Professor Ricardo Salles: Recuar agora não desarma o golpe, só o fortalece

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Reprodução redes sociais

Sobre manifestos e domingos na rua

Sobre manifestos e domingos na rua

por Ricardo H. Salles*, especial para o Viomundo

1. Domingo passado trouxe dois fatos novos na conjuntura brasileira.

Como tais estou entendendo algo realmente novo, não o desdobramento de acontecimentos e processos já em curso anteriormente, como panelaços, pedidos de impeachment, de anulação das eleições de 2018, investigações criminais contra o presidente, seus filhos e correligionários, por um lado, e manifestações domingueiras e alegres de bolsonaristas, ameaças de golpe militar e membros do governo e, macabramente, mortes e mais mortes pelo Covid-19, por outro.

O primeiro fato novo foi o aparecimento de manifestos, que tiveram larga difusão na grande mídia, contra Bolsonaro e pela Democracia, assinados por diversas entidades e personalidades da sociedade.

O segundo foram as manifestações de rua também pela Democracia, contra o governo e o bolsonarismo e, em alguns casos, contra o racismo e a violência policial nas periferias.

2. Duas discussões públicas se instalaram imediatamente a partir desses eventos.

Lula deveria ou não assinar esses manifestos, especialmente o Estamos#Juntos?

Os partidos de oposição, especialmente de esquerda, e os movimentos e entidades populares deveriam se juntar à convocação de uma nova ida às ruas pela democracia, contra o governo e o fascismo, pela vida e contra o racismo, no domingo agora, dia 7 de junho, guardados os cuidados necessários contra a propagação do coronavírus (uso de máscaras, manutenção da distância entre participantes, exclusão de idosos e pessoas em grupos de risco)?

Muitos advogam a adesão de Lula, do PT e de todo o resto da esquerda aos manifestos.

Outros tantos, eventualmente as mesmas pessoas, opõem-se à convocação ampla para as novas manifestações de rua. É sobre esses dois posicionamentos que quero tecer essas considerações.

3. Simplificando as argumentações que sustentam essas posições, pode-se dizer que, no caso dos manifestos, defende-se a necessidade de formar uma frente ampla, sem exigir pedigree de ninguém, contra o governo, contra a ameaça de golpe e pela Democracia.

Lula e o PT deveriam aderir incondicionalmente a estes documentos, dada a centralidade e urgência da luta antifascista.

No caso das alegações contra a ida às ruas, elas são no sentido de que, em primeiro lugar, contrariam as recomendações de isolamento social diante da pandemia.

Em segundo lugar e do ponto de vista político, que as manifestações, nestas circunstâncias, não seriam massivas o suficiente, levariam a confrontos com milícias bolsonaristas, abririam espaço para a atuação de agentes provocadores, seriam reprimidas pela polícia, francamente simpática a Bolsonaro, e dariam um pretexto para uma intervenção militar mais direta contra o Estado de Direito, a pretexto da defesa da lei e da ordem.

4. Ontem, eu e o professor Cunca Bocayuva, conversando, consideramos que as manifestações eram legítimas.

Discutimos a centralidade da mobilização em defesa da vida, contra o racismo e de combate à pandemia e a suas consequências sociais e econômicas junto às áreas periféricas e aos mais pobres.

Conversamos também sobre manifestos e o posicionamento do PT diante deles.

Hoje quero aprofundar aqui o nosso posicionamento para torná-lo mais direto.

5. Quanto aos manifestos, especificamente sobre o Estamos#Juntos. Acho que Lula não deve assiná-lo.

A ascensão de Bolsonaro ao governo, o recrudescimento do fascismo e a ameaça de golpe militar são indissociáveis do golpe midiático, jurídico e parlamentar que feriu profundamente, talvez mortalmente, a Democracia Brasileira em 2016.

Não há como, mesmo com a justificativa da luta maior contra o fascismo e contra a ameaça de uma ditadura totalitária aberta, defender a Democracia sem rever o golpe e toda sua obra de destruição de direitos e da Constituição de 1988.

A solução meia-bomba de, ilegalmente, varrer o PT e Lula da vida política brasileira e depois seguir com o discurso de que “as instituições estão funcionando normalmente” fracassou.

Mais ainda, ela pavimentou o caminho para Bolsonaro, o fascismo e a caricatura de milicos que alguns militares encarnam e a maioria finge que não vê ou apoia de nariz torcido.

Querer tirar Bolsonaro e não rever os fundamentos de sua ascensão não vai dar certo. E se der, o que é muito duvidoso, não vai derrotá-lo em profundidade. Ele, os fascistas, as milícias e as caricaturas de milicos voltarão na primeira oportunidade. E com mais força e virulência

6. Rever o golpe de 2016 não significa querer que seus atores e protagonistas façam autocrítica pública (na tradição cristã, o arrependimento sempre é bom, mas na política pode ser dispensado).

Mas eles precisam reconhecer que não destruíram Lula e o PT, que ambos são forças significativas, inequivocamente democráticas e que, sem eles, a luta pela Democracia e contra o fascismo é fraca, não é séria e fadada ao insucesso. Não dá para continuar tratando Lula como criminoso e reclamando que ele não assina manifesto.

Por que querem, então, que ele assine? O fato de os golpistas de ontem terem se tornado os antifascistas e antibolsonaristas de hoje é positivo. Lula e o PT deveriam dizê-lo com todas as letras. Mas não é suficiente.

7. Por sua vez, a anulação das contrarreformas aprovadas a partir do golpe de 2016, como defendem Lula e o PT, não pode ser uma condição prévia para a unidade antifascista.

Se as contrarreformas de 2016 em diante serão ou não derrubadas é assunto que será decidido em uma nova eleição limpa, livre e sem suspeição.

Para isso é preciso reconhecer que as eleições de 2018 foram fraudadas e devem ser anuladas.

A fraude de 2018 não se deu apenas com a difusão de fake news, que já havia sido denunciada à época, mas foi ignorada.

A fraude começou com a condenação de Lula às pressas, com bases legais, no mínimo, absolutamente frágeis, com o claro intuito de torná-lo inelegível.

Assim a realização de novas eleições democráticas requer também a anulação da eleição da sentença que condenou Lula.

8. O fato de Lula não assinar e o PT não apoiar o manifesto Estamos#Juntos, por conta de justificada desconfiança em muitos de suas lideranças e signatários, não pode, no entanto, levar, como tem levado até agora, a uma linha política vacilante.

Lula e o PT deveriam ter sido os primeiros a defender uma unidade de todas as forças antifascistas.

Deveriam ter feito seu manifesto e ter conclamado todos a assiná-lo. Ainda podem e devem fazê-lo. Podem até dizer, publicamente: “você assina o meu e eu assino o seu”. Quem sabe?

9. Quanto às manifestações antifascistas, antigolpistas e em defesa da Democracia de domingo próximo.

Elas são uma realidade. Depois do impacto positivo que tiveram e das tentativas de intimidar novas manifestações com ameaças, não pode haver vacilação.

Todas as forças democráticas devem resolutamente apoiá-las e convocá-las (sempre, é claro, com todas as precauções contra o coronavírus). Trata-se de um risco e uma responsabilidade incontornáveis.

A culpa sobre os efeitos negativos sobre a pandemia que sua realização possa, por ventura vir a causar, ou a violência que possam vir a sofrer ,não recairá sobre os que as convocarem, fartos das provocações e ameaças à Saúde Pública e à Democracia perpetradas diuturnamente e comandadas pelo presidente da República.

Só Bolsonaro e seus seguidores são e serão os responsáveis. Quanto a servirem de pretexto para um golpe, golpistas não precisam de desculpas. Recuar agora não desarma o golpe, só o fortalece.

A situação é difícil. Requer responsabilidade e firmeza de todos os democratas.

*Ricardo H. Salles é professor da Escola de História da UNIRIO

 


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Comentários

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Darcy Brasil Rodrigues da Silva

Como “não há como, mesmo com a justificativa da luta maior contra o fascismo e contra a ameaça de uma ditadura totalitária aberta, defender a Democracia sem rever o golpe e toda sua obra de destruição de direitos e da Constituição de 1988″? Que principismo mais infantil que esse pode haver? O golpe de 2016 é um fato repugnante. Mas, se entre aquelas forças golpistas, existe ( e existe) as que não estão dispostas a permitir que o Brasil seja deixado à mercê de milicianos ASSASSINOS, dispostos a perseguir, torturar e MATAR todos nós, por que deveríamos enfrentar as milícias ASSASSINAS sozinhos? Por que somos 70%? Não somos! Na década de 1980, o movimento de ” Diretas Já” contou com o protagonismo de muitos ex-apoiadores do golpe de 1964, entre eles, a CNBB. Sem a amplitude que aquele movimento se permitiu, não teria arrastado as multidões que levou às ruas para exigir o fim da ditadura. A Frente deve ser o mais ampla possível. TODOS os que estejam dispostos a resistir à tentativa de golpe fascista-miliciano, que colocaria o Brasil sob o domínio de criminosos comuns, do sindicato do crime que assassinou Marielle, são bem vindos. Os principais articuladores do golpe de 2016 não tinham entre as suas metas a eliminação física dos democratas brasileiros. Se Bolsonaro e suas milícias ASSASSINAS não forem impedidas, a esquerda terá que lutar na clandestinidade ou ir para o exílio. Chega de “Doença Infantil” entre nós, de substituição das decisões fundadas na análise concreta da realidade concreta, na Ciência Política, que reconhece quando situações inteiramente novas se configuram, forjando novas relações de interesses, novas correlações de força, por decisões fundadas em preconceitos alimentados pela moral pequeni-burguesa.

Marcos Videira

O prof. Ricardo trata Lula e o PT como se fossem mais santos e virtuosos do que São Francisco de Assis. Parece até que Lula não foi aliado de Cunha, Temer, Jucá, Maluf, Sarney, Renan, Jeferson, Geddel, Waldemar Costa Neto… Parece até que o PT nada teve a ver com o Mensalão, com a corrupção na Petrobrás, que Palocci e Zé Dirceu nunca cometeram qualquer deslize ético.
Um manifesto da sociedade civil não tem valor, porque golpistas também assinaram. Ora, mas Lula não se aliou com golpista logo após o golpe ? Não foi Lula quem semeou a divisão no campo da centro-esquerda no chamado “domingo sangrento” ? Não foi Lula quem cevou Bolsonaro no primeiro turno, para ter um adversário fácil de ser vencido por seu indicado ?
Olha a arrogância do professor: “assina o MEU manifesto que eu assino o SEU” !!! O manifesto “Estamos Juntos” NÃO é de nenhum partido, mas sim de cidadãos em defesa da Democracia. Assina quem quer se alinhar na defesa da Democracia.
Se Lula não quer assinar, é direito dele. Apenas demonstra o sectarismo e a soberba.
O fato é que o PT a cada dia perde mais e mais sua representatividade na sociedade e as eleições deste ano demonstrarão com números acachapantes essa realidade.
Lula e os fanáticos petistas deveriam ouvir os conselhos de Gilberto Carvalho.

Eduardo

O machão que detesta as mulheres e só tem gogó já está se borrando nas calças todinho.
Covarde. O que ele fez com o Corintiano morto é de uma sordidez que eu estou sem palavras para expressar minha indignação. Ele não respeita os mortos. Esperar que ele tenha compaixão pelo mortos da Covid é esperar muito dele.

Charles

Acabei de saber que Bolsonaro teve a coragem de fazer chacota com um Corintiano morto para dar a entender que os torcedores do Corinthians não sabem escrever. O sujeito coloca um ministro da educação que comete erros de ortografia crassos na internet dia sim dia não e vem falar que torcedor do Corinthians é que não sabe escrever.
Boçal!.
Está mexendo com fogo. A torcida do Corinthians não só é a maior torcida do país, mas é também a mais simpática.
Babaca!
Agora a torcida do Corinthians vai ser solidária à família do corintiano morto e ele vai se ferrar ainda mais.

Mal sabe ele que todas as torcidas do país vão se juntar aos Corintianos.

Seu maior inimigo é ele mesmo.
Esse homem em modo desespero é hilário. Vai sair do Planalto numa camisa de força.
Idiota.

Está mostrando sua verdadeira face. Nao adiantou nada fugir dos debates para enganar o povo. Uma hora as máscaras dos hipócritas sempre caí.

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