordões dourados — e delinquente, mas impune, ponha-se sempre em relevo, porque isto está no cerne das violações constitucionais —, associou-se na conspiração contra o governo Jango em 1º de abril de 1964, e terminou — com o auxílio providencial de empresários e dos serviços de inteligência dos EUA — por depor o presidente e instaurar uma ditadura luciferina que nos malsinou por longuíssimos 21 anos. Período durante o qual, dentre outros crimes, alguns de lesa-pátria, a súcia cassou mandatos e direitos políticos, prendeu, torturou e assassinou um número sem conta de patriotas.
Os militares mataram e estimularam chacinas e a tortura de seus adversários; se autoanistiaram e administraram o próprio recesso no poder, tutelando a “transição democrática”, o governo Sarney e a “Nova República”.
A Assembleia Nacional Constituinte, exclusiva, autônoma, eleita com o mandato preciso de elaborar a nova Carta, modelo do bom direito constitucional, foi vetada, e, em seu lugar imposto o Congresso ordinário eleito em 1988, previamente enxertado pelos senadores biônicos nomeados pela ditadura.
Mesmo esse Congresso, nossa Constituinte, teve seus trabalhos monitorados pelos militares, no que se esmerou o general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército. Suas impressões digitais estão na redação do art. 142 da Constituição, mostrengo que o capitão Bolsonaro pretendia invocar na urdidura da intentona de 2023.
Se logramos, com o fim da ditadura militar, um largo período de franquias democráticas, uma sequência de eleições e posses tranquilas de presidentes (não foi o caso do terceiro mandato de Lula), o presente não se livrou do passado trazido para a ordem do dia pelo encontro do golpismo com a impunidade.
Vasos comunicantes, de golpe em golpe, de insurreição em insurreição, de impunidade em impunidade, foram sendo criadas as condições que ensejaram os idos de 2013 (desestabilização do governo) e 2016 (impeachment de Dilma Rousseff), a retomada do poder pelos militares em 2018, desta feita pela via eleitoral, animando o voluntarismo da tentativa de golpe em 2023 — a alternativa autoritária em face da derrota eleitoral ocorrida meses antes — maquinada, às escâncaras, no Palácio do Planalto e nos quartéis durante todo o governo.
Este, o quadro visível da realidade. Mas é preciso furar a epiderme histórica para trazer à tona o que a pura aparência escamoteia.
O fato a registrar não é a punição de meia dúzia de CPFs — como insiste o ministro da Defesa, no subalterno papel de porta-voz das fileiras junto ao governo e à sociedade, ao tentar personalizar, individualizar, isolar um comportamento coletivo e assim desidratá-lo de seu caráter nodal.
O desafio que se impõe é discutir (para condená-lo, antes tarde do que nunca, sem meias palavras), o indesejável papel político-partidário-ideológico desempenhado não por esta ou aquela dúzia ou meia dúzia de oficiais, mas pelo coletivo chamado forças armadas brasileiras.
Seu intervencionismo na vida política nacional, fraturando o processo social, sempre contra a democracia, sempre como expressão do passado, é que foi posto no banco dos réus e condenado pelo STF. Esta oportunidade não pode ser, mais uma vez, como o foi por contingências consabidas na Constituinte de 1988, desperdiçada pela sociedade.
Até aqui, mediante formas enviesadas e traumáticas, nos é dito o que os militares querem que sejamos, que país somos e que país deveremos ser, e, principalmente, o que não podemos ser: por exemplo, um povo sonhando com a igualdade social ou um país livre das peias do imperialismo.
O poder político, desguarnecido ou omisso, recusa a liça e se sujeita à palavra do militar acerca de si mesmo, como observa o professor Manuel Domingos Neto (O que fazer com o militar), e acerca do mundo. Por isso e por aquilo, as fileiras passaram a legislar (e fazer história) com as baionetas e os tanques. É preciso inverter o jogo: diga a sociedade, fale o poder político, que Forças Armadas desejamos organizar e manter.
Para o que quer que seja, mas, sem qualquer ordem de dúvida, para avançar, para sair do ponto morto da história — espancadas as lamúrias —, é chegada a hora e a vez de construir uma nova maioria na sociedade. O que, porém, requer dedicação, coragem e trabalho e, acima de tudo, projeto de país e capacidade de organização e mobilização popular.
Sem desconhecer que o governo de hoje é a alternativa de centro-esquerda possível em face da correlação de forças, é preciso, sem voluntarismo, ajudá-lo a avançar.
É a retomada, revista, do projeto que a correlação de forças logrou retirar da pauta do governo: a alternativa de centro-esquerda possível quando a crise do sindicalismo, o recesso dos movimentos sociais, de par com o crescimento da direita e da extrema-direita, desafiam, as estratégias e táticas do campo da esquerda organizada.
O STF, com coragem, revelando sua face oculta, levantou a bola, deu um passo largo; mas, até aqui, ainda que representando o estabelecimento de bases para considerável avanço político, é mesmo apenas isso: um primeiro passo. As cortinas se abrem para a vida real.
***
Passado que não passa — “A Constituinte embarcou em um caminho de distribuição de benefícios sociais cujo produto só pode ser um e único: redução da taxa de investimentos, com o consequente atraso econômico […]” (Jornal do Brasil, 28/02/1988). Décadas passadas, os jornalões combatiam com unhas e dentes a “Constituição Cidadã” em seu nascedouro. Hoje, pregam diuturnamente em favor do desmonte da Previdência Social, da legislação trabalhista e das carreiras de Estado. Ou seja, a classe dominante instalada no Brasil não mudou nada. É preciso mudar o país, apesar dela.
O viralatismo militante — Conhecido pela sua vassalagem ideológica, ex-embaixador do Brasil em Washington demitido por Lula já em seu primeiro mandato, é homem poderoso; frequenta a Faria Lima e escreve nos jornalões. No Estadão (25/11/25), culpa a política externa brasileira (leia-se PT) pela imposição ao Brasil das tarifas mais altas do mundo. Aponta as justas razões de Trump: a aproximação do Brasil com a China (nosso principal parceiro econômico), a filiação aos BRICs e “nossa resistência à intervenção norte-americana em assuntos internos brasileiros”.
Devastação legislativa — A derrubada, pelo Congresso que aí está, dos vetos presidenciais ao PL da Devastação, que destrói a legislação ambiental brasileira, consiste, claro, numa derrota do Planalto – mais é muito mais que isso. Trata-se de derrota da sociedade civil organizada, que se mobilizou para pressionar o Governo e tentar conter o horror; derrota dos pobres, que são os que mais sofrem as consequências dos desastres ambientais; derrota da humanidade, que sente os efeitos da degradação do planeta. Mais uma vez, o STF será chamado à liça, para restaurar a razão.
Sionismo na Folha — Minha solidariedade a Juca Kfouri e Jamil Chade, mais novas vítimas da abjeção ética e moral em que mergulha um veículo que já foi referência de bom jornalismo.
Este artigo foi publicado originalmente no site de Carta Capital em 28/11/2025.
*Roberto Amaral foi presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula. É autor do livro História do presente – conciliação, desigualdade e desafios (Editora Expressão Popular e Books Kindle).
*Com a colaboração de Pedro Amaral.
Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.




Comentários
Zé Maria
.
“85% dos Bilhões de Dólares Gerados Anualmente
pelo Tráfico Internacional de Drogas estão no
Sistema Bancário Estadunidense.”
“O Verdadeiro Cartel Está no Norte.”
NICOLÁS MADURO
Presidente da República
Bolivariana da Venezuela.
https://x.com/AlertaNews24/status/1995250988111073642
.
Zé Maria
Excertos
A rigor, o julgamento do STF não teve a animá-lo o clamor das ruas, nada obstante seu significado histórico e suas repercussões no processo político imediato, quando o presidencialismo, e por consequência a estabilidade institucional, é posto em crise pelo açambarcamento de poderes do Executivo por um Congresso mais e mais apartado do sentimento nacional.
E mais e mais reacionário, e mais e mais controlado por grupos de interesses.
Um congresso despido de compromissos republicanos.
Mas voltemos a nos debruçar sobre a importância e os prováveis desdobramentos das decisões do STF.
A primeira relevância, já referida, vem da qualificação dos condenados — à frente de todos, como líder da organização criminosa, caminha um capitão do Exército, desprezível como ser humano e, no entanto, ex-presidente da República —, mas nela não se esgota, pois é de notável importância a tipificação do crime:
tentativa de golpe contra a democracia.
Crime político, apurável e punível.
Este o selo do STF. Ineditismo que, pela sua repercussão política e jurisprudencial, não pode e não deverá esgotar-se como fato isolado, episódico.
Precisamos cultivá-lo como boa semente em nosso direito público.
As alvíssaras, porém, não apagam o processo histórico vivido.
Ao contrário, pautam na ordem do dia a discussão, sempre atual e sempre adiada, do papel dos militares na vida nacional.
A prisão dos principais responsáveis pela intentona golpista de janeiro de 2023, anunciada e festejada no último dia 25 de novembro, é animadora quando sugere o rompimento de nossa história com a conciliação e a impunidade, herança colonial responsável por grande parte dos males do regime:
136 anos de uma República juncada desde o nascimento por golpes de Estado, insurreições e levantes militares; uma longa crônica de seguidas e continuadas agressões à normalidade institucional, ditaduras e regimes autoritários, fruto da tutela da caserna sobre o poder civil, preeminência insólita naturalizada de par com o mando da classe dominante.
A caserna não se cura de nostalgia autoritária, nem de sua presunçosa crença de superioridade moral e cívica sobre os civis, a fantasia do papel dos militares como fundadores e pais tutelares da pátria, a auto outorga de poder moderador na República, chave das intervenções políticas e da impunidade.
Podemos nutrir a esperança de havermos, finalmente, mudado de rumo?
O quadro presente, apenas desenhado, é animador, mas o desafio persiste.
Se aos vencedores se reservam as batatas, o perdedor deve contar com o jejum e a fome.
Quando não com o exílio e o cárcere.
É o conto da história de todos os tempos, menos entre nós, até ontem.
Na crônica republicana, destacadamente a partir da segunda década do século passado, os golpistas vencidos, sempre a serviço da classe dominante, jamais deixaram o pódio, e permaneceram na caserna e no poder, arquitetando e operando novas investidas contra a democracia e recolhendo seus bônus.
As promoções na carreira e o poder sobre o país premiaram os insurretos, frustrados no intento golpista, mas impunes: em 1954 (os responsáveis pela “República do Galeão”, a deposição e suicídio de Getúlio Vargas) e em 1955 (os generais que tentaram impedir a posse de Juscelino Kubitscheck).
Pouco adiante, os responsáveis pelos motins de Jacareacanga e Aragarças (1956 e 1959), visando à deposição do presidente da República, foram anistiados e promovidos, como seriam anistiados e promovidos até o topo das carreiras os golpistas de 1961 (levante comandado pelos chefes militares que entenderam de vetar a posse do vice-presidente João Goulart).
Toda essa gente, estrelada, enfeitada de faixas, dragonas, quepes com bordões dourados — e delinquente, mas impune, ponha-se sempre em relevo, porque isto está no cerne das violações constitucionais —, associou-se na conspiração contra o governo Jango em 1º de abril de 1964, e terminou — com o auxílio providencial de empresários e dos serviços de inteligência dos EUA — por depor o presidente e instaurar uma ditadura luciferina que nos malsinou por longuíssimos 21 anos.
Período durante o qual, dentre outros crimes, alguns de lesa-pátria, a súcia cassou mandatos e direitos políticos, prendeu, torturou e assassinou um número sem conta de patriotas.
Os militares mataram e estimularam chacinas e a tortura de seus adversários;
se autoanistiaram e administraram o próprio recesso no poder, tutelando a “transição democrática”, o governo Sarney e a “Nova República”.
A Assembleia Nacional Constituinte, exclusiva, autônoma, eleita com o mandato preciso de elaborar a nova Carta, modelo do bom direito constitucional, foi vetada, e, em seu lugar imposto o Congresso ordinário eleito em 1988, previamente enxertado pelos senadores biônicos nomeados pela ditadura.
Mesmo esse Congresso, nossa Constituinte, teve seus trabalhos monitorados pelos militares, no que se esmerou o general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército.
Suas impressões digitais estão na redação do art. 142 da Constituição, mostrengo que o capitão Bolsonaro pretendia invocar na urdidura da intentona de 2023.
Se logramos, com o fim da ditadura militar, um largo período de franquias democráticas, uma sequência de eleições e posses tranquilas de presidentes (não foi o caso do terceiro mandato de Lula), o presente não se livrou do passado trazido para a ordem do dia pelo encontro do golpismo com a impunidade.
Vasos comunicantes, de golpe em golpe, de insurreição em insurreição, de impunidade em impunidade, foram sendo criadas as condições que ensejaram os idos de 2013 (desestabilização do governo) e 2016 (impeachment de Dilma Rousseff), a retomada do poder pelos militares em 2018, desta feita pela via eleitoral, animando o voluntarismo da tentativa de golpe em 2023 — a alternativa autoritária em face da derrota eleitoral ocorrida meses antes — maquinada, às escâncaras, no Palácio do Planalto e nos quartéis durante todo o governo.
Este, o quadro visível da realidade.
Mas é preciso furar a epiderme histórica para trazer à tona o que a pura aparência escamoteia.
O fato a registrar não é a punição de meia dúzia de CPFs — como insiste o ministro da Defesa, no subalterno papel de porta-voz das fileiras junto ao governo e à sociedade, ao tentar personalizar, individualizar, isolar um comportamento coletivo e assim desidratá-lo de seu caráter nodal.
O desafio que se impõe é discutir (para condená-lo, antes tarde do que nunca, sem meias palavras), o indesejável papel político-partidário-ideológico desempenhado não por esta ou aquela dúzia ou meia dúzia de oficiais, mas pelo coletivo chamado ‘forças armadas brasileiras’.
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Zé Maria
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A rigor, o julgamento do STF não teve a animá-lo o clamor das ruas, nada obstante seu significado histórico e suas repercussões no processo político imediato, quando o presidencialismo, e por consequência a estabilidade institucional, é posto em crise pelo açambarcamento de poderes do Executivo por um Congresso mais e mais apartado do sentimento nacional.
E mais e mais reacionário, e mais e mais controlado por grupos de interesses.
Um congresso despido de compromissos republicanos.
Mas voltemos a nos debruçar sobre a importância e os prováveis desdobramentos das decisões do STF.
A primeira relevância, já referida, vem da qualificação dos condenados — à frente de todos, como líder da organização criminosa, caminha um capitão do Exército, desprezível como ser humano e, no entanto, ex-presidente da República —, mas nela não se esgota, pois é de notável importância a tipificação do crime:
tentativa de golpe contra a democracia.
Crime político, apurável e punível.
Este o selo do STF. Ineditismo que, pela sua repercussão política e jurisprudencial, não pode e não deverá esgotar-se como fato isolado, episódico.
Precisamos cultivá-lo como boa semente em nosso direito público.
As alvíssaras, porém, não apagam o processo histórico vivido.
Ao contrário, pautam na ordem do dia a discussão, sempre atual e sempre adiada, do papel dos militares na vida nacional.
A prisão dos principais responsáveis pela intentona golpista de janeiro de 2023, anunciada e festejada no último dia 25 de novembro, é animadora quando sugere o rompimento de nossa história com a conciliação e a impunidade, herança colonial responsável por grande parte dos males do regime:
136 anos de uma República juncada desde o nascimento por golpes de Estado, insurreições e levantes militares; uma longa crônica de seguidas e continuadas agressões à normalidade institucional, ditaduras e regimes autoritários, fruto da tutela da caserna sobre o poder civil, preeminência insólita naturalizada de par com o mando da classe dominante.
A caserna não se cura de nostalgia autoritária, nem de sua presunçosa crença de superioridade moral e cívica sobre os civis, a fantasia do papel dos militares como fundadores e pais tutelares da pátria, a auto outorga de poder moderador na República, chave das intervenções políticas e da impunidade.
Podemos nutrir a esperança de havermos, finalmente, mudado de rumo?
O quadro presente, apenas desenhado, é animador, mas o desafio persiste.
Se aos vencedores se reservam as batatas, o perdedor deve contar com o jejum e a fome.
Quando não com o exílio e o cárcere.
É o conto da história de todos os tempos, menos entre nós, até ontem.
Na crônica republicana, destacadamente a partir da segunda década do século passado, os golpistas vencidos, sempre a serviço da classe dominante, jamais deixaram o pódio, e permaneceram na caserna e no poder, arquitetando e operando novas investidas contra a democracia e recolhendo seus bônus.
As promoções na carreira e o poder sobre o país premiaram os insurretos, frustrados no intento golpista, mas impunes: em 1954 (os responsáveis pela “República do Galeão”, a deposição e suicídio de Getúlio Vargas) e em 1955 (os generais que tentaram impedir a posse de Juscelino Kubitscheck).
Pouco adiante, os responsáveis pelos motins de Jacareacanga e Aragarças (1956 e 1959), visando à deposição do presidente da República, foram anistiados e promovidos, como seriam anistiados e promovidos até o topo das carreiras os golpistas de 1961 (levante comandado pelos chefes militares que entenderam de vetar a posse do vice-presidente João Goulart).
Toda essa gente, estrelada, enfeitada de faixas, dragonas, quepes com bordões dourados — e delinquente, mas impune, ponha-se sempre em relevo, porque isto está no cerne das violações constitucionais —, associou-se na conspiração contra o governo Jango em 1º de abril de 1964, e terminou — com o auxílio providencial de empresários e dos serviços de inteligência dos EUA — por depor o presidente e instaurar uma ditadura luciferina que nos malsinou por longuíssimos 21 anos.
Período durante o qual, dentre outros crimes, alguns de lesa-pátria, a súcia cassou mandatos e direitos políticos, prendeu, torturou e assassinou um número sem conta de patriotas.
Os militares mataram e estimularam chacinas e a tortura de seus adversários;
se autoanistiaram e administraram o próprio recesso no poder, tutelando a “transição democrática”, o governo Sarney e a “Nova República”.
A Assembleia Nacional Constituinte, exclusiva, autônoma, eleita com o mandato preciso de elaborar a nova Carta, modelo do bom direito constitucional, foi vetada, e, em seu lugar imposto o Congresso ordinário eleito em 1988, previamente enxertado pelos senadores biônicos nomeados pela ditadura.
Mesmo esse Congresso, nossa Constituinte, teve seus trabalhos monitorados pelos militares, no que se esmerou o general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército.
Suas impressões digitais estão na redação do art. 142 da Constituição, mostrengo que o capitão Bolsonaro pretendia invocar na urdidura da intentona de 2023.
Se logramos, com o fim da ditadura militar, um largo período de franquias democráticas, uma sequência de eleições e posses tranquilas de presidentes (não foi o caso do terceiro mandato de Lula), o presente não se livrou do passado trazido para a ordem do dia pelo encontro do golpismo com a impunidade.
Vasos comunicantes, de golpe em golpe, de insurreição em insurreição, de impunidade em impunidade, foram sendo criadas as condições que ensejaram os idos de 2013 (desestabilização do governo) e 2016 (impeachment de Dilma Rousseff), a retomada do poder pelos militares em 2018, desta feita pela via eleitoral, animando o voluntarismo da tentativa de golpe em 2023 — a alternativa autoritária em face da derrota eleitoral ocorrida meses antes — maquinada, às escâncaras, no Palácio do Planalto e nos quartéis durante todo o governo.
Este, o quadro visível da realidade.
Mas é preciso furar a epiderme histórica para trazer à tona o que a pura aparência escamoteia.
O fato a registrar não é a punição de meia dúzia de CPFs — como insiste o ministro da Defesa, no subalterno papel de porta-voz das fileiras junto ao governo e à sociedade, ao tentar personalizar, individualizar, isolar um comportamento coletivo e assim desidratá-lo de seu caráter nodal.
O desafio que se impõe é discutir (para condená-lo, antes tarde do que nunca, sem meias palavras), o indesejável papel político-partidário-ideológico desempenhado não por esta ou aquela dúzia ou meia dúzia de oficiais, mas pelo coletivo chamado ‘forças armadas brasileiras’.
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MESTRE ROBERTO AMARAL
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Zé Maria
CONGRESSO DA DEVASTAÇÃO
“Congresso Derruba 52 Vetos Presidenciais
sobre Regulação do Licenciamento Ambiental”
Com a decisão do Congresso, voltam a valer trechos vetados da Lei Geral do Licenciamento
Ambiental que:
– dispensam licenciamento para atividades classificadas como de impacto mínimo;
– reduzem exigências de estudos prévios,
incluindo regras mais restritivas para
a obrigatoriedade de Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto
Ambiental (RIMA);
– ampliam o uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite
licenciamentos simplificados e
autodeclaratórios, sem análise prévia
do órgão ambiental;
– diminuem o peso de pareceres vinculantes de
instituições como Funai, Iphan, Fundação Palmares
e gestores de unidades de conservação, afetando
diretamente a proteção de territórios indígenas,
quilombolas e áreas sensíveis;
– aceleram licenciamento de obras de médio impacto,
como ampliações de rodovias, projetos de saneamento
e empreendimentos de infraestrutura já existentes.
Segundo especialistas os dispositivos restabelecidos aumentam riscos
socioambientais, reduzem mecanismos
de controle e elevam a insegurança para
populações vulneráveis.
“O governo vai judicializar a questão.
O entendimento deverá ser o descumprimento
do Artigo 225 da Constituição, que fala que todos
temos direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
Será uma forma de transformar “o luto em luta”, disse a Ministra do Meio Ambiente e Mudança
do Clima, Marina SIlva.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/en/node/1670088
https://www.cartacapital.com.br/politica/apos-derrota-no-congresso-marina-silva-diz-que-licenciamento-sofre-demolicao-e-avalia-judicializacao/
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