Marcos de Oliveira: Crescimento da uberização inviabilizará Previdência Social
Tempo de leitura: 4 min
Crescimento da uberização inviabilizará Previdência Social
Mais de 60% dos trabalhadores de plataformas não contribuem para a Previdência Social
Por Marcos de Oliveira*, no Monitor Mercantil
Pesquisa da Pnad Contínua 2024 confirma a precarização do trabalho em plataformas digitais e o avanço do modelo para outros setores. Os resultados geram um alerta: a expansão da uberização do trabalho para outros segmentos sem a concessão de direitos inviabilizará a Previdência e a Seguridade Social.
Mais de 60% dos trabalhadores de plataformas não contribuem para a Previdência Social, apesar de um leve aumento de 2,2 pontos percentuais desde 2022. A falta de cobertura previdenciária e o alto índice de informalidade tornam o grupo um dos mais vulneráveis do mercado de trabalho.
O número de brasileiros que têm nos aplicativos digitais sua principal forma de trabalho aumentou 25,4% nos últimos dois anos, passando de 1,3 milhão (2022) para 1,7 milhão (2024). Os dados foram divulgados nesta sexta-feira pelo IBGE, a partir de inédita cooperação técnica com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Os uberizados, ou, como prefere a pesquisa, trabalhadores plataformizados — motoristas, entregadores e prestadores de serviços por aplicativos — já representam 1,9% da população ocupada no setor privado. Segundo o estudo, houve uma expansão de 52,1% do trabalho via apps em outros setores, com a região Sudeste concentrando o maior contingente desses trabalhadores: 53,7% do total.
Uberização: trabalho sem direitos vira regra
“Trabalho sem direitos ameaça virar regra”, alerta procuradora. Para Clarissa Ribeiro Schinestsck, os dados confirmam o avanço de um modelo baseado na desproteção social e no enfraquecimento de direitos trabalhistas, além de comprovar a precarização do trabalho, já demonstrada no estudo de 2022.
“A pesquisa do IBGE confirma o que o MPT tem observado nas investigações: a expansão do trabalho plataformizado vem acompanhada de precarização, com longas jornadas, ausência de direitos e de proteção social, e controle algorítmico excessivo. Esses números nos preocupam não apenas pelos impactos sobre os trabalhadores, mas também pelo risco de esse modelo se espalhar para outros setores, corroendo direitos e reduzindo a arrecadação pública”, afirma Clarissa.
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Os números revelam um cenário que consolida a precarização no trabalho em plataformas digitais, com a intensificação do trabalho por meio de longas jornadas, rendimentos menores por hora, alto nível de informalidade e forte controle exercido pelas empresas.
Renda por hora é menor, e jornada de trabalho, maior
De acordo com o levantamento do IBGE, os trabalhadores de aplicativo têm, em média, jornada semanal 5,5 horas mais longa que os demais ocupados que não são plataformizados, mas recebem 8,3% menos por hora trabalhada — R$ 15,40, ante R$ 16,80 dos não plataformizados.
O rendimento mensal médio dos trabalhadores por aplicativo é 4,2% superior ao dos demais empregados do setor privado. Porém essa diferença se explica justamente pela maior carga de trabalho. “O aumento do rendimento mensal é resultado do excesso de horas trabalhadas, não de uma valorização do trabalho”, observa o relatório.
A pesquisa mostra que o discurso de autonomia, frequentemente usado pelas empresas de plataforma, contrasta com o controle efetivo exercido sobre os trabalhadores. Entre os motoristas de transporte particular, 55,8% relataram ter a jornada influenciada por bônus e promoções definidos pelas plataformas, enquanto 50,1% dos entregadores afirmaram estar sujeitos aos mesmos mecanismos. Além disso, mais de 30% declararam sofrer ameaças de bloqueio ou punição caso não cumpram metas determinadas pelo algoritmo.
“O controle algorítmico exerce sua influência a todo o momento sobre a intensidade do trabalho e o rendimento do trabalhador, e isso ficou comprovado na pesquisa”, aponta Clarissa.
Precarização acompanha informalidade na uberização
“Os dados da pesquisa do IBGE de 2024 confirmam a realidade já revelada no ano de 2022, e, em alguns aspectos, até mesmo pior, reafirmando a ampla precarização no trabalho em plataformas digitais. A informalidade no trabalho, longas jornadas, baixa remuneração, responsabilidade pelos custos do trabalho e a ausência de direitos trabalhistas e previdenciários expõe a realidade de extrema precarização daqueles que trabalham para empresas de plataformas digitais”, afirma o professor e pesquisador José Dari Krein, da Unicamp.
O estudo também mostra que 72,5% dos plataformizados atuam em transporte, armazenagem e correios; 58,3% trabalham com transporte particular de passageiros. A maior parte é composta por homens (83,9%), com ensino médio completo ou superior incompleto (59,3%), e trabalhadores por conta própria (86%).
Entre os condutores de automóveis, os plataformizados registraram rendimentos mensais R$ 341 superiores aos dos motoristas tradicionais, mas trabalham cinco horas a mais por semana, com baixo acesso à previdência oficial. Entre os motociclistas, o número de trabalhadores de aplicativo cresceu em 140 mil entre 2022 e 2024, e um terço deles já atua exclusivamente por meio dessas plataformas.
Autonomia limitada pelos algoritmos
A pesquisa feita a partir da Pnad também revela que a maioria dos trabalhadores de aplicativos de transporte afirma poder escolher dias e horários de trabalho (78,5%), mas essa flexibilidade é condicionada a mecanismos de incentivo e punição. Na prática, o trabalhador é “autônomo” apenas formalmente, enquanto sua rotina e ganhos são determinados pelo algoritmo.
O relatório conclui que, embora o trabalho por meio de plataformas digitais amplie oportunidades de geração de renda, ele impõe novos desafios à regulação trabalhista e à proteção social.
Para o MPT, a prioridade é garantir que a inovação tecnológica não seja usada como instrumento de retrocesso. “A transformação digital não pode significar um retrocesso nas relações de trabalho. É possível conciliar tecnologia e dignidade, desde que haja regulação e compromisso social”, enfatiza Clarissa Ribeiro Schinestsck.
A procuradora finaliza apontando que “os resultados da pesquisa reforçam a tese que já vem sendo denunciada pelo MPT, no sentido de que o trabalho prestado para empresas de plataformas digitais é um trabalho totalmente precarizado, desprovido de direitos trabalhistas e previdenciários e que ocorre à margem da legislação protetora do trabalho”.
Com informações do MPT Campinas e do IBGE.
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Comentários
Zé Maria
E os Vendedores de Previdência Privada São Estelionatários.
Zé Maria
A “Informalidade” é uma Fraude às Relações de Trabalho.