Paulo Pimenta: Brasil não pode ser submetido à chantagem permanente dos militares

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À esquerda, no topo, os atuais comandantes das Forças Armadas, e abaixo, os ex. À direita, os generais Villas-Boas e Braga Netto. Fotos: Twitter do presidente Bolsonaro, Valter Campanato/Agência, Marcos Correa/PR, Sergio Lima/site do PT

Uma democracia sob chantagem

Por Paulo Pimenta*

As Forças Armadas começam a colher os frutos amargos de sua adesão ao projeto neofascista encarnado por Bolsonaro.

Foram precedidos pelos doces benefícios salariais, previdenciários e aqueles expressos nos números no orçamento destinado às corporações. Além, é claro, do breve momento de prestígio, para alguns generais apoiadores, por terem retornado ao poder pelo voto.

O fato de o adversário principal ter sido arbitrariamente afastado da disputa foi apenas um detalhe.

Agora, a velocidade dos meios digitais contemporâneos de informação e os mecanismos institucionais de controle da própria democracia liberal, especificamente a CPI da Covid, no Senado, batem à porta para entregar os frutos amargos da promiscuidade com o submundo das milícias, das quadrilhas de vendedores de vacinas e oportunidades de negócios individuais.

A maior parte da sociedade brasileira está estupefata com a adesão militar ao discurso obscurantista da extrema-direita mais tosca, com a completa renúncia a um projeto nacional de desenvolvimento e subserviência a um psicopata escatológico, subproduto dos porões da ditadura que protagonizaram entre 1964 e 1985.

Aventura neofascista

A opção por embarcar na aventura neofascista liderada por Bolsonaro, alojando milhares de oficiais, muitos deles da ativa, em espaços da administração pública civil, cobra um preço elevado das instituições que, por definição constitucional, são instituições nacionais permanentes, de Estado e não de governos que se renovam a cada quatro anos.

Os recém-chegados do ambiente de casta que é prevalecente na caserna e que se percebem acima da sociedade dos paisanos apresentam dificuldade para entender e aceitar que ninguém está acima das normas, nem isento da fiscalização dos órgãos de controle, como o Parlamento (CPI), Tribunal de Contas da União, Polícia Federal e o Ministério Público Federal.

Banda podre das Forças Armadas

Os democratas brasileiros devem reconhecimento ao general Santos Cruz por seu corajoso posicionamento crítico ao governo Bolsonaro, desde que foi afastado da Secretaria de Governo, em 13 de junho de 2019.

Lamento, porém, contrariar sua excelência quando afirma que “não existe banda podre nas Forças Armadas“.

Os fatos revelados à CPI nos depoimentos mais recentes estão expondo não apenas a existência, mas o curso da ação da “banda podre” das Forças Armadas no Ministério da Saúde.

Os fatos não foram contestados até o momento, seja na nota assinada pelo ministro da Defesa, general Braga Netto, e pelos comandantes militares com o objetivo de intimidar a CPI, e assim proteger eventuais criminosos fardados, seja ainda nos atentados semanais do presidente da República contra a Constituição e a democracia.

A nota assinada pelos militares fere frontalmente a legalidade democrática que prescreve a subordinação das Forças Armadas ao poder civil e veda pronunciamentos públicos de militares da ativa sobre temas políticos.

O ministro da Defesa e os comandantes concluem a nota tomando-se a si mesmos como instituições que defendem a democracia: “As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.

Militares e golpes

Convenhamos, qualquer aluno de curso médio interessado na história do Brasil saberá que, desde a proclamação da República, nenhum atentado à democracia e à liberdade do povo brasileiro – e eles não foram poucos – ocorreu sem a participação explícita ou indireta das Forças Armadas.

A nota dos comandantes atenta contra princípios basilares como a hierarquia.

É, portanto, por todos os títulos, inaceitável, por se constituir numa chantagem contra a sociedade brasileira.

O famoso tuíte do general Villas-Boas endereçado ao STF, em 2018, não pode servir de exemplo e fazer escola nas relações entre o braço armado do Estado – as Forças Armadas – e as instituições, num regime que se pretende democrático.

A nação não pode permanecer permanentemente submetida à chantagem.

Está inscrito no Art. 142 da Constituição Federal de 1988 – “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes institucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei da ordem”.

As Forças Armadas, portanto, não podem nem devem ameaçar os poderes republicanos que deveriam proteger.

Seria mais útil para o fortalecimento das próprias corporações punir exemplarmente um general da ativa, exibido como um símbolo da transgressão da disciplina num palanque de campanha política, do que dar-lhe um tapinha nas costas e acobertá-lo com um carimbo de 100 anos de silêncio.

O general Góis Monteiro, uma das mais expressivas e poderosas personalidades do Exército brasileiro na primeira metade do século XX, insuspeito de má vontade com relação à corporação que ajudou a modelar, fez num comentário sobre certo momento de turbulência da vida nacional: “a revolução paulista (de 1932) trouxe essa consequência boa: restabeleceu a disciplina no Exército, que estava, realmente, ao sabor das conveniências de alguns elementos agitadores e exploradores da farda.”

Um convite à reflexão para os comandantes embalados pelo ímpeto de autoproteção corporativa que acaba por erguer um escudo em defesa do indefensável.

Droga no avião

Alguém se lembra do teor da nota dos comandantes das Forças Armadas quando um sargento da Aeronáutica foi flagrado com 39 kg de cocaína num avião da FAB que compunha a comitiva presidencial numa viagem oficial ao exterior?

Não. Porque não lançaram nenhuma nota, nenhuma explicação.

Então, para quem deseja contribuir com a estabilidade política do País, num momento tão grave como o que vivemos, convém moderar o impulso corporativo e cultivar mais apreço pelas instituições democráticas.

Se o presidente escatológico se evadiu para seu universo paralelo e imagina que o País é apenas o cercadinho montado em frente ao Palácio da Alvorada, os dirigentes das Forças Armadas não podem marchar sobre seus passos na mesma toada. Pois correm o risco de ver as instituições que comandam confundidas com a conduta vexaminosa que o ex-capitão protagoniza.

O Brasil não pode ir a lugar nenhum e se ver respeitado como uma nação enquanto for formalmente dirigido por um personagem grotesco que poderia resumir seu governo com uma frase: “vou ali ao banheiro dar uma declaração…”

*Paulo Pimenta é deputado federal (PT-RS)


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Comentários

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Roberto

A Participação ativa e histórica dos militares nos rumos políticos do Brasil.
De 1889 – “proclamação” da república, até hoje, já se passaram 131 anos. Destes, os militares tiveram participação DIRETA em 53 anos e forte influência praticamente ao longo de todo período, à semelhança do que acontece hoje.
1889 – Derrubada de D. Pedro II assumindo em seu Lugar Marechal Deodoro e Floriano Peixoto. 1889 a 1894 – 6 anos de militares no poder
Decorrente disso foi instalado no Brasil, até 1930, a vergonhosa política Oligárquica do “Café com Leite” (também foi presidente neste período o militar gaúcho Hermes da Fonseca 1910-1914 – 5 anos).
Em 1922 houve revoltas militares no Rio de Janeiro e em 1924 em São Paulo e a participação e influência dos militares na vida política era intensa – havia os acalorados debates no âmbito do Clube Militar, que polarizavam e influenciavam tensões do jogo político, com grande destaque nas páginas da imprensa escrita, principal meio de comunicação da época.
No golpe de 1930 os militares tiveram papel decisivo no fim da primeira república e atuaram ativamente em cargos importantes da vida política Brasileira.
A ditadura de Getúlio Vargas, no estado novo, de 1937 a 1945 – se sustentou até o momento que os militares o apoiaram. Foram 15 anos de Vargas.
O militar Gaspar Dutra foi presidente de 1946 a 1951 – 6 anos
Entre 1964 a 1985 – presidentes militares no poder – 21 anos
Após a quebradeira do Brasil e a abertura democrática, houve participação ativa dos militares na constituição de 1888, pressionando pela transição “tranquila”. A inclusão do famoso art. 142 (possibilidade de intervenção militar) ocorreu por pressão dos militares.
A participação dos militares nos bastidores, influenciando na queda de Dilma e pressionando pela condenação de Lula, para retira-lo do jogo político, também é denunciada por muitos, inclusive assumida em livro bombástico do Gal Villas Boas.
Hoje em dia, os militares participam ativamente da vida política, e opinam nos mais variados assuntos de poder (o que é vedado pela constituição).
Na minha opinião, só repúblicas de banana possuem influência de militares na vida política como acontece no Brasil.
LUGAR DE MILICO É NO QUARTEL
E a história vai se repetindo.

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