Milly Lacombe: Por que a direita não se vê como ideologia?

Tempo de leitura: 3 min
Marcio Pochmann é doutor em ciências econômicas, professor da Unicamp, presidente do Instituto Lula, ex- presidente da Fundação Perseu Abramo, do IPEA e autor de dezenas de livros, entre os quais "O Neocolonialismo à Espreita". Vencedor do Jabuti pela obra "A década dos Mitos", de 2002. Foto: Twitter

Por que a direita não se vê como ideologia?

Por Milly Lacombe, Colunista do UOL

Comecemos com uma afirmação: quando alguém diz que a escolha foi ideológica o que está sendo dito é que a escolha foi por alguém do campo da esquerda.

São inúmeros os exemplos, mas falemos de Marcio Pochmann, recém escolhido para comandar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas.

O nome de Pochmann está despertando o que poderia ser chamado, sem exageros, de desespero por uma parte da imprensa e da ala neoliberal de analistas econômicos, uma ala que, diga-se, apoiou Paulo Guedes mesmo depois de o governo Bolsonaro se revelar escancaradamente pelo que sempre anunciou que seria: um governo de tendências nazifascistas.

Pochmann, eles gritam, é apontamento ideológico de Lula.

Seria o caso de nos perguntarmos por que Lula, presidente da nação, não poderia fazer um apontamento ideológico.

Paulo Guedes, ainda herói dos liberais, foi escolha ideológica para a Economia.

Roberto Campos Neto foi escolha ideológica para o Banco Central.

Mas aqui ainda navegamos por águas econômicas. Saiamos delas.

Pazuello e Queiroga, ministros da saúde de Jair Bolsonaro, foram escolhas ideológicas.

Estranhas não por serem ideológicas, mas por estarem à frente de uma pasta da qual nada entendiam durante uma pandemia.

Por que a direita e a extrema-direita não se veem como ideologias?

Por que os liberais não se enxergam como ideológicos?

Por que Campos Neto nunca foi chamado de escolha ideológica? Pelo contrário: para jornalistas de direita trata-se de escolha técnica.

Não é preciso muito para ser nomeado como escolha técnica: basta ter vindo do mercado, para onde, aliás, todos eles voltam ao deixarem o governo.

Por que o comunismo é ideologia mas o capitalismo não é?

Por que o colonialismo nunca é chamado de regime ideológico mas o stalinismo sim?

Por que apenas jornalistas do campo da esquerda são chamados de ideológicos e os da direita de vendem como técnicos?

Respondamos.

A direita não se vê como ideologia pois se entende universal. É a ela que tudo se compara, como um carbono isótopo 12 do universo político.

Ideologias universais se pretendem invisíveis por serem hegemônicas. Mas não são. Pelo menos não mais.

Assim como a identidade do homem branco e heterossexual se pretende invisível e universal. A ela todos nós devemos nos comparar.

Identidade é isso aí que vocês são. Nós aqui somos apenas a razão e o poder, eles dizem.

Qualquer crítica decente às pautas identitárias deveria começar pela crítica a essa identidade dominante que se pretende universal.

Marcio Pochmann, gostem ou não, é escolha técnica e também ideológica.

Técnica porque seu currículo é irrepreensível: doutor em ciências econômicas, professor da Unicamp, ex- presidente da Fundação Perseu Abramo, do IPEA e autor de dezenas de livros, entre eles “O Neocolonialismo à Espreita” (recomendo), e vencedor do Jabuti pela obra “A década dos Mitos”, de 2002.

E ideológica porque tudo na vida contém alguma ideologia, e não há nada de errado com isso porque todas são.

A questão deveria ser de que ideologia estamos falando.

No caso de Campos Neto, por exemplo, estamos falando de uma ideologia neoliberal que não se acanha em apoiar o nazifascismo bolsonarista e os interesses do mercado em detrimento dos sociais.

Uma ideologia mais moral do que econômica que trabalha encolhendo o espaço público e alargando o privado.

Uma ideologia hegemônica que acha razoável dizer que crianças vendendo bala na rua tiveram a vida melhorada pela criação do PIX.

No caso de Paulo Guedes, idem: era para ele intolerável que trabalhadoras domésticas estivessem indo passear na Disney mas absolutamente legítimo ministro da economia ter dinheiro em paraíso fiscal.

No caso de Pochmann, a ideologia é de esquerda e social. Inclusiva e atenta aos mais vulneráveis.

Me parece um bom começo para liderar o IBGE que Bolsonaro tentou esvaziar para depois destruir diante do silêncio da turma que hoje acordou abruptamente para bradar sobre a importância do IBGE.

Todos somos mobilizados por alguma ideologia. Políticos, economistas, empresários, donas-de-casa e jornalistas.

Ela tem impacto sobre nossa linguagem, sobre o que escolhemos ler, o que escolhemos ver, o que escolhemos vestir e onde escolhemos ir. Acreditar que existe qualquer ação que seja desprovida de ideologia é inocência ou ignorância.

Já na política, apontar o dedo e berrar que a escolha é ideológica é de duas uma: ou falta de capacidade de analisar conjunturas (não assombra, então, que os mesmos que tenham deixado de ver o nazifascismo em Bolsonaro sejam agora aqueles que berram que Pochmann é escolha ideológica) ou desonestidade intelectual.

A pergunta que deve ser feita é: qual ideologia é a sua? Inclusiva ou excludente? Nazifascista ou democrática? Liberal ou social?

Ficam os questionamentos.

Leia também:

Alexandre de Freitas Barbosa: A reconstrução nacional exige um IBGE vigoroso. Marcio Pochmann é o cara!

Valter Pomar: A Folha ataca Pochmann com o mesmo estilo escroto que caracteriza a mídia bolsonarista

Economistas pela Democracia repudiam ataque orquestrado contra Márcio Pochmann: Infame e vil


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Comentários

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Cleiton do Prado Pereira

Porque a DIREITA só sabe fazer três coisas, dar golpes, roubar e ser do contra. Não sabe o que é ideologia, progressismo e desenvolvimentismo. Só sabe o que é conservadorismo e gostaria de poder conservar tudo de 1964.

Zé Maria

@KotschoRicardo

Grupo Folha demitiu sumariamente o Jornalista Ricardo Kotcho (75 Anos)

que tem no Currículo Profissional 60 Anos de Exercício no Jornalismo.

Articulista Humanista não dura nos Veículos da Imprensa Neoliberal.

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Zé Maria

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“Caros amigos, colegas e leitores, hoje deixei o UOL.
Em breve volto aqui para informar o novo endereço do ‘Balaio do Kotcho’.

Aos leitores, colegas e amigos do Balaio:
muito obrigado pelas carinhosas mensagens de apoio ao meu trabalho
que não param de chegar. Prometo voltar em breve em novo endereço.

“Ontem, aos 75 anos de idade e prestes a completar 60 de jornalismo diário,
fui desligado da tomada pelo UOL, sem maiores explicações:
‘corte de custos’ [‘ideológicos’ da Esquerda].”

Segue Seqüências:
https://twitter.com/KotschoRicardo/status/1686501820875628544
https://twitter.com/KotschoRicardo/status/1686500018528636928

“@KotschoRicardo te desejo muita saúde. Tu és necessário.”

https://twitter.com/BohnGass/status/1686511394437337088

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Zé Maria

EVOLUÇÃO DOS TEMPOS

Com Paciência, Força, Resistência e Luta

chegaremos ali onde mora a Eqüidade.

https://www.trt4.jus.br/portais/media-noticia/573172/18-08-2023.jpg
https://www.trt4.jus.br/portais/escola/modulos/noticias/573169

Zé Maria

Excerto

“Por que a direita e a extrema-direita não se veem como ideologias?

Por que os liberais não se enxergam como ‘ideológicos’?

Por que Campos Neto nunca foi chamado de ‘escolha ideológica’?
Pelo contrário: para jornalistas de direita trata-se de ‘escolha técnica’.

Não é preciso muito para ser nomeado como ‘escolha técnica’:
basta ter vindo do mercado, para onde, aliás, todos eles voltam
ao deixarem o governo.

Por que o comunismo é ideologia mas o capitalismo não é?”
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Só Pra Lembrar

“PANDORA PAPERS”

“Ministro Paulo Guedes e Presidente do Banco Central,
Roberto Campos Neto, são Donos de Offshore”

“Os dois integrantes do Governo Bolsonaro mantêm contas no exterior
apesar da importância de seus cargos, o que pode configurar conflito
de interesses”

EL PAÍS BR

Os dois homens mais poderosos do universo econômico brasileiro,
Paulo Guedes e Roberto Campos Neto, respectivamente ministro
da Economia e presidente do Banco Central, aparecem no Pandora
Papers.

Ambos, segundo a investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas
Investigativos (ICIJ, em sua sigla em inglês), do qual o EL PAÍS participa,
criaram empresas em paraísos fiscais e nunca informaram sobre isso
à opinião pública, apesar da relevância de seus cargos.

Guedes, de 72 anos, aparece como acionista da empresa Dreadnoughts
International Group, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas.

Trata-se de uma shelf company, como são conhecidas no jargão financeiro:
empresas fundadas em paraísos fiscais, mas que podem permanecer anos
sem atividade à espera de que alguém lhes dê uma função.

Os documentos mostram que o ministro possuía em 2014 pelo menos
oito [8] milhões de dólares (43,3 milhões de reais, pelo câmbio atual)
investidos na companhia, registrada em seu nome e nos de sua esposa,
Maria Cristina Bolívar Drumond Guedes, e filha, Paula Drumond Guedes.

Esse número subiu para 9,5 milhões no ano seguinte, segundo os documentos obtidos pela investigação, liderada pela revista Piauí.

Quem intermediou a compra da offshore foi a Trident Trust, um provedor de
serviços que mantém filiais em vários paraísos fiscais e oferece soluções
discretas para pessoas ou organizações que desejem manter suas
atividades ocultas, segundo fontes do mercado financeiro.
[…]
O presidente do Banco Central, por sua vez, é dono de quatro empresas. Duas delas, Cor Assets e ROCN Limited, são registradas no Panamá em sociedade com sua esposa, a advogada Adriana Buccolo de Oliveira Campos.
O objetivo declarado das empresas é investir nos ativos financeiros do
Santander Private Bank, cujo conselho executivo Campos Neto integrou
no passado.
As outras offshores são Peacock Asset Ltda, gerida pelo banco Goldman
Sachs, e que foi descoberta na investigação do Bahamas Leaks, de 2016.
A quarta empresa é a Darling Group, que segundo informou o Banco Central,
é uma empresa de “gestão de bens imóveis”.
[…]
Campos Neto abriu sua primeira empresa no exterior, a Cor Assets, uma sociedade anônima, em 6 de abril de 2004, através do escritório Mossack Fonseca.
Em abril de 2018, depois do escândalo dos Panama Papers, ele transferiu
a offshore para outro gestor, a Overseas Management Company (OMC).

Naquela época, ele tinha um capital de um milhão de dólares [US$ 1 Milhão].

A empresa ROCN Limited, por sua vez, remonta a 8 de janeiro de 2007, data em que a Trident Trust a abriu.
Foi catalogada como inativa em novembro de 2016, o que significa que
manteve seu status legal, mas não podia operar com seus ativos…
[…]
A possível polêmica não reside tanto em possuir uma empresa no exterior,
algo que não é ilegal – desde que declarado à Receita Federal brasileira –,
e sim no conflito de interesses.

Guedes, assim como Campos Neto, já participaram da tomada de
decisões que, de alguma forma, influenciaram nos seus próprios
investimentos fora do Brasil…

https://brasil.elpais.com/pandora-papers/2021-10-03/ministro-paulo-guedes-e-presidente-do-banco-central-roberto-campos-neto-sao-donos-de-offshore.html

.

Zé Maria

Detalhe:

Não confunda Liberalismo no sentido Político
que, em geral, aplica-se a Direitos Individuais,
com Liberalismo Econômico que é uma doutrina
imposta ideologicamente por capitalistas para
aplicação por um Governo a toda a sociedade
misturando o conceito de Liberdade de Mercado
com o de Liberdade Humana Individual ou Coletiva;
confusão essa causada exatamente por Neoliberais.

Zé Maria

.
.
Historicamente, desde a Revolução Francesa de 1789,
só existem dois pólos ideológicos: “Direita” e “Esquerda”.

Essa estorinha de ‘Centro’ com ‘aparência de neutralidade
ideológica’ foi um simulacro capitalista para lucrar mais,
às custas da ignorância sobre o que é Política e Ideologia.

É por esse fato que a Imprensa Venal NeoFasciLiberal faz
confusão misturando ‘classe política’ com desonestidade.

Ora, em primeiro lugar, a Política não é uma ‘classe’; é sim
uma Prática Humana irrestrita a uma atividade específica.

E, em segundo lugar, em toda atividade humana (inclusive
na jornalística) há desvios de conduta. Aliás, a Lei existe,
porque todo ser humano é potencialmente desonesto.

Precisamente nesse ponto a Mídia Empresarial – que é a voz
da classe econômica dominante – manipula ideologicamente
a sociedade.
.
.
“Ideologia: Conceito e Características”

Por Rubens Pinto Lyra, em “A Terra é Redonda”
[…]
A Ideologia como Representação de Interesses de Classe

Como demonstram as análises precedentes, os homens que vivem sob
um mesmo tipo de organização social (por exemplo, na sociedade burguesa)
sofrem a influência de uma ideologia hegemônica e dos valores que a expressam.

Esta ideologia emana da “base material” do sistema produtivo – as relações
de produção – geradoras de uma práxis social baseada na afirmação de um
individualismo exacerbado e na concorrência, que envolve os mais amplos
setores da sociedade.

A ideologia não é, portanto, “um processo subjetivo consciente, mas um
fenômeno objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições
objetivas da existência social dos indivíduos” (CHAUÍ, 1981: p.18).).

Assim, a ideologia burguesa, gerada pelo modo de produção capitalista
-que se concretiza, historicamente, em formações [classes] sociais
determinadas- traduz, a nível das ideias, a práxis social necessária à
reprodução do sistema produtivo.

Expressa, consequentemente, os interesses da classe economicamente
dominante, que elabora sua ideologia e a irradia a todas as demais classes.

Por essa razões que, frequentemente, a percepção que tem os explorados
de sua situação econômica e social, e dos meios de transformar o mundo,
reproduz, em graus variáveis, a ideologia do sistema, que é a ideologia da
classe dominante.

É o que ocorre quando os trabalhadores constatam a sua situação de
infortúnio mas a atribuem à vontade de Deus, à fatalidade ou a problemas
que consideram insolúveis,e, a partir daí, tendem a se conformar com a
ordem vigente, que seria apenas o produto natural de um mundo de
desigualdades irremovíveis.

Ou então, quando conseguem identificar as raízes da exploração de que padecem sem, entretanto, acreditar no valor da sua força coletiva para transformar os dados do real.

Ou ainda, quando ao fazê-lo, utilizam estratégias pouco adequadas às necessidades de uma mudança afetiva no sistema produtivo.

A ampla hegemonia ideológica exercida pela burguesia na sua época levou
[Karl] Marx [1818-1883] a afirmar que “as ideias das classes dominantes
são, em todas as épocas, as ideias dominantes: a classe que é a força
material dominante da sociedade também é a sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material, tem também por esse motivo os meios de produção espiritual …”

Marilena Chauí parece interpretar rigidamente essa análise de Marx,
ao pretender que “embora esteja dividida em classes e cada qual
‘devesse’ ter suas próprias ideias, a dominação de uma classe sobre
as outras faz com que só sejam consideradas as ideias da classe dominante”.(1981, p.92).

Segundo Chauí, esta classe, dispondo dos meios de produzir riqueza
material, também se torna proprietária dos meios de produzir ideias e
consegue desse modo irradiar para toda a sociedade a sua ideologia,
fazendo com que esta se torne a forma comum de interpretação da
realidade.

Rubens Pinto Lyra é doutor em Ciência Política e Professor Emérito da UFPB.
Autor, entre outros livros, de Le Parti Communiste Français et l’intégration européenne (C.E.U.) e Teoria Política e Realidade Brasileira (EDUESPB).

Íntegra em:
https://aterraeredonda.com.br/ideologia-conceito-e-caracteristicas
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Livro

“O QUE É IDEOLOGIA”
Autora: Marilena Chauí

https://sergiofreire.pro.br/ad/CHAUI_OQI.pdf
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