Marcos Coimbra: Mudar tudo não parece a melhor opção

Tempo de leitura: 3 min

2 de abril de 2011 às 16:03h

Ainda a reforma política

por Marcos Coimbra*, em CartaCapital

Se não precisar de mais tempo, a Comissão Especial do Senado para a reforma política concluirá seus trabalhos na terça-feira 5, quando a última reunião prevê a sistematização dos trabalhos e a apresentação das conclusões.

Louve-se o empenho com que José Sarney cumpriu o compromisso de constituí-la e lhe dar condições de funcionamento. Quando indicou alguns dos nomes mais conhecidos do Senado, garantiu que a comissão não seria apenas mais uma. Seus 15 integrantes são uma espécie de elite da Casa, com dois ex-presidentes da República, ex-governadores de diversos partidos e lideranças respeitadas. Sentindo-se no dever de dar uma satisfação à opinião pública, todos se esmeraram no cumprimento da agenda, de forma a não frustrar as expectativas de que tirariam a reforma do papel.

Dos estudos e discussões da comissão sairá um anteprojeto, que ainda terá de ser apreciado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado antes de ser submetido ao Plenário. O resultado irá depois para a Câmara, onde outra comissão com objetivos semelhantes está funcionando (em ritmo menos acelerado). É muito chão pela frente. Até subir à sanção presidencial, seu texto ainda passará por várias mudanças.

Embora isso seja verdade, o caráter ilustre da comissão pode inibir as discussões ao longo de sua tramitação. É natural, por exemplo, que os nove senadores do PSDB tenham dificuldade de votar contra uma proposta defendida por Aécio Neves. Ou que os quatro do PP sejam contrários a algo que Francisco Dornelles aprovou exercendo a presidência. E que os quatro do DEM rejeitem as teses de Demóstenes Torres.

O mesmo talvez não aconteça no PMDB e no PT, maiores e mais heterogêneos. Ainda assim, os três peemedebistas e os três petistas que a integram são figuras respeitadas em seus partidos, contra as quais nem todos seus pares quererão ficar.

Será, portanto, um anteprojeto mais pesado que de costume. Contando com a simpatia de Sarney, que funcionou como o 16º integrante da comissão e que se sente corresponsável por ele, mudará na CCJ, mas dificilmente no fundamental. E no Plenário tampouco deverá sofrer grandes alterações.

Ou seja, o que sair da comissão será parecido ao que chegará à Câmara. Daí em diante, é arriscado especular, mas é provável que muitas de suas características permaneçam.

É por isso que se deve lamentar que a comissão tenha preferido correr com seus trabalhos a se aprofundar na consideração das matérias. Compreende-se que quisesse responder prontamente à missão, mas não era necessária tamanha velocidade.

O que ela ganhou votando, de 15 a 31 de março, mudanças tão drásticas quanto as que aprovou?

Nessas três semanas, a comissão reescreveu nosso sistema político. Mudou coisas que tínhamos desde os anos 1930, como o voto proporcional em lista aberta, e acabou com outras mais recentes, como a reeleição. Encurtou os mandatos no Executivo. Mexeu na vida dos partidos, nas eleições, no modo como fazemos política desde quando nos tornamos o país que somos hoje.

Se permanecer como está, o anteprojeto, em quase todos os casos, irá de encontro ao que preferem as pessoas. O voto em lista fechada, por exemplo, é uma instituição que muito dificilmente será assimilada pelo eleitor. Sua desaprovação nas pesquisas só não é maior por ser pouco conhecido e de difícil explicação.

E quando serão implantadas as novidades? Ninguém imagina que, vingando o fim da reeleição, já valerá para as próximas eleições municipais. E nem para as eleições presidenciais e de governador de 2014. É quase certo que a ampla maioria de que o governo dispõe no Congresso não subtrairá da presidenta Dilma Rousseff o direito de concorrer, se quiser, a um segundo mandato.

E o voto em lista fechada nas eleições de vereador de 2012? Ele contraria de modo frontal as movimentações em curso, pois inverte a lógica que essas disputas adquiriram nos últimos anos, especialmente nas grandes cidades. Apenas para ilustrar: a atual Câmara de Vereadores de Belo Horizonte tem representantes de 19 “partidos”, a maioria dos quais inexistentes na vida real. Onde aplicar a ideia de listas partidárias, se os partidos são ficções?

A comissão escolheu o caminho de mudar tudo. Com tanta gente experiente, deve saber o que faz. De fora, no entanto, não parece ser a melhor opção.

* Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi. Também é colunista do Correio Braziliense.

Leia aqui o artigo de Marcos Coimbra sobre a necessidade de consolidar os partidos políticos.

Aqui, Marcos Coimbra analisa o aborto e a união civil homossexual nas últimas eleições à Presidência da República.


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Comentários

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Marcelo de Matos

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Marcelo de Matos

O que se lê na grande mídia e na blogosfera sobre a reforma política lembra o consagrado Samba de uma nota só, de Tom Jobim. Ou, se preferirem, um rondó, um estribilho, ou, como dizem os germânicos, um leitmotiv. A mídia não tem só o poder de assassinar reputações, mas, também idéias. A CPMF foi uma delas. Era o embrião de um tributo moderno, arrecadado e fiscalizado por meio eletrônico, que poderia ajudar a resolver o imbróglio da saúde pública no país. Mas, tanto falaram mal que já se torna impossível voltar ao tema. Agora se apegaram ao voto em lista. O sabichoso Élio Gaspari, da Folha, caiu de pau na novidade acusando os “comissários” do PT por sua autoria. Não se ouve o outro lado, como a própria Folha finge fazer de vez em quando. José Dirceu, por exemplo, defende a lista fechada e a manutenção da reeleição. Não se preocupem: o ex-Chefe da Casa Civil não será ouvido nem pela grande mídia, nem pela blogosfera, salvo o Noblat que poderá dar a ele uma chance de expor seus pontos de vista.

Ramalho

Concordando com o articulista, pode-se metaforicamente dizer que revolveram a lama do fundo do sistema político para, na turbidez que se formou na água, pescarem. Além disto, há excesso de pescador finório na comissão senatorial (não é que Demóstenes Torres lá está!).

Claramente, as mudanças têm de ser pontuais, revolução não se faz quando se quer e sem apoio e controle popular intensos. Uma das mudanças pontuais mais importantes é a redução do tempo de mandato de senador: oito anos é demais. Outra é o finaciamento exclusivamente público de campanha, com recursos divididos pelos partidos proporcionalmente ao número de seus representantes e fiscalização rigorosa, o que reduzirá em muito o financiamento ilegal de campanhas. Finalmente, acabar com senadores biônicos. Se estas poucas modificações forem feitas, as coisas já melhorarão muito.

GilTeixeira

A pergunta que me fica é: como serão feitas essas listas fechadas?
Sei, por exemplo que no PT haverá uma eleição interna, como sempre foi, mas e no PSDB? Vão se reunir no Fasano meia duzia de três e decidir? E nos outros partidos com seus donos, tipo o Eyamel? Cada partido vair gerar seu método ou tal já vem no corpo da lei?

Por enquanto não sei se gosto de lista fechada não.

    Arthur Schieck

    Gil, acho que você acertou na mosca. Mas note que o absurdo não é a lista ser fechada, mas sim todos os partidos (menos o PT) não praticarem democracia interna.
    Uma coisa que poucos falam é que, por exemplo, partidos como o PMDB (o aluguel mais caro do Brasil) não existirão mais. É possível até que o DEMo se fortaleça como representante oficial da direita.

Roberto Locatelli

Sou favorável ao voto em lista, pois isso obrigará os partidos a se definirem melhor ideologicamente.

Quanto ao voto distrital, é uma armadilha. Ele destroi a lógica de que cada eleitor vale exatamente um voto. É preciso discutirmos isso aqui no VioMundo e na Blogosfera.

O fim da reeleição significaria impedir o eleitor de votar em quem ele quiser.

    Marcelo de Matos

    É isso aí Roberto. Falou e disse.

chanceLer

Sou a favor da lista fechada, pois fortalece os partidos e cria uma identidade ideológico-partidária nos eleitores. Dá mais substância ao Congresso.
Penso ainda que deveríamos unificar todas as eleições. Traria mais estabilidade às alianças e economia ao erário público. Do jeito que está somente o TSE ganha: R$500milhões (aprox.) por pleito. Para realizar campanhas sem nenhum resultado prático, pois, democracia se aprimora no cotidiano, aprende-se participando (não pela repetitividade eleitoral) e no processo educativo (escola, família, imprensa, enfim, toda socieade).

    Arthur Schieck

    Discordo. Acho que deveriamos ter alternância entre as eleições para o executivo e legislativo.
    O que temos hoje é muito ruim. Presidente, senadores e deputados são eleitos juntos. Dois anos depois são os prefeitos com os vereadores. Isso sim não faz sentido.

Arthur Schieck

Pegando o gancho do final do texto, os partidos hoje são "ficções" justamente por conta do voto proporcional em lista aberta.
A lista fechada é uma idéia fantástica para resgatar a importância de se votar em idéias, não em pessoas. O legislativo é um poder onde se debatem idéias, não pessoas.
Apesar de ser filiado ao PT, não sou lá muito engajado na vida partidária, mas nunca falto a uma prévia, nem que seja só para votar nulo. A ideia de eleger a lista do meu partido nas prévias me parece extraordinária. No momento das eleições eu gastaria toda a minha energia defendendo o voto no meu partido, sem a necessidade de disputar voto com candidatos de pensamento ideológico muito parecido. Essa é a grande distorção do sistema atual, a de transformar companheiros de partido em inimigos mortais.
Com relação aos outros partidos acho que num primeiro momento seria trágico. As listas seriam uma coisa horrorosa, cheia de apadrinhados e talvez grandes financiadores figurando como candidatos. Mas com o tempo o eleitor vai aprender a punir os partidos que fizerem isso e estes terão que se abrir a eleições internas.
Talvez a proposta mais trágica seja a do distritão. Neste caso é melhor acabar de vez com partidos, pois estes não fariam mais sentido.

Nilson E da Silva

Olá,

Na minha modesta opinião se o voto distrital misto fosse aprovado já seria um bom começo.

Abs,

Filipe Rodrigues

"A atual Câmara de Vereadores de Belo Horizonte tem representantes de 19 “partidos”, ora Marcos Coimbra, você acha correto?
Com a lista fechada cairia de 19 para 7 a 9 partidos, quer coisa melhor?
Que a maioria desses partidos de aluguel e sem ideologia queimem no inferno…

SILOÉ

Se dependesse de mim mudaria tudo, começaria do zero.

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