Maria Inês Nassif: Para tirar a esquerda do poder, elite brasileira terceirizou serviço sujo e destruiu quadro partidário

Tempo de leitura: 4 min
Nada melhor para entender o resultado da ação suicida dos grupos políticos de centro – e mesmo os de direita não extremada – do que a composição atual da Câmara. Foto: @Michel Jesus/ Agência Câmara

Desarranjo partidário: a elite brasileira terceirizou o serviço sujo

Por Maria Inês Nassif, em Brasil de Fato

Uma década de conspiração produziu efeitos irreparáveis no quadro político-partidário do país.

Ironicamente, os efeitos mais devastadores foram sentidos nas estruturas políticas de centro e de direita que, envolvidas na trama para desqualificar a política – que teve como centro a Operação Lava Jato – não entenderam que renunciavam à própria organicidade e terceirizavam poder (e hegemonia) a políticos de ocasião, levados à ribalta pela onda extremista de direita ceivada desde as manifestações de 2013.

Não sobrou pedra sobre pedra das organizações político-partidárias nas quais as classes dominantes “modernas” operavam antes.

E os partidos de aluguel e de extrema-direita, estimulados por elas para aumentar a onda antipetista, fogem totalmente ao seu controle: essas legendas são mais facilmente manipuláveis por lideranças militares e extremistas e mais facilmente corrompíveis por governos do momento. Não são cooptáveis por ideologia.

Nada melhor para entender o resultado da ação suicida dos grupos políticos de centro – e mesmo os de direita não extremada – do que a composição atual da Câmara.

Ela reflete on line, a cada votação, caras e pensamentos de uma massa de políticos despolitizada, sem vínculos de classe e com claros interesses comerciais de ocasião, e uma absoluta incapacidade desse amontoado de parlamentares de articular qualquer projeto político que não seja o de se vender no varejo para cumprir a função delegada pela elite do país: desestabilizar as instituições, assaltar as classes sociais menos favorecidas e apoiar projetos autoritários de poder.

Por entender a política como algo menor, desprezível, um estorvo que simplesmente deveria ser colocado abaixo para que se completasse a conspiração contra os governos de esquerda, a elite brasileira terceirizou o serviço sujo.

Sua mão de obra é o lumpesinato que ascendeu à burguesia sem, contudo, obter aceitação de sua nova classe; parlamentares levados à política pela via da manipulação religiosa de pessoas humildes; uma nova classe política moldada à imagem e semelhança da antiga política de coronéis (“donos” da política local), mas com caráter mais nacional, interligação facilitada pela informatização dos meios de pagamento, pelo uso das mídias sociais e pela ação indiscriminada de fake news; grupos de interesse (como agronegócio e indústria armamentista) que são, entre a burguesia, os mais radicais e os mais cruéis quando se trata de formulação de políticas de proteção social, do trabalho, de políticas de segurança e de proteção à propriedade privada; e milicianos e militares que, na política, ampliaram espaços de poder antes circunscritos a populações submetidas pelo medo ou nos quartéis.

No pós-ditadura militar, o embate de forças que produziu, em 1988, a Constituinte da democracia e sedimentou também um quadro partidário que, embora majoritariamente conservador, foi capaz de formular projetos políticos – ao centro e à esquerda – que mantiveram o país em águas relativamente tranquilas até 2013.

É curioso, mas depois de 21 anos de ditadura (e 13 anos de bipartidarismo), o novo quadro partidário que começou a se organizar em 1979 (com o fim do bipartidarismo) retomou o perfil do sistema partidário pré-golpe.

No atacado, algumas grandes agremiações: um partido das elites intelectuais com afinidade na área militar e acesso às elites econômicas, formulador de projetos de desnacionalização da economia e fortemente vinculado aos Estados Unidos (UDN no pré-golpe, PSDB no pós); uma legenda com crescente vinculação orgânica com a classe trabalhadora, com vocação para partido de massas mas capaz de se adequar à disputa institucional pela hegemonia (PTB antes, PT depois); partidos de centro constituídos como uma espécie de conglomerado de lideranças locais (antes PSD, depois PMDB e PFL).

O sistema anterior a 1966 e reeditado em 1979 também abria espaço para pequenos partidos regionais que funcionavam como feudos de lideranças desalojadas do condomínio partidário maior, ou como legendas de aluguel (como o PSC e o PSP, hoje muitos deles), e eram apêndices dos partidos no poder; pequenas legendas de esquerda sem vocação para organização de massa, ou impedidos de funcionar legalmente, que passavam a orbitar em torno do grande partido trabalhista (PCB , PCdo B e PSB antes, PCB logo depois, e até agora PCdo B, PSB, PDT e PSOL); ou pequenas organizações de direita.

No quadro pós-impeachment do primeiro presidente eleito, Fernando Collor (PRN), em 1991, a polarização eleitoral foi construída em torno do PSDB e do PT.

O sistema partidário reeditado fez do PMDB o antigo PSD: mantinha grandes bancadas parlamentares que apoiavam majoritariamente o governo do momento, mas com enorme habilidade para pular do barco quando os ventos sopravam contra o aliado.

Dispunha de uma reserva de dissidentes capaz de acenar dubiamente para a opinião pública quando assumia apoio a medidas impopulares, ou para garantir os interesses inconfessáveis das suas lideranças.

Ao PFL (hoje DEM, que sofreu a dissidência do agora PSD) coube o papel de uma UDN mais à direita, ideológica e perfeitamente ajustada ao governo tucano.

Na prática, não existiram diferenças ideológicas entre ambos nos dois períodos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002).

Apenas a aglomeração de lideranças mais tradicionais e familiares no PFL, e de intelectuais originários da esquerda no PSDB, davam a imagem de “atraso” a um e a de “modernidade” a outro. Nada além disso.

Não foi nada moderna, todavia, a estratégia de desestabilização do governo Dilma em que o PSDB, a menina dos olhos da elite brasileira, e o PFL, o amigo que a elite mantinha envergonhada, se meteram.

O comportamento do Supremo Tribunal Federal (STF) na condução do chamado mensalão, e a sua tolerância com a condução criminosa da Operação Lava Jato pelo juiz de primeira instância, Sérgio Moro, e pelo procurador paranaense Deltan Dallagnol, não existiriam sem o vínculo orgânico do sistema judiciário com o PSDB, que funcionou como uma verdadeira máquina de propaganda política antipetista.

Supunha-se, então, que o PSDB seria o maior beneficiário do desgaste do partido de Lula e Dilma. A radicalização judicial e partidária, todavia, feriu de morte o partido de FHC.

A onda de comoção pública artificialmente criada contra o PT fugiu ao controle sem que essas forças políticas “modernas” tivessem a expertise desenvolvida internacionalmente pela extrema-direita não apenas de golpear as instituições, mas transformar o golpe em votos.

O enfraquecimento eleitoral dos tucanos, o desprezo da classe social que representava pela política e o ataque às instituições democráticas promovido por essas elites políticas e econômicas corroeram internamente os partidos da coalizão de FHC.

Eles simplesmente deixaram de polarizar com o PT. Ascenderam à direção partidária tucana quadros com mais verniz e roupa de grife, mas política e socialmente muito semelhantes ao lumpesinato que ocupou os microfones da Câmara para dizer impropérios contra a presidente Dilma Rousseff na votação da abertura do processo de impeachment que a vitimaria.

Hoje o PSDB não tem quadros para liderar e não tem lideranças para disputar uma Presidência.

Nessa articulação burra, preguiçosa e golpista para tirar o PT do poder, a burguesia brasileira abriu um espaço inédito para que generais extremistas de direita e milicianos emergissem no cenário político com estratégia de ocupação de todos os espaços de poder. A democracia brasileira está pagando o preço.

*Maria Inês Nassif é jornalista e cientista política.

Edição: Leandro Melito


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Zé Maria

Moro Entalado na Alvarez & Marsal

Entrevista com o Jurista Pedro Serrano

No DCM: https://youtu.be/Zh3jnaLzIq0?t=807

    Zé Maria

    https://www.cartacapital.com.br/wp-content/uploads/2022/01/coversa1OK-768×1920.jpg
    https://t.co/TR4CeT5RQM

    Mensagens inéditas mostram que a Lava Jato
    também conspirou contra Ciro e Cid Gomes

    “Trechos inéditos publicados com exclusividade
    por CartaCapital mostram que membros da força tarefa
    repetidamente tramaram formas de usar seus poderes
    investigativos para tentar destruir outros críticos e
    adversários políticos, e levanta sérias questões sobre
    a recente investigação da PF contra Ciro e Cid Gomes.”

    Por Glenn Greenwald e Victor Pougy, na CartaCapital

    O abuso de poder por parte da força-tarefa da Lava Jato e de Moro não é fato novo.
    Ao longo de 18 meses, a série Vaza Jato deu evidências concretas daquilo que já estava claro: a Lava Jato nunca foi imparcial, mas sim enviesada e flagrantemente política. Esses abusos e a conduta ilegal ficaram tão claros que o STF se viu obrigado a anular diversas condenações, abrindo caminho para Lula retornar à arena política e se consolidar como favorito nas eleições de 2022.

    A obsessão da força-tarefa com o ex-presidente Lula seja o exemplo mais gritante disso, mas está longe de ser o único.

    Trechos inéditos publicados com exclusividade por CartaCapital mostram que membros da força tarefa repetidamente tramaram formas de usar seus poderes investigativos para tentar destruir outros críticos e adversários políticos, e levanta sérias questões sobre a recente investigação da PF contra Ciro e Cid Gomes.

    Esse material deve servir como um lembrete de que os abusos da Lava Jato não são um entulho do passado. Ao contrário: continuam sendo uma ameaça séria, especialmente em ano eleitoral. Às vésperas das eleições de 2022, o risco da utilização desonesta de operações policiais para interferir no jogo político, ao melhor estilo lavajatista, é alto.

    Confira a seguir.

    Trechos inéditos das conversas entre procuradores da Lava Jato mostram que abusos sistemáticos para punir críticos e adversários políticos não se restringiam a Lula e ao PT. Este novo material, parte do arquivo entregue a Glenn Greenwald em junho de 2019, oferece novos insights sobre o modus operandi da força-tarefa e joga luz sobre a motivação por trás de uma recente operação que teve como alvo dois detratores de longa data da Lava Jato: Ciro Gomes e seu irmão, o senador Cid Gomes.

    Os chats mostram procuradores planejando formas de explorar seus extensivos poderes investigativos para obter e vazar para a imprensa informações que constrangessem seus críticos. Além dos Gomes, foram mencionados nas conversas Rodrigo Maia, então presidente da Câmara dos Deputados — cujo “crime” foi se opor a partes do pacote anti-crime e da agenda do então ministro Sérgio Moro — e Marcio Chaer, editor e dono do site de notícias jurídicas ConJur, cujo “crime” foram suas reiteradas críticas à operação Lava Jato.

    Para o criminalista Augusto de Arruda Botelho, as conversas demonstram que o ânimo pessoal de alguns procuradores em relação a determinadas pessoas, em determinados casos, não era simplesmente sobre o necessário e importante combate à corrupção. “Sempre houve, e hoje nós temos a comprovação disso, um interesse pessoal e político por trás de muitas das acusações.”

    O mundo político brasileiro foi pego de surpresa quando, em dezembro passado, a Polícia Federal conduziu uma operação contra os irmãos Gomes, invadindo suas casas e cumprindo mandados de busca e apreensão. A investigação decorre de um inquérito aberto em 2017 e apura suposto recebimento de propina no processo de licitação de obras para a Copa do Mundo de 2014, que teriam ocorrido entre 2010-2013, quando Cid Gomes era governador do Ceará. Chama atenção o fato de a Polícia Federal ter agido poucos meses antes do início da campanha eleitoral, especialmente se tratando de uma investigação tão antiga.

    Os procuradores da Lava Jato há muito tempo consideram Ciro e Cid seus inimigos políticos. Ciro, em particular, fez reiteradas críticas tanto à operação quanto ao ex-ministro Sérgio Moro. Nos trechos dos chats em questão, publicados em primeira mão por CartaCapital, membros da força-tarefa, citando essas críticas, explicitamente perguntaram se havia algo que pudesse ser usado contra Ciro no material coletado pelas investigações.

    No dia 13 de fevereiro de 2019, no grupo chamado “Filhos do Januário 4”, a procuradora Laura Tessler, sem nenhum motivo aparente, enviou uma mensagem perguntando se havia algo contra Ciro, e acrescentou que estaria “louquinha pra fazer uma visita pra ele”.
    Um de seus colegas respondeu que o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro havia feito acusações contra Ciro em sua delação, mas que depois voltou atrás. Outra procuradora, Jerusa Viecilli, emendou: “Acordo da Galvao tem”.
    Tessler comemorou: “Massa!”

    https://www.cartacapital.com.br/wp-content/uploads/2022/01/coversa1OK-768×1920.jpg

    Não havia nenhum propósito investigativo em jogo. Tratava-se apenas mais um exemplo de procuradores da Lava Jato tratando suas investigações como armas para serem usadas contra qualquer pessoa de quem desgostassem ou que ousassem criticar seu trabalho. Não há qualquer ambiguidade no que Tessler quis dizer: a procuradora queria encontrar um pretexto para realizar uma operação policial contra Ciro — exatamente como a que a PF fez no mês passado.

    Laura Tessler ganhou notoriedade por se envolver em muitas das controvérsias trazidas à tona pelas mensagens vazadas. Na mais notória delas, ironizou a doença da ex-primeira-dama Marisa Letícia, depois de Lula afirmar que a saúde dela piorara por conta da perseguição da Lava Jato. Meses depois, quando Lula reivindicava seu direito garantido por lei de sair da prisão para ir ao enterro do irmão, Tessler foi contra, chamando o pedido de “mimimi” e dizendo que seria possível negá-lo, já que o noticiário se encontrava saturado com a tragédia de Brumadinho, demonstrando a fixação lavajatista com a disputa midiática em detrimento da lei.

    Tessler também defendeu a divulgação da delação de Palocci, mesmo sabendo que as acusações feitas por ele careciam de evidências documentais: “Não tem corroboração nenhuma. Mas vai ser divertido detonar um pouco mais a imagem do 9”, referindo-se a Lula pelo apelido pejorativo. Ela também teve seu desempenho nos depoimentos de Lula criticado por Moro, em mensagem enviada pelo ex-juiz a Deltan Dallagnol. Após a crítica, a procuradora não participou mais desses depoimentos.

    A procuradora Jerusa Viecili também teve divulgadas mensagens em que ironiza a morte de D. Marisa, e se desculpou publicamente com Lula após a divulgação. Ela é até hoje a única pessoa de toda a força tarefa a ter se desculpado com Lula por esse – ou qualquer outro – abuso cometido.

    Na avaliação de Arruda Botelho, a operação contra Ciro suscita questionamentos. Por investigar fatos que ocorreram há muitos anos, pontua, não haveria necessidade de um mandado de busca e apreensão. “Para prender, por exemplo, documentos de contratos e de eventuais negócios que foram feitos há muitos anos atrás. Há a necessidade efetivamente uma busca apreensão nesse momento?”, questiona. “Então, somados a esses fatos e essas carências muitas vezes de fundamentação diversas dessas decisões judiciais, mais o momento eleitoral em que há a deflagração dessas operações a gente pode sim suspeitar mais uma vez do uso político do Ministério Público, uso político da justiça criminal”.

    O ambiente político deflagrado e uma campanha eleitoral que promete ser extremamente disputada aumentam a probabilidade da utilização de operações desse tipo. Além da estranha operação contra Ciro, há notícias preocupantes de uma tentativa frustrada de operação fajuta contra Eduardo Paes, baseada em provas forjadas por um delegado interessado em favorecer seu então adversário eleitoral, Marcelo Crivella. Por fim, a mudança completa no cenário eleitoral de São Paulo após a operação contra Márcio França deixa claro os impactos que empreitadas desse tipo (justificadas ou não) podem ter sobre o cenário político.

    Além disso, em novembro passado, CartaCapital desvelou a tentativa de criar uma ligação entre os hackers da Vaza Jato e o ex-ministro Palocci, com o objetivo de culpar o PT pelos ataques. Ainda que fontes da PF indicassem que essa investigação seria encerrada rapidamente, isso ainda não ocorreu, deixando aberta a possibilidade de um vazamento estratégico.

    Todos esses exemplos servem de alerta.

    Está claro que o lavajatismo ainda não foi superado pelas instituições brasileiras. Pelo contrário, esse tipo de subterfúgio se espalhou por essas instituições, deixando de ser exclusividade da “República de Curitiba” e passando a ser adotada por indivíduos agindo por motivações próprias.

    O sistema político e a população estão à mercê de agentes públicos dispostos a usar seu poder para interferir nas eleições.

    É preciso estar atento.

    https://www.cartacapital.com.br/politica/mensagens-ineditas-mostram-que-a-lava-jato-tambem-conspirou-contra-ciro-gomes

    Leia ainda em Carta Capital:

    “Gebran Neto livra Gabriela Hardt de suspeição em processo
    e alega falta de competência de advogados”

    ‘Não se verifica procuração com poderes específicos [SIC],
    o que impede o processamento do pedido’,
    alegou o desembargador relator da Lava-Jato no TRF4

    https://www.cartacapital.com.br/justica/gebran-neto-livra-gabriela-hardt-de-suspeicao-em-processo-e-alega-falta-de-competencia-de-advogados

Zé Maria

.
.
E cadê a Autocrítica da Imprensa-Empresa braZileira que

serviu de Megafone Antipetista dessa “Elite do Atraso” que

substabeleceu à Ralé da Política e à Bandidagem Judicial

o “Serviço Sujo” para apear do Governo a Presidente Dilma

e prender o ex-Presidente LULA, destruindo as Instituições

Políticas Democráticas e liquidando a Economia do País ?

marcio gaúcho

A democracia paga moralmente. Os brasileiros pagam com altos juros, desemprego e inflação. Além, da vergonha de ter um presidente imbecil e idiota!

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