
“O trabalho liberta” é um dos símbolos do campo de concentração Auschwitz I, na Polônia
Apenas trabalhe
por Patrick Mariano, especial para o Viomundo
A frase síntese do governo interino de Michel Temer revela a travessia pela qual quer levar o Brasil nos próximos anos: “Não fale em crise, apenas trabalhe”.
Foi Raduan Nassar, no inigualável Lavoura Arcaica, quem disse que a “palavra é uma semente: traz vida, energia, pode trazer inclusive uma carga explosiva no seu bojo: corremos graves riscos quando falamos”.
Temer não recorreu a eufemismos linguísticos, disse logo em alto e bom tom a sua fidelidade ao pensamento neoliberal.
Fidelidade que o levou, juntamente com Eduardo Cunha, FIESP e Rede Globo, a ascender mediante um golpe à presidência da república. Apenas trabalhe. Não fale, não pense, apenas trabalhe. O lema do seu governo guarda relação com o portal de entrada de Auschwitz que diz “O trabalho liberta”. A ideia da alienação do trabalho é necessária para impor o que se anuncia pelos novos ministros e já compunha o roteiro de desmonte dos direitos sociais no documento “Ponte para o Futuro”.
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, diz hoje na Folha que é preciso fazer como na Grécia e repactuar os direitos sociais previstos na Constituição. O SUS, conquista histórica que atende a milhões de brasileiros, está, portanto, com os dias contados.
Outro ministro, o da Educação, diz que o MEC apoiará Universidades que queiram cobrar pelos cursos de extensão e pós graduação. Nessa toada, o acesso ao ensino público vai pelo ralo.
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O atual presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, em 2013, defendeu que para conter a inflação é necessário “desaquecer temporariamente o mercado de trabalho”. Para o economista, o combate a inflação é um valor maior que o emprego. Há aqui, portanto, uma contradição com o lema “apenas trabalhe” na medida em que o projeto neoliberal na Espanha, Portugal e Grécia levou esses países à ruína social com índices alarmantes de desemprego, principalmente entre a população mais jovem.
O documento “Ponte para o Futuro” já elencava os rumos dessa trágica travessia preceituando a desvinculação dos gastos obrigatórios com saúde e educação, a prevalência do negociado sobre o legislado e, claro, o fim da política de valorização do salário mínimo, talvez uma das grandes conquistas do governo Lula/Dilma.
Para impor a agenda de desmonte da CLT e da Constituição da República será preciso uma forte e intensa repressão às lutas sociais para que elas não quebrem o letárgico lema do “apenas trabalhe” ou do “trabalho liberta”, tão ao gosto de Michel Temer e seus asseclas e, porque não, do nacional socialismo alemão.
Bem por isso, o líder da bancada ruralista no congresso foi pedir a Temer o uso do exército contra ocupações de terra e o atual ministro da justiça, comparou as ações de protesto contra o golpe com “ações de guerrilha”. Dói dizer, infelizmente, que o governo Dilma forneceu instrumentos normativos que criminalizam as lutas sociais de bandeja ao projeto de Temer, basta ver a lei das organizações criminosas, do terrorismo e outras leis que, por inocência ou afinidade ideológica, ficaram de estúpido legado e servirão como luva para reprimir o protesto social.
Daí, também, a logomarca escolhida por seu filho, “Michelzinho”, que ressalta o termo “ordem” e resgata o pensamento positivista do início do século passado. Retirar direitos ou conquistas históricas pressupõe alienação ou aceitação silenciosa de milhões de brasileiros, como um gatuno noturno. E, para aqueles que ousarem não apenas falar, como protestar contra a crise e o desmonte do estado, sobrarão leis penais e repressão.
A cultura e a educação de um povo são antídotos históricos face à dominação violenta. Foi José Martí quem disse que o “o conhecimento liberta”. O conhecimento, não o trabalho! Por isso, Michel Temer não titubeou ao cometer crime de lesa-pátria abolindo o Ministério da Cultura e cometerá outros tantos para subjugar o Brasil ao projeto neoliberal.
Para este pensamento, cultura, a arte e a educação são devaneios perigosos, porque possibilitam à pessoa humana inquietações, questionamentos e o desassossego no pensamento. Apenas trabalhe!
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