Marcelo Zero: A geopolítica também afeta a “neutra” Suíça (Razões ocultas dos 39%)
Tempo de leitura: 3 min
Por Marcelo Zero*
Para os parvos que acham que basta um telefonema pessoal de Lula para Trump, seguido, é claro, de um humilhante ato de contrição, para que as coisas se resolvam, recomendo observarem o que aconteceu com a Suíça, país símbolo da neutralidade e do pacifismo.
País de bancos bastante liberais, chocolates deliciosos, relógios precisos e indústrias químicas de ponta. País insuspeito de alinhamentos geopolíticos contra os EUA e o Ocidente.
Após a decretação, por parte dos EUA, das tarifas de 39% para produtos suíços, a presidenta suíça Karin Keller-Sutter correu para Washington, sem ser convidada, para resolver a questão.
Recebida por Marco Rubio, que não decide nada sobre tarifas, foi esnobada por Trump, que se recusou a com ela se encontrar. Teve de voltar correndo com as mãos abanando.
Obviamente, não há justificativa nem qualquer razão compreensível para que a Suíça esteja sujeita a uma das tarifas mais altas do mundo. Especialmente quando comparadas à UE (15%) e ao Reino Unido (10%), as tarifas anunciadas são significativamente mais altas.
Isso coloca a Suíça em grave desvantagem competitiva, em relação aos países vizinhos. As novas tarifas americanas tornam as exportações suíças mais caras, enfraquecem a competitividade das empresas suíças e impactam negativamente o clima de investimento. Portanto, representam um ônus muito sério para as empresas exportadoras suíças.
Do ponto de vista econômico, a futura tarifa básica de 39% não se justifica. A Suíça não restringe a importação de produtos americanos – nem por meio de tarifas nem por outras barreiras comerciais. Além disso, a Suíça é o sexto maior investidor estrangeiro nos Estados Unidos, com empresas suíças responsáveis por cerca de 400.000 empregos nos EUA.
O déficit dos EUA com a Suíça não é excessivo. O superávit comercial da Suíça com os EUA foi de US$ 47,4 bilhões em 2024, mas se os setores de serviços forem incluídos, o que Trump convenientemente ignorou, esse número diminui para US$ 22 bilhões. Algo bem moderado.
A Suíça, muito comportada, bem que se esforçou para escapar do tarifaço brutal.
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Em maio, uma reunião facilitada pela Suíça entre os EUA e a China em Genebra, com o objetivo de evitar uma guerra comercial entre as duas superpotências econômicas, permitiu que a presidente suíça, Karin Keller-Sutter, se reunisse com o secretário de Comércio dos EUA, Scott Bessent.
Ela saiu sorrindo. Disseram-lhe, segundo ela, que a Suíça provavelmente seria a segunda na lista, depois do Reino Unido, a fechar um acordo comercial com Washington. 10%, ela insinuou, era a oferta tarifária tentadora, muito inferior aos 31% que Donald Trump havia revelado para a Suíça em seu “dia da libertação”, em abril.
Quebrou a cara. Não só não diminuiu para 10%, como aumentou para 39%.
Abanou o rabo e recebeu um belo pontapé.
A Suíça não tem muito o que fazer para reduzir o seu superávit com os EUA. A Suíça já havia eliminado unilateralmente todas as tarifas sobre produtos industriais a partir de janeiro de 2024, o que significa que mais de 99% dos produtos dos EUA entram na Suíça sem tarifas.
Embora rica, a Suíça tem uma população de apenas 9 milhões. Não tem como multiplicar, de uma hora para outra, o consumo de produtos importados.
O que os EUA querem, no fundo, é que empresas farmacêuticas suíças, como a Novartis e a Roche, montem fábricas nos EUA e façam acordos com as Big Pharma estadunidenses.
Também querem que a Suíça, sem necessidade, compre GLP estadunidense.
Embora a Suíça tenha apenas 43% da sua matriz energética dependente de combustíveis fósseis, ela ainda consume gás russo, o qual provém, indiretamente, de terceiros países, como Alemanha e Itália. A Suíça também compra urânio da Rússia, para abastecer suas usinas nucleares. Isso é vital, já que cerca de 40% da energia elétrica consumida na Suíça vêm de centrais nucleares.
Há também a suspeita, por parte dos EUA, de que a Suíça, com suas regras bancárias pouco transparentes, ainda esteja ajudando, disfarçadamente, Putin.
Em 2022, a “Comissão de Helsinque” [1] brutalmente declarou que:
Há muito conhecida como destino de criminosos de guerra e cleptocratas para esconder seus saques, a Suíça é uma das principais facilitadoras do ditador russo Vladimir Putin e seus comparsas. Após saquear a Rússia, Putin e seus oligarcas usam as leis de sigilo suíças para ocultar e proteger o produto de seus crimes.
Essas são as questões. Com Trump, quase sempre há uma motivação geopolítica para algo aparentemente irracional e injustificável. Algo que vai bem além dos déficits. Até a comportada e neutra Suíça sofre.
[1] Comissão de Segurança e Cooperação na Europa, também conhecida como Comissão de Helsinque dos EUA, é uma comissão bipartidária do governo americano que promove os direitos humanos, a segurança militar e a cooperação econômica em 57 países da Europa, Eurásia e América do Norte. A comissão é composta por membros do Senado, da Câmara dos Representantes e do ramo executivo do governo.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.




Comentários
Elson de Mendonça Ribeiro
Veja:https://www.lantidiplomatico.it/dettnews-dazi_e_tasse_sulloro_i_due_obiettivi_che_ha_in_mente_trump/11_62312/#google_vignette
9 de agosto de 2025, 11h00
*Tarifas e impostos sobre o ouro: os dois objetivos de Trump*
Por Alessandro Volpi*
Trump faz tudo. Com um único movimento, o presidente dos EUA pretende atingir dois objetivos, projetados para sustentar o capitalismo financeiro, mas com, mais uma vez, efeitos imprevisíveis.
Desde 7 de agosto, Trump impôs uma tarifa de 39% sobre produtos importados da Suíça para os EUA. Entre esses produtos, destaca-se o ouro em barras, que representa uma parcela significativa das exportações suíças, avaliadas em quase US$ 62 bilhões no último ano. Esse fluxo decorre do fato de o ouro de Londres passar pela Suíça, onde é refinado, antes de ser enviado para os Estados Unidos. O preço desse metal precioso já estava disparando devido às compras de ouro por bancos centrais e grandes bancos americanos — o JP Morgan acima de tudo — para se protegerem da desvalorização do dólar. Essa medida desencadeou uma especulação colossal por parte de grandes fundos por meio de futuros na bolsa Comex e ETFs. Nessas condições, a ação de Trump visa atingir o duplo objetivo de limitar essa corrida do ouro, que está enfraquecendo ainda mais o dólar e, simultaneamente, deslocar os compradores de ouro, que se tornou muito caro devido às tarifas, para criptomoedas lastreadas em dívida americana.
Portanto, no geral, para Trump, tributar o ouro significa levantar dinheiro por meio de tarifas, impedindo o enfraquecimento do dólar, favorecendo o franco suíço e aumentando a participação dos investimentos em criptomoedas lastreadas em dívida do governo americano — e em dólares americanos.
Enquanto isso, não é coincidência que o Genius Act permita que as criptomoedas sejam consideradas moedas de reserva pelo Fed. Assim, mais uma vez, o presidente dos EUA busca a estabilidade financeira dos Estados Unidos, em conflito aberto com o resto do mundo. Mas essa ação tem um efeito nada trivial. As tarifas de Trump sobre o ouro, como mencionado, ocorrem em um momento de crise nos EUA e, portanto, inevitavelmente causarão um novo aumento no preço especulativo do metal precioso.
Não é coincidência que os contratos futuros de ouro tenham ultrapassado US$ 3.500 a onça, enquanto o preço do contrato para entrega física imediata de ouro estagnou em US$ 3.400. Em outras palavras, a ação de Trump alimentou ainda mais a bolha especulativa do ouro, administrada pelas Três Grandes e alguns outros players, em um esforço para financiar ainda mais a economia americana. Mas, então, pode-se suspeitar seriamente que Trump e os “mestres do mundo” fecharam um acordo na tentativa de demonstrar que o capitalismo financeiro ainda é a única verdadeira galinha dos ovos de ouro. É claro que, com o ouro se aproximando de US$ 4.000 a onça, será difícil para o capital global desviar facilmente para outro lugar, tornando o rendimento do ouro ainda mais o único ativo passivamente lucrativo para os “ocidentais”.
*Postagem no Facebook de 9 de agosto de 2025