Marcelo Zero: Trump é da turma

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Trump é da turma

por Marcelo Zero, no Brasil Debate, 11/11/2016

A vitória de Trump pode ter surpreendido alguns, mas o fenômeno Trump, um demagogo fascista, não é surpreendente.

Ao contrário, Trump faz parte de uma tendência internacional nítida que vem se consolidando já há algum tempo: a de um nacionalismo de direita xenófobo, racista, anti-imigrante e supostamente “antiglobalização”.

Com efeito, o Brexit britânico, a ascensão de Le Pen na França e de outros grupos de extrema direita na Europa são também fenômenos políticos da mesma natureza de Trump.

Esse fenômeno político surge claramente do capitalismo “financeirizado” e globalizado.

O neoliberalismo associado à expansão desse tipo de capitalismo vem provocando, há décadas, aumento das desigualdades sociais, do desemprego estrutural e da pobreza em muitos países desenvolvidos.

A crise mundial, prestes a completar uma década, apenas aprofundou e ampliou essas consequências sociais negativas do neoliberalismo internacionalizado.

No caso dos EUA, a processo de geração de desigualdades e exclusão vem de longe.

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A partir do final da Segunda Guerra Mundial e até a década de 1970, a renda média dos 10% mais ricos dos EUA (em vermelho) crescia a taxas menores que a do restante da população.

Os outros 90% (em azul) se apropriavam da maior parte do crescimento da renda, embora essa diferença tenha decrescido, ao longo das décadas.

Assim, até a década de 1970, os EUA cresciam com distribuição de rendimentos.

Entretanto, a partir da década de 1980, há uma drástica e clara reversão dessa tendência.

Com o neoliberalismo e a reaganomics, os 10% mais ricos passaram a se apropriar, de forma crescente, da maior parte do crescimento dos rendimentos.

Desde aquela época, os EUA crescem aumentando a desigualdade.

Uma consequência óbvia desse processo é o empobrecimento relativo e mesmo absoluto das classes médias norte-americanas.

Desde 1999, os 90% mais pobres não aumentam seus rendimentos. É isso mesmo.

As classes médias e os trabalhadores dos EUA não têm aumento real de rendimentos há 17 anos. É quase uma PEC 241.

Na realidade, com o decréscimo real recente dos rendimentos ocasionado pela crise, as estatísticas mostram que o rendimento médio dos lares norte-americanos é hoje inferior ao de 1989.

Outra consequência é a precarização do mercado de trabalho.

Em 1970, apenas 10% da força de trabalho dos EUA tinham trabalhos a tempo parcial. Atualmente, esse índice duplicou.

Os empregos gerados são, em sua maioria, de má qualidade, precários e mal pagos.

Em 1979, o salário mínimo médio norte-americano era de $9,67 a hora (em valores de 2013). Hoje, ele está em apenas $7,25, apesar do enorme crescimento da produtividade.

Há também o efeito deletério do endividamento das famílias. A dívida média dos lares norte-americanos é de US$ 90.000,00, o equivalente a R$ 300 mil. E esse número inclui os lares que não têm dívida.

A dívida média dos lares com dívida (a maioria) é de US$ 130.000,00, o que equivale a R$ 430 mil.

No cômputo geral, a dívida das famílias norte-americanas é de US$ 12,12 trilhões, ou seja, 68% do PIB dos EUA e quase 7 PIBs do Brasil (em valores de 2015).

Assim como na campanha do Brexit, Trump se aproveitou do ressentimento das classes médias e trabalhadoras brancas dos EUA com seu empobrecimento e com sua falta de perspectivas para construir um discurso nacionalista e xenófobo de grande apelo popular.

Seu slogan Make America Great Again e suas críticas aos imigrantes e a países como México e China, que “roubam empregos dos norte-americanos”, calaram fundo na massa de empobrecidos, endividados e desempregados em que se transformou a outrora pujante classe média norte-americana.

Hillary não entendeu a força desse apelo e passou a fazer críticas óbvias ao racismo, à misoginia e à xenofobia de Trump, sem oferecer uma resposta aos problemas reais dos eleitores. Tivesse sido candidato Bernie Sanders, que apresentava propostas para resolver esses problemas sociais e econômicos, o resultado poderia ter sido outro.

Obviamente, Trump não é a solução para a questão da desigualdade crescente, o empobrecimento e a falta de empregos de qualidade nos EUA. Ao contrário, ele tende a agravar esses problemas.

No governo, ele será bem diferente do que foi na campanha. Ele jamais será um presidente “antiglobalização”, ele será apenas um presidente anti-imigração, com largas pitadas de islamofobia, misoginia, racismo,etc.

E porque não? Porque as grandes empresas norte-americanas, donas do poder econômico e político nos EUA, com relações umbilicais com o Partido Republicano, são as que mais lucram com a globalização neoliberal.

A “desterritorialização” da produção física dos EUA, que se deslocou para a Ásia, principalmente para a China, foi feita, com sucesso, justamente para aumentar os lucros dessas empresas e dos seus acionistas.

Essas empresas têm cerca de US$ 5,15 trilhões de investimentos produtivos no exterior. Nesse número, não entram os capitais especulativos.

Por outro lado, há US$ 3,5 trilhões de investimentos diretos de estrangeiros nos EUA, a maioria deles associados a empresas norte-americanas.

Cerca de 50% das importações dos EUA, aquelas que “destroem os empregos norte-americanos”, são intrafirma, isto é, são feitas justamente por empresas norte-americanas, que fazem sua produção total ou parcialmente no exterior.

Assim, quem “rouba empregos dos trabalhadores norte-americanos”, quem aumenta a desigualdade nos EUA, não são o México, a China ou os imigrantes.

São as próprias empresas norte-americanas. O “inimigo”, por assim dizer, é interno, não externo. Bernie Sanders sabe disso. Trump finge que não sabe.

Trump não desafiará os interesses dessas empresas. Mesmo se tentar, será desautorizado pelo Congresso e por seu próprio partido. Lembre-se que, nos EUA, a prerrogativa de decidir sobre comercio exterior é do Congresso, não do presidente da república, como no Brasil.

Ao contrário, Trump, como todo reacionário, republicano ou não, vai atender os interesses do capital, diminuindo ainda mais a taxação para os mais ricos e, em consequência, aumentando a desigualdade social e a precariedade laboral em seu país.

Trump vai dirigir o ressentimento de seus eleitores não a quem os prejudica realmente, mas à aqueles que os prejudicam apenas em seus delírios xenófobos: os imigrantes, os muçulmanos, os chineses, os “porcos latinos”, o “inimigo externo”, enfim.

Apple e Intel não sofrerão com Trump. Sofrerão os imigrantes que lavam os banheiros dos CEOs dessas empresas.

A direita xenófoba e racista não tem resposta para o neoliberalismo globalizante.

O enfraquecimento do Estado Nação foi promovido pelo capital globalizado e “financeirizado”, que não tem mais pátria e nem compromisso com o emprego e o bem-estar de ninguém.

Apesar da comoção inicial, o Partido Republicano e a direita tradicional vão perceber que Trump será bastante útil, na medida em que dirigirá a ira dos novos deserdados contra os deserdados da terra. O inimigo do pobre será o mais pobre.

De quebra, Trump, com seu temperamento explosivo, poderá fazer alguns trabalhos sujos, como o de bombardear o esforço mundial contra as mudança climáticas.

É claro que é embaraçoso para qualquer país ter um presidente como Trump, que não passa de um bufão racista e misógino. Parece um outsider vergonhoso.

Não é. Ao contrário de Bernie Sanders, ele é da turma. Da turma que rouba empregos e promove a desigualdade e a pobreza. Está tudo em casa.

PS do Viomundo: E, como informamos aqui anteriormente, um dos primeiros debates no Congresso sob Trump deve ser sobre a oferta de “repatriação” de U$ 2 trilhões em lucros que as empresas baseadas nos Estados Unidos mantém no Exterior. São U$ 2 tri não taxados! Isso sim, um milagre do capitalismo globalizado.

Leia também:

Altamiro Borges: Golpe dos corruptos mata os aumentos do salário mínimo


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Comentários

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Nelson

Esses “pujantes” empreendedores privados, uma vez enriquecidos com a pilhagem de seu país, são os mesmos que vão propor, como solução à exaustão em que chegou o Estado, a privatização.

São eles que, tendo o dinheiro na mão, vão abiscoitar as empresas estatais. De posse delas, passarão a “saborear” um novo ciclo de aumento de sua riqueza, em detrimento do restante de seu povo.

Ao povo sobrará o legado de tarifas e preços bem mais caros do que quando as empresas ou os serviços eram estatais, além de um desemprego maior e de uma massa salarial menor.

Nelson

“[…] ‘repatriação’ de U$ 2 trilhões em lucros que as empresas baseadas nos Estados Unidos mantém no Exterior”.

A pujança da iniciativa privada, do empreendedorismo deles, é feita à base de muita isenção fiscal, empréstimos subsidiados e benesses múltiplas. O imposto que deveriam pagar, fazem mil piruetas – legais e ilegais – para dele escapar.

E, patriotas até debaixo d’água, à medida que enviam seus ganhos ilícitos para paraísos fiscais, vão deixando seus “tão amados” países “na lona”.

Depois de conspirarem até não poder mais contra o bem-estar de seus povos, vão lucrar de novo, pois, ao invés de responderem por seus crimes na Justiça, vão receber novas benesses via estas repatriações.

Continua…

Nelson

Em uma coisa, pelo menos, podemos dizer que estamos na frente deles. Se eles terão o Trump só em janeiro de 2017, nós já temos o Temer desde abril deste ano.

FrancoAtirador

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Cuba foi o Único País da América Latina
a cumprir Todos os Objetivos do Programa

‘Educação Para Todos (EPT)’ da UNESCO
(Órgão da ONU para Educação e Cultura)

com as 6 Metas Globais Alcançadas até 2015.
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Apenas Um em Cada Dez Países do Mundo
atingiu a Totalidade das Metas da UNESCO.
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http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/mundo/internacional/noticia/2015/04/08/unesco-cuba-e-unico-pais-latino-americano-a-atingir-objetivos-de-educacao-175936.php
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http://www.radiohc.cu/pt/noticias/nacionales/17178-cuba-chama-na-onu-a-priorizar-igualdade-de-genero
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FrancoAtirador

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30% das Pessoas Mais Pobres do Planeta

estão na América do Norte e na Europa.

14/10/2015
Forbes
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Segundo Pesquisa do Banco Credit Suisse,

10% das Pessoas Mais Pobres de Todo o Mundo
e 30% das Mais Ricas estão na América do Norte.

E na Europa, de acordo com o Estudo,
estão 20% das Pessoas Mais Pobres
e 35% das Mais Ricas do Planeta Terra.
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Entretanto, Não Existe um só Cidadão Chinês
Entre os Mais Pobres, na Classificação do Banco.
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E aqui no braZil ainda dizem que o Socialismo
é que não dá certo em nenhum lugar do Mundo.
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http://www.forbes.com.br/lifestyle/2015/10/estados-unidos-tem-mais-pobres-do-que-a-china-diz-estudo-polemico-de-banco-suico/
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FrancoAtirador

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Doctor Strangelove, Major T.J. ‘King’ Kong & Armageddon’ Knights

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Trump-o-Dr-Fantastico-e-os-cavaleiros-do-Armagedom/6/37211
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FrancoAtirador

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https://twitter.com/pablovillaca/status/797500357324705793
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Ideraldo Souza

Eu discordo da análise.
Claro, Trump é um bilionário e, a julgar pela crítica da mídia que o está bombardeando, parece que ele incomodou. Por outro lado, o que representaria a vitória de H. Clinton. Representaria a continuidade das tensões contra a Rússia , a guerra na Síria e em outras partes do mundo. Não esquecendo que ela esteve por trás do golpe no Brasil.
Com relação ao crescimento da extrema-direita na europa, muito se deve a atuação dos socialista que aliam-se ao grande capital. O crescimento de Le Pen, na França, deve-se à inanição de François Hollande e do Partido Socialista Francês, assim como em outras partes do mundo.

    Nelson

    Meu caro Ideraldo.

    O escritor estadunidense, Gore Vidal, um mestre da ironia, dizia, a respeito de sistema político de seu país: “Um regime de partido único com duas alas de direita”.

    O jornalista gaúcho, Mendes Ribeiro, quando da eleição de Ronald Reagan, afirmou que,no sistema político dos EUA, os dois partidos, Democrata e Republicano, representavam as duas faces de uma mesma moeda.

    Ao ouvir isso, eu, imediatamente, discordei. Naquela época, eu nada tinha lido sobre geopolítica e as relações de poder entre as nações. Só passei a concordar com essa afirmação, depois que comecei a ler livros e textos de Michael Parenti, Howard Zinn, Noam Chomsky, William Blum, James Petras e outros, todos estadunidenses.

    Hoje, eu já não tenho dúvidas de que as duas declarações, de Gore Vidal e do Mendes Ribeiro, se completam e conformam um retrato acabado do que é o sistema político dos EUA.

    Edgar Rocha

    Sr. Ideraldo, concordo com suas colocações. Apenas, faria uma ressalva. Não se trata de discordar da análise do texto, mas apenas acrescentar uma variável que, hipocritamente, costuma ser omitida das análises sobre o avanço do fascismo atual. Se por um lado, as políticas para a economia geraram monstros como Trump, por outro, isto se potencializou pela falta de combatividade e, por que não dizer, pela adesão consciente de governos ditos de esquerda no jogo irracional imposto pelo mercado financeiro. A chance para um embate direto e o consequente vislumbre das reais intenções do sistema – e a quem ele serve – foi deixada de lado graças ao deslumbramento da chegada ao poder e a possibilidade de se aproveitar as chances para um crescimento econômico-social relativo e instável. A esquerda escolheu competir pelo espaço no sistema, ao invés de articular as mudanças que se faziam necessárias. No mundo inteiro houve simultaneamente a passagem dos partidos de centro-esquerda pelo poder, em decorrência da notória incapacidade da direita de solucionar problemas que ela mesmo gerou para a maioria. O povo – aquele que sempre vota errado (sic) – deu uma grande resposta, passando o bastão para as oposições. A frustração com estas foi proporcional à esperança que lhes foi depositada. Agora, restou ao povo – o que sempre vota errado (sic, outra vez) – dar uma resposta ao establishment pondo em cheque o “bom senso” dos que comodamente confiaram no fato de que seus opositores, de tão ruins, cairiam de maduro, sufocados por seu próprio discurso ridículo. Se houvesse a possibilidade de votar no Tiririca para a Casa Branca, tenho certeza que o povo americano o faria, só pra ver a cara de tacho da arrogante – e mentirosa – Hilary Clinton, diante do improvável.
    No quesito culpa, esquerda e direita poderão dividir o bolo da mesma forma que o fizeram durante a governança de esquerda, em detrimento das demandas locais e mundiais referentes ao meio ambiente, desigualdade, corrupção, bem-estar social, etc. O 1% mais rico não foi confrontado uma única vez. Somada a esta realidade o abandono total dos conceitos de cidadania e politização, deixando ao critério da opinião pública – aquela que se publica – a responsabilidade pela informação e formação do homem comum, o resultado não poderia ser outro. Uma legião de Homer Simpson venceu as eleições, fez primavera nas arábias, tomou a Ucrânia e deu golpe nos Estados latino-americanos.

FrancoAtirador

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“Os Lôbos Não Cômem Lôbos”
Apenas Lutam pela Liderança,
Mas Esses Animais Pertencem
à Mesma Alcatéia Predadora.
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