Marcelo Zero: Acordo Mercosul-UE, Venezuela e a carnavalesca embaixada da Hungria

Tempo de leitura: 5 min
Brasília (DF) 28/03/2024: O presidente da França, Emmanuel Macron, é recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em cerimônia oficial no Palácio do Planalto. Foto: Fabio Rodrigues- Pozzebom/Agência Brasil

Comentários sobre Temas Internacionais

Por Marcelo Zero*

1- ACORDO MERCOSUL-UE É RUIM, MAS NÃO POR CAUSA DO QUE MACRON DIZ

Macron disse que é Acordo Mercosul-UE é péssimo. É verdade, o acordo é ruim, mesmo. Mas não em razão do que ele argumenta.

Não é por causa da “gramática antiga” e por não ter nada, no texto, sobre meio ambiente. Não é verdade.

O acordo tem todo um capítulo sobre desenvolvimento sustentável e seu texto previamente negociado foi redigido recentemente.

Na realidade, o Acordo Mercosul-UE beneficia fundamentalmente a UE e sua indústria. Esse é o ponto.

Em primeiro lugar, deve-se assinalar que há uma grande assimetria na “linha de largada” do Acordo.

As tarifas médias de importação da UE estão em 4,7%, ao passo que as do Mercosul estão em cerca de 13%. Dessa forma, as concessões tarifárias da UE serão muito menores que as do Mercosul.

Em segundo, a indústria europeia tem muito mais escala e é bem mais tecnologicamente desenvolvida que a do Mercosul.

Em conjunto, esses fatores, além de outros, poderão dizimar ou enfraquecer subsetores relevantes da nossa já combalida indústria.

No caso da indústria automotiva, por exemplo, o acordo Mercosul-UE implicaria importantes benefícios para a UE em termos de aumento dos saldos comerciais bilaterais nos subsetores automotivo e de autopeças, com base em sua forte competitividade internacional.

Em contrapartida, as concessões feitas ao Mercosul na área agrícola apenas beneficiam marginalmente alguns setores do nosso bloco e não têm o condão de estimular um crescimento significativo da nossa agricultura, ao contrário do que se imagina.

Macron está apenas sucumbindo às pressões de seus agricultores. No fundo, o que ele diz não tem nenhuma relação com o meio ambiente e a biodiversidade.

É só a antiga, bem antiga, gramática do protecionismo agrícola europeu.

2- VENEZUELA NÃO PODE SE DAR AO LUXO DE AGREDIR AMIGOS

O Brasil é um país amigo da Venezuela.

Muito embora as relações bilaterais tenham começado a se adensar ainda no governo Itamar Franco, com a assinatura do “Protocolo da Guzmania”, foi durante os primeiros governos Lula que elas adquiriram dimensões estratégicas.

Saliente-se que, durante aqueles períodos, o Venezuela se tornou um dos principais parceiros econômicos do Brasil.

Entre 2003 e 2008, as exportações brasileiras para a Venezuela passaram de US$ 608 milhões para 5,15 bilhões.

Em 2009, o Brasil teve com a Venezuela seu maior saldo comercial: US$ 4,6 bilhões dólares, 2,5 vezes superior ao obtido com os EUA (US$ 1,8 bilhão). Além da quantidade, é preciso ressaltar a qualidade desse comércio.

Cerca de 72% das nossas exportações para a Venezuela eram de produtos industrializados, com alto valor agregado e elevado potencial de geração de empregos.

Tudo isso se perdeu com a crise e, especialmente com o governo Bolsonaro, que resolveu romper relações com esse importante vizinho e passou a se relacionar com o governo fictício de Juan Guaidó.

Com isso, perdemos muita influência na Venezuela. Em 2021, a China exportou US$ 2,19 bilhões para a Venezuela, mais do dobro que o Brasil conseguiu exportar para lá (US$ 1,08 bilhão).

O Brasil, agora, no terceiro governo Lula, reverteu essa decisão ridícula que causou prejuízos imensos ao país. Reabriu a embaixada em Caracas, retomou os contatos e recebeu Maduro em Brasília com todas as honras.

O terceiro governo Lula está, assim, totalmente empenhado na reconstrução dessas relações. Não apenas isso.

O Brasil também está empenhado em contribuir para a superação do conflito interno da Venezuela e para o total levantamento das sanções que aquele vizinho sofre.

Maduro sabe, ou deveria saber disso. Mas parece que não sabe ou não quer saber.

Bastou o Brasil manifestar preocupação crítica em relação à interdição da candidata Corina Yoris, sem impedimento legal claro, para que o governo Maduro agredisse nosso país de forma baixa.

Afirmaram que a nota do Brasil sobre o assunto, aprovada por Lula, parecia ter sido redigida pelo Departamento de Estado dos EUA.

Enfim, acusou-se o Brasil, nas entrelinhas, de ser, nesse episódio, uma espécie de “capacho do império”.

Acusação semelhante sofreu Petros, da Colômbia.

Ora, a preocupação do Brasil procede e, ao contrário do que se disseram alguns, a sua explicitação não tem nada a ver com interferência nos assuntos internos da Venezuela.

O Brasil é um dos países fiadores dos “Acordos para Promoção dos Direitos Políticos e Garantias Eleitorais e para Garantia dos Interesses Vitais da Nação, em 17 de outubro, em Bridgetown”, que ficaram mais conhecidos como “Acordo de Barbados”.

Nosso país, entre outros, empregou seu prestígio e sua influência para esse que esse acordo entre o governo de Maduro e a oposição fosse firmado.

Obviamente, o Brasil tem interesse em que esse acordo seja respeitado, de modo a que Venezuela supere definitivamente sua crise política, social e econômica.

O grande interesse objetivo do Brasil é ter um entorno próspero, pacífico e livre das pressões geopolíticas da nova Guerra Fria.

É claro que as autoridades brasileiras não são ingênuas. Sabem bem que boa da oposição da Venezuela, de extrema-direita, não tem nenhum compromisso com a democracia.

Participaram do golpe de 2002 contra Chávez, se recusaram a participar de eleições, investiram em violência política e pediram sanções contra o próprio povo venezuelano.

Por outro lado, contudo, o primeiro ponto do Acordo de Barbados reza que:

Las Partes reconocen y respetan el derecho de cada actor político de seleccionar su candidato para las elecciones presidenciales de manera libre y conforme a sus mecanismos internos, atendiendo a lo establecido en la Constitución de la República Bolivariana de Venezuela y la ley.

Há de se ter algum bom senso, quanto a isso. É óbvio que a oposição da Venezuela, muito dividida e autofágica, vai contestar os resultados eleitorais, caso Maduro vença o pleito, como as pesquisas preveem.

E vai sustentar suas reclamações com base nessas decisões de impedir candidaturas.

A Venezuela, bastante isolada, precisa de amigos. É falta de inteligência ficar atacando o Brasil e a Colômbia.

Nada mais reacionário que a burrice. Chávez faz falta.

3- FOI A INTELIGÊNCIA DOS EUA?

É possível que as imagens de Bolsonaro na carnavalesca embaixada da Hungria em Brasília tenham sido disponibilizadas por alguma agência de inteligência dos EUA, talvez a ubíqua, quase onipresente, NSA.

Um vazamento da própria embaixada ou de alguma força do Brasil teria sido apresentado para a mídia local.

O fato de a denúncia ter sido publicada originalmente no The New York Times, um jornal bastante conectado com a administração do Partido Democrata, parece indicar que a origem mais plausível seria a inteligência dos EUA.

Ademais, a reportagem do The New York Times utilizou também imagens satelitais de alta resolução, típicas de satélites militares.

Não foi coisa de amadores. Foi coisa de gente altamente profissional.

A reportagem desgastou dois líderes da extrema-direita mundial e aliados de Trump, Bolsonaro e Orbán.

Pode ter havido, portanto, interesse político na matéria.

Isso, entretanto, não elimina a gravidade das denúncias sobre Bolsonaro, sobejamente comprovadas. Não dá para brigar com fatos, venham de onde vierem e registrados por quem for.

Bolsonaro tentou escapar de uma ameaça, ainda que imaginária, de prisão. E Orbán tentou obstruir a justiça brasileira.

Se foi ou não a inteligência dos EUA que os flagrou é algo juridicamente irrelevante.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

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Comentários

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Zé Maria

“Se os Estados Unidos deixam dois partidos de direita
se revezando no comando do país há quase dois séculos,
em eleições indiretas, mediadas por colégio eleitoral,
totalmente corrompidas pelo poder econômico, e a gente
finge que isso é ‘democracia’, para que a gente vai comprar
briga dos outros?

Se a gente finge que um regime sanguinário [dos EUA], que
financiou mais de 70 golpes de Estado, dezenas de ditaduras
de extrema-direita, cometeu trocentos genocídios e que toda
semana está se enfiando numa nova guerra, é uma ‘democracia’,
para que a gente vai reclamar, se fulano ou cicrano deixa ou
não deixa golpista concorrer à presidência?”

O ‘problema’ da Venezuela é um só: os venezuelanos têm as maiores
reservas de petróleo do mundo – que estão nas mãos do Estado, sob
um governo que não é alinhado ao Ocidente [EUA], e não da iniciativa privada.
Esse é o ‘crime’ da Venezuela.
É ousar ter o controle dos próprios recursos energéticos.

Se a Venezuela tivesse entregado esse petróleo todo pra Shell, Halliburton,
British Oil, etc., ela poderia ter sua polícia matando 15.000 por ano e ninguém
ia falar nada.
Como a nossa mata e ninguém fala nada.
Como o príncipe saudita esquarteja jornalista e ninguém fala nada.

Tá na hora de sair do ‘Mundo de Bob’. A direita já saiu [se é que entrou].”

https://twitter.com/Historia_pensar/status/1773873018428596338
https://twitter.com/Historia_pensar/status/1773844227710963776

Zé Maria

.
.
Tendo já o Passaporte de Bozzonarek
sido Apreendido por Ordem Judicial,
a Entrada na Embaixada da Hungria
do Indiciado ex-Presidente Inelegível
corresponde, na prática, Fuga para
o Exterior.

Segundo a Convenção de Viena de 1961,
sobre Relações Diplomáticas, “os locais,
documentos e correspondências das
missões diplomáticas são invioláveis,
não podendo ser objeto de busca,
requisição, embargo ou medida de
execução”. Esta Inviolabilidade também
se estende ao Corpo Diplomático da
Embaixada Estrangeira, na Área onde
estiver Instalada no Estado Local.
.
.

Zé Maria

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Colômbia Expulsa Diplomatas Argentinos
após Milei Chamar Presidente Colombiano
de ‘assassino’ e ‘terrorista’

Não é a Primeira Vez que o Presidente Argentino
dispara Ofensas Infames Contra Gustavo Petro

A Colômbia ordenou, na quarta-feira 27, a Expulsão
de Diplomatas da Embaixada da Argentina em Bogotá.

A Medida se dá Após uma Série de Insultos do Extremista
de Direita, Javier Milei, Presidente da Argentina, que
chamou seu Contraparte Colombiano, Gustavo Petro,
de ‘assassino’ e ‘terrorista’.

“Neste Contexto, o Governo da Colômbia Ordena a Expulsão
de Diplomatas da Embaixada da Argentina na Colômbia”,
indicou o Ministério das Relações Exteriores Colombiano
em Comunicado.

Não é a primeira vez que o Ultraliberal NeoFascista Milei
dispara Ofensas Difamatórias contra Petro.

Em Janeiro Deste Ano, o Presidente Argentino Chamou
o Presidente Colombiano de ‘comunista assassino’.

Na época, o Governo Colombiano disse que as Palavras de Milei
“ignoram e violam os profundos laços de amizade, compreensão
e cooperação que historicamente uniram a Colômbia e a Argentina,
fortalecidos ao longo de dois séculos.”

“As expressões do presidente argentino deterioraram a confiança
da nossa nação, além de ofenderem a dignidade do presidente Petro,
que foi eleito democraticamente”, diz o Comunicado.

(CartaCapital & Vermelho.Org, com Informações da AFP).

https://www.cartacapital.com.br/mundo/colombia-expulsa-diplomatas-argentinos-apos-milei-chamar-petro-de-assassino-e-terrorista/
https://vermelho.org.br/2024/03/28/colombia-expulsa-embaixadores-argentinos-apos-xingamentos-de-milei/

.

Zé Maria

3. “Periculosidade Social Evidenciada pelo Risco de Reiteração Delitiva
e Fuga do Distrito da Culpa Constituem Fundamentos Idôneos para Decretação da Prisão Peventiva.”
[STJ. AgRg no HC n. 765.498/RJ , Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma,
DJe 20/3/2023).]

Adendo ao Comentário Abaixo (29/03/2024 – 15h33)

Zé Maria

.

1. Macron é um “Prestigitador Verbal”;

2. “Quem fala o que não deve
ouve o que não quer”;

3. “Fumus Comissi Delicti” & “Periculum Libertatis”.

Bozzonarek é um Criminoso em “Risco de Fuga” com
“Evidente Objetivo de se Furtar à Aplicação da Lei Penal”.
“Risco Presumido de Reiteração Amparado em Elementos Concretos.”
Deve, por Conseguinte, ser Preso Preventivamente.

E o Brasil deve Embarcar os Embaixadores da Hungria e de isRéu,
no Mesmo Ônibus, para Longe das Fronteiras Brasileiras.

O Fascismo de Extrema-Direita Mundial
Não é Benvindo Aqui em Nosso Território.

.

Luiz Mattos

Foi ingerência sim e Lula deveria saber que o inmigo é outro. Requião está certo!Lula mata a ideologia a muito tempo

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