Michael Löwy: Ainda podemos sair do círculo infernal da alienação e evitar o naufrágio coletivo

Tempo de leitura: 4 min
Ilustração: Portal Ciência & Consciência

Crise climática e alienação

Ainda podemos sair do círculo infernal da alienação e retomar o controle da navegação e evitar uma tragédia

Por Michael Löwy*, em A Terra é Redonda

Somos passageiros de um novo Titanic. No entanto, ao contrário daquele de 1912, os oficiais e a maioria dos passageiros deste magnífico navio transatlântico estão cientes. Eles sabem que, se o novo Titanic continuar em seu curso atual, atingirá inevitavelmente um iceberg e afundará. O iceberg chama-se “Mudança Climática”.

Alguns dos oficiais levantaram a questão sobre uma mudança de rumo. A resposta foi “muito caro”: os passageiros teriam que ser indenizados, etc., em suma, enormes despesas. Entretanto, foi tomada a decisão de reduzir a velocidade, mas ela quase não foi implementada.

Enquanto isso, na luxuosa Classe Executiva, a orquestra toca e os passageiros dançam. Na Classe Econômica, as pessoas assistem com entusiasmo ao campeonato de futebol na televisão. Um grupo de jovens indignados protesta e exige outra direção, mas suas vozes são abafadas pelo barulho da orquestra e da televisão.

Alguns passageiros, tanto na Classe Executiva como na Classe Econômica, estão preocupados. Realmente muito preocupados. Eles sabem que alguns passageiros clandestinos conseguiram embarcar no transatlântico.

Mobilizam-se ativamente para caçá-los e jogá-los ao mar. Uma minoria filantrópica propõe que lhes seja dado um colete salva-vidas antes de serem abandonados no oceano. Isto ainda está em discussão.

Enquanto isso, o novo Titanic avança inexoravelmente em direção ao seu iceberg.

Esta alegoria tragicômica pode ajudar a ilustrar a situação da nossa civilização (capitalista industrial moderna) face à ameaça, cada vez mais evidente, da catástrofe ecológica, a saber, de uma mudança climática irreversível e incontrolável, que ameace os próprios fundamentos da vida em geral, e da vida humana em particular.

Não será isto uma alienação da humanidade como um todo, incapaz de lidar com o perigo iminente?

O iceberg aproxima-se

Então, o que é alienação? O dicionário Robert dá duas definições:

(i) Transtorno mental, temporário ou permanente, que torna o indivíduo incapaz de se comportar normalmente;

(ii) estado do indivíduo que se torna escravo das coisas e das conquistas da humanidade, que se voltam contra ele.

Nós estamos no primeiro caso? Podemos falar de uma espécie de “transtorno mental” coletivo, que torna os indivíduos incapazes de se comportarem normalmente? Talvez. Mas, em vez de “transtorno mental”, deveríamos falar de cegueira voluntária ou de miopia agravada ou de comportamento de avestruz (face ao perigo, enfia a cabeça dentro da terra).

Tendo a considerar a segunda definição do dicionário, desde que seja estendida do indivíduo para a coletividade.

A análise clássica da alienação (Entfremdung) é encontrada em Marx, especialmente nos Manuscritos de 1844. Para o jovem Marx, a alienação é o processo pelo qual os produtos da atividade humana, do trabalho, da produção, se tornam independentes de seus criadores e assumem a forma de um poder autônomo, que escapa a seu controle e opõe-se a eles como hostil e estranho.

É o caso das mercadorias, do mercado mundial, dos combustíveis fósseis, da agricultura industrial, do produtivismo e do consumismo.

De fato, corresponde a totalidade da civilização industrial que se tornou um poder incontrolável, que se volta contra seus criadores e ameaça destruí-los. É uma espécie de sistema “autômato”, impessoal, que funciona segundo suas próprias regras, perfeitamente baseado em cálculos matemáticos (de perdas e lucros) impecáveis.

O Novo Titanic navega com direção automática, cujo funcionamento é amargamente defendido por aqueles que gozam dos privilégios deste navio de luxo.

O pior ainda pode ser evitado. Ainda podemos sair do círculo infernal da alienação e retomar o controle da navegação. Ainda podemos mudar de direção. Mas não temos muito tempo…

Mudemos de direção

Quem são estes jovens que tentam, com energia inesgotável, despertar os passageiros do Novo Titanic e quebrar o encanto mortífero da alienação mercantil?

A nova geração está cada vez mais consciente de que caberá a ela “pagar a conta”, dentro de algumas décadas, pela cegueira daqueles que detêm o poder hoje, seja ele econômico ou político.

Ela compreende muito bem que o problema não está apenas nos governantes – cuja inércia é evidente, e se reflete no fracasso espetacular de dezenas de reuniões da COP, incluindo a última sobre o clima em Sharm el-Sheikh – mas no sistema econômico em vigor (ou seja, o capitalismo industrial moderno).

Esta consciência reflete-se na palavra de ordem de inúmeras manifestações desde a Conferência de Copenhague em 2009: “Mudemos o sistema, não o clima!” Pois, como Greta Thunberg resume com perfeição: “É matematicamente impossível resolver a crise climática dentro do atual sistema político e econômico”.

Greta Thunberg – chamada de “bruxa” pelos fascistas, neofascistas e reacionários de todos os tipos – desempenhou inegavelmente um papel de catalisadora na mobilização da juventude para o clima.

Seu apelo de 2019 para uma greve climática mundial foi seguido por 1,6 milhões de jovens em 125 países do mundo, e o de 20 de setembro de 2019 por 7 milhões! A crise de Covid-19 pode ter atenuado esta mobilização, mas ela está recomeçando, sob mil formas diferentes: Friday for Future, Global Climate Strike, Extinction Rebellion, Youth for Climate, etc.

Resumindo o espírito desta geração, Greta Thunberg disse recentemente: “Não capitularemos sem lutar”. Esta combatividade da juventude é a nossa principal esperança para evitar o naufrágio coletivo.

*Michael Löwy é diretor de pesquisa em sociologia no Centre nationale de la recherche scientifique (CNRS). Autor, entre outros livros, de O que é o ecossocialismo (Cortez).

Tradução: Fernando Lima das Neves

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SÉRGIO DE SOUZA NERES

O texto é ótimo, profundo, vertiginoso e leve no sentido de facilmente entendivel.

Pedro de Alcântara

“É matematicamente impossível resolver a crise climática dentro do atual sistema político e econômico”. Quando o papa afirma que este sistema mata, temos aí algo semelhante ao que afirma Greta Thunberg nesta afirmação. Jean Ziegler, em seu livro Le capitalisme expliqué à ma petite fille (en esperant qu’elle en verra la fin) é enfático sobre o fim do capitalismo ao “Il faut détruire le capitalisme”.

Zé Maria

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Olha só a Herança deixada para 2023 por Paulo Guedes,

Brilhante Economista do General-Ditador Pinochet:
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Em 2022, Preço da Cesta Básica Aumenta em
Todas as 17 (dezessete) Capitais Pesquisadas
pelo DIEESE

Em 2022, o valor da cesta básica aumentou nas 17 capitais onde o DIEESE
(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos)
realiza mensalmente a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos.

As altas mais expressivas, quando se compara dezembro de 2021 com o
mesmo mês de 2022, foram registradas em Goiânia (17,98%), Brasília (17,25%),
Campo Grande (16,03%) e Belo Horizonte (15,06%).

Já as menores taxas acumuladas foram as de Recife (6,15%) e Aracaju (8,99%).

Em dezembro de 2022, o maior custo do conjunto de bens alimentícios básicos
foi observado em São Paulo (R$ 791,29), depois em Florianópolis (R$ 769,19) e
Porto Alegre (R$ 765,63).

Entre as cidades do Norte e Nordeste, onde a composição da cesta é diferente
das outras capitais, Aracaju (R$521,05), João Pessoa (R$ 561,84) e Recife (R$565,09)
registraram os menores valores.

Com base na cesta mais cara, que, em dezembro do ano passado,
foi a de São Paulo, e levando em consideração a determinação
constitucional que estabelece que o salário mínimo deve ser
suficiente para suprir as despesas de um trabalhador e da família
dele com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene,
transporte, lazer e previdência, o DIEESE estima mensalmente o
valor do salário mínimo necessário.
Em dezembro de 2022, o salário mínimo necessário para a manutenção
de uma família de quatro pessoas deveria equivaler a R$ 6.647,63,
ou 5,48 vezes o mínimo de R$ 1.212,00.

Íntegra da Pesquisa Mensal DIEESE:

https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/2022/202212cestabasica.pdf

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