Marcelo Zero: União Europeia protecionista não é a única opção do Brasil

Tempo de leitura: 3 min
15ª Cúpula dos Brics, Joanesburgo, 23/08/2023: Presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Xi Jinping (República Popular da China), Matamela Cyril Ramaphosa (África do Sul), primeiro-ministro Narendra Damodardas (Índia) e ministro das Relações Exteriores Sergey Lavrov ( Rússia) Foto: Ricardo Stuckert/PR

UE Protecionista não é Única Opção do Brasil

Por Marcelo Zero*

As recentes declarações de Emmanuel Macron parecem ter sepultado as perspectivas de implantação do Acordo Mercosul-UE, pelo menos no curto prazo.

Macron, às voltas com a revolta dos agricultores franceses, se oporá, como puder, ao acordo. Não por causa do “meio ambiente”, da “proteção da Amazônia”, dos “pesticidas usados no Brasil”, etc.

Evidentemente, não é isso. A questão principal reside no histórico e forte protecionismo europeu, particularmente francês, na agricultura.

Muito embora o Acordo Mercosul-UE não faça, de fato, concessões significativas à nossa agricultura, abrindo apenas alguns mercados com quotas bem modestas, a pressão protecionista continua.

Pelos mesmos motivos, o acordo com a UE com a Austrália também não se concretizou.

A bem da verdade, isso não deveria preocupar muito o Brasil.

Em primeiro lugar, porque o acordo, fechado às pressas por Bolsonaro e Macri, em 2019, não é muito bom para o país, especialmente para sua indústria.

No momento em que todo o mundo faz esforços para proteger e redinamizar suas indústrias, inclusive o Brasil, abrir, sem critérios, vastos setores industriais brasileiros à concorrência europeia, especialmente alemã, não parece ser uma boa ideia.

Em segundo, porque a Europa, embora continue a ser um parceiro muito importante, vem perdendo relevância comercial para o Brasil e a América Latina.

No caso do Brasil, as nossas exportações para lá não têm crescido de forma sustentada. Em 2008, exportamos para a UE US$ 42, 3 bilhões. No ano passado, exportamos, cerca de US$ 46, 3 bilhões.

Nesse período, houve muitas oscilações, normalmente para baixo. Em 2016, por exemplo, exportamos apenas US$ 27, 1 bilhões para a UE.

Em contraste, o crescimento de nossas exportações para a China tem sido simplesmente fantástico.

Em 2008, exportamos US$ 16, 5 bilhões para a China, ou seja 2,6 vezes menos que para a UE. Porém, em 2023 exportamos US$ 104, 3 bilhões para a China, bem mais que o dobro que para a UE. Para a França de Macron, observe-se, exportamos US$ 2,9 bilhões, em 2023.

Na realidade, a UE, particularmente a indústria europeia, muito combalida pela concorrência da China e, mais recentemente, pelo estrangulamento energético ocasionado pela adesão às sanções contra a Rússia, precisa mais do Brasil e do Mercosul que o inverso.

A muito competitiva agricultura do Brasil e do Mercosul hoje está muita mais voltada para a Ásia que para a Europa.

Assim, quem tem mais a perder com a não implementação do acordo é a UE.

Mas o Brasil pode continuar a persistir na diversificação de suas parcerias econômicas e comerciais, uma estratégia que vem dando certo.

Uma das opções, entre várias outras, pode ser a União Econômica Euroasiática.

Esse bloco, composto por Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Rússia já estabeleceu acordos de livre comércio com Camboja, Egito, Índia, Irã, Marrocos, Paquistão, Tailândia, Tunísia e Vietnã.

Embora não tenha, obviamente, a relevância atual da UE, o potencial de intercâmbio do Brasil com esse bloco é substancial. Afinal, trata-se de um grande produtor de energia e de fertilizantes.

Ademais, Rússia e Bielorrússia têm competitividade em muitas indústrias e domínio tecnológico em áreas estratégicas.

Com as sanções impostas unilateralmente pelos EUA e a UE a esses países, podem-se abrir boas oportunidades para o Brasil, que só participa de sanções aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU.

Outro bloco a ser considerado é a União Africana, com sua recém-criada Zona de Comércio Livre Continental Africana.

Trata-se da maior área de livre comércio em número de Estados Membros (mais de cinquenta) e em população (mais de bilhão de pessoas). Evidentemente, o potencial de intercâmbio é imenso.

A nossa grande parceria estratégica com a China também pode e deve ser aprofundada, especialmente no que se refere à cooperação científica e tecnológica.

O intercâmbio brasileiro com a Índia, potência ascendente e país que mais cresce no mundo, precisa ser consideravelmente robustecido.

Investir na integração da América do Sul e da América Latina é uma excelente iniciativa para constituir cadeias produtivas regionais e fortalecer nossa indústria.

Enfim, opções não faltam. Já se foi o tempo em que as únicas parcerias relevantes eram as estabelecidas com os EUA, a Europa e o Japão. O mundo mudou consideravelmente. E continua a mudar, com celeridade.

Para aproveitar as oportunidades criadas pela nova geoeconomia mundial, basta ser pragmático e reacional e não cair nas armadilhas ideológicas da nova Guerra Fria, com sua visão equivocada, maniqueísta e simplória do planeta.

Hostilidade, intervenções, sanções e a pretensão cabotina de ser modelo ambiental e de democracia e direitos humanos para o mundo não levam ninguém a lugar nenhum. Quem escolher esse caminho anacrônico e obtuso ficará para trás.

Lula, que faz até seus mais ferrenhos opositores rirem, sabe bem disso.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Zé Maria

O que impressiona é que uma parte considerável
dos Grandes Agropecuaristas braZileiros ainda são
favoráveis a esse Acordo Espúrio com a União Europeia,
prejudicial aos próprios produtores do Agro no Brasil.
Mais um Sintoma Deplorável de Contaminação Ideológica
do Bolsonarismo Contra o Interesse da Produção Nacional.

Deixe seu comentário

Leia também