Marcelo Rubens Paiva: Quem mandou matar meu pai?

Tempo de leitura: 4 min

‘E quem era o comandante?’, questiona Marcelo Rubens Paiva

Filho de Rubens Paiva quer saber nome de responsável por ordenar assassinato do pai em 1971

07 de fevereiro de 2013 | 23h 00

Roldão Arruda, de O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO – O escritor Marcelo Rubens Paiva tinha 11 anos quando, no dia 20 de janeiro de 1971, seu pai, o deputado cassado Rubens Beirodt Paiva, foi arrancado de casa por militares ligados aos serviços de repressão política e levado ao DOI-Codi do Rio. Foi a última vez que ele, a mãe e suas quatro irmãs o viram. Nos anos seguintes, Marcelo, baseando-se em livros e depoimentos sobre desaparecidos políticos, reconstituiu passo a passo a história da morte do pai. O primeiro longo relato que fez sobre o episódio foi em 1982, no livro Feliz Ano Velho. Para ele, as revelações feitas nesta semana pela Comissão Nacional da Verdade, desmontando a versão oficial de que o deputado teria fugido depois de preso, não constituem nenhuma novidade: ele nunca duvidou de que o pai foi morto no DOI-Codi. A principal conquista do trabalho da Comissão, na avaliação dele, é a apresentação de documentos oficiais, com timbre do Exército, que comprovam o que já se sabia. Para Marcelo, que é colunista do Estado, falta agora descobrir onde está o corpo do pai e punir os responsáveis.

Como você recebeu as informações da Comissão da Verdade?

A novidade real apresentada pela comissão é a seguinte: finalmente documentos internos do Exército estão vindo a público, estão surgindo papéis timbrados provando o que já se sabia. Nós já sabíamos quando e como o meu pai foi preso – a família toda estava presente e testemunhou -, como foi torturado, como morreu. Sabemos há mais de quarenta anos que ele não saiu vivo do DOI-Codi do Rio. O médico Amilcar Lobo, que trabalhou para o DOI-Codi e viu meu pai sendo torturado e morto, já descreveu essa morte no livro A Hora do Lobo. A diferença é que até agora tudo era baseado em depoimentos de pessoas.

O que muda para você?

O que vai mudar é o que vem agora, o que não foi revelado: em qual dia foi morto? Para onde foi o corpo? Quem deu as ordens? Ele foi esquartejado? Quem levou o corpo? Quem matou vai ser chamado a depor? Já sabemos que um deles morreu e dois estão vivos. Só eles vão responder? Será que, como sempre acontece no Brasil, a corda vai estourar no lado da ralé?

Você acha que é preciso conhecer a cadeia de comando?

Sim. Quem sobreviveu são oficiaizinhos do Exército. Eles é que vão responder? Só quem bateu é responsável? Quem mandou? Quem era o comandante? Por que havia tortura? Por que existia o DOI-Codi? Por que meu pai foi preso? Por que o golpe de 1964? O que o empresariado americano queria com o golpe? E o empresariado brasileiro?

Pela Lei da Anistia de 1979, os responsáveis não podem ser punidos.

Eu discordo. Essa é uma lei antidemocrática, promulgada com o Congresso engessado pelo Pacote de Abril, com senadores biônicos. Na época não existia debate democrático, a imprensa estava sob censura, as passeatas e manifestações pela anistia eram reprimidas brutalmente pela polícia. A oposição brasileira estava metade morta e metade no exílio, os partidos de esquerda não podiam existir, os sindicatos não tinham liberdade. Como é que alguém pode dizer que a lei, promulgada nesse clima, é democrática? Outro paradoxo dessa história é que o Brasil é signatário da carta internacional que afirma que a tortura é crime contra a humanidade e, portanto, imprescritível. Como é que o País, sendo signatário da carta, considera a tortura prescritível?

A interpretação original da lei, garantindo anistia para os agentes públicos, foi referendada pelo STF.

O debate no Supremo é político, não jurídico. Parte da sociedade não quer rever o seu passado, não quer julgar os abusos de poder. A decisão do Supremo foi vergonhosa, um vexame perante a Organização dos Estados Americanos, a Anistia Internacional e outros organismos.

Para o STF a lei resultou de um acordo político, que permitiu a volta dos exilados e a pacificação do País.

Não é verdade. Tanto que, passados mais de quarenta anos após a morte do meu pai, você está falando comigo sobre isso. A ferida está muito aberta, muito exposta. Minha família não aguenta mais ficar falando, a cada ano tenho que dar pelo menos dez entrevistas sobre esse caso, que é um entre muitos, talvez o mais notório. E o resto?

O que deve ser feito agora?

Vamos ouvir os depoimentos das testemunhas. Já houve um inquérito policial militar sobre o caso, que está descrito no livro Segredo de Estado, de Jason Tércio, lançado em 2011. Ele diz que os torturadores do meu pai foram chamados e que eles negaram. Pode ser que neguem de novo. Para mim ainda falta o documento essencial: aonde foi o corpo do meu pai? Quem mandou esquartejar? Foi jogado no mar? Enterrado na Barra da Tijuca? Que dia saiu a viatura com o corpo de dentro do DOI-Codi? Outra coisa: minha mãe ficou presa nesse mesmo DOI-Codi e nesse mesmo período durante treze dias. Cadê o documento sobre a prisão dela? Por que ficou presa?

Leia também:

Joana Salém Vasconcelos: O escravismo no Brasil “moderno”


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

ANTONIO ASSIS PINHEIRO

Em relação à Lei da Anistia há duas alternativas: Revogá-la ou interpretá-la de acordo com a Constituição Federal e o Direito
Internacional, permitindo a punição dos torturadores e assassinos
da Ditadura de 1964. Foi vergonhosa a decisão do STF estendendo
a Lei da Anistia aos crimes comuns praticados por agentes do Estado
contra opositores do Regime Militar. Os Ministros Ayres Brito e
Ricardo Lewandovski foram as honrosas exceções que votaram no sentido
de que o diploma legislativo não beneficiava os criminosos comuns.

abolicionista

O Brasil não consegue dizer a verdade sobre a ditadura militar porque ainda vivemos o prolongamento da ditadura, um país vergonhosamente desigual, sem liberdade de informação, sem democracia efetiva, um estado militarizado, sessões diárias de tortura, uma cultura marcada pela violência, um baronato midiático colaboracionista, uma massa de pobres e excluídos oprimida e alijada da cidadania, uma elite fora-da-lei e submissa aos interesses do capital internacional.

Enfim, se fosse preciso responder sobre o que sobrou da ditadura no Brasil, eu me sentiria tentado a responder:

Tudo, menos a ditadura.

NilvaSader

O Brasil precisa de retirar esta nódoa da sua história. Todos os crimes perpretados pela Ditadura devem ser punidos e só assim poderemos contar a verdadeira história do país.

Sylvia Tigre de H.Cavalcanti

Você tem toda razão,Marcelo.É como d.Elzita Santa Cruz( mãe de seu xará e
vereador em Olinda,pelo PT,Marcelo Santa Cruz),que aos 99 anos ainda não
sabe que fim levaram os restos mortais de seu filho Fernando,sequestrado,
torturado e morto em 1974,junto com outro pernambucano,Eduardo Collier Fº

Thomaz

O que está escrito nos documentos agora descobertos, timbrados como menciona o filho do assassinado? Os textos vão ficar sob segredo de justiça? A Comissão da Verdade não vai publicá-los? Não virão à tona?

lauro c. l. oliveira

O episódio da detenção, tortura, morte e ocultação do cadaver de Rubens Paiva é um crime continuado por mais de 40 anos que está sendo cometido pelo EXÉRCITO BRASILEIRO. Está faltando bom senso às autoridades desta instituição para dar um fim neste crime com a elucidação de todo ocorrido e responsabilização dos envolvidos.

perly cipriano

Marcelo Paiva,parbens entrevista, que é profunda e é inquestionavel que suas perguntas são as perguntas que todas as pessoas que lutaram e lutam por democracia e liberdade estão fazendo e das respostas que obtiver saberemos o quanto teremos avançado na busca da verdade e na construção da versão da historia que deixaremos para todas as gerações.
Acompanho sua heroica luta e a luta da sua mãe para que nosso Paìs possa andar de cabeça erguida pelo mundo afora, e isto só sera possivel quando tivermos completado a longa e necessaria caminhada para elucidar todas a violações de direitos humanos e que os violadores sejam executores diretos ou mandantes sejam denunciados e respondam pelos seus crimes.
Fui preso politico, fui torturado e cumpri dez anos de condenação, estava presos no Presidio da Frei Caneca no RJ e no trigesimo terceiro dia de uma greve de fome quando foi votada a Lei da Anistia,embora a Leitena sida sancionada em agosto de 1979, fui posto em liberdade em
dezembro de 1979, por meio de liberdade condicional, portanto mesmo em liberdae continuei cumprindo condenção, juntamente com outros presos politicos.Sua luta é a luta do povo brasileiro.
perly Cipriano

Hélio Pereira

A morte do Dep Rubens Paiva é uma mancha que tem de ser apagada,pois pode no Futuro incentivar outros Golpistas a agirem do mesmo modo com a certeza que poderão ficar impunes!
A unica maneira de limpar esta mancha é punindo os responsáveis por este e por outros casos de Torturas,praticados por quem deveria respeitar a constituição!
A Lei da Anistia foi imposta por quem tinha as armas nas mãos e foi aceita por Politicos COVARDES que almejavam chegar ao poder e não queriam ter contra eles as Forças Armadas,comandadas por quem na época não vacilava em passar por cima da constituição.
Acho ruim para o Brasil que tenhamos no STF,Juizes que vivem fazendo Politica,mas não tem coragem de mandar investigar e punir aqueles que deram o Golpe de 64 e impuseram uma Lei de Anistia pela Força das Armas,uma Lei que foi feita para que seus crimes ficassem impunes!

Ramalho

Esta é a pergunta: “quem mandou matar meu pai?” Nestes tempos de “teoria do domínio do fato”, mais importante ainda se torna a pergunta. Dos mandantes, os principais criminosos, ainda não se chegou perto. Mas não deveria ser assim: em instituições regidas fortemente pela hieraquia como são as forças armadas prisões, torturas e assassinatos não acontecem sem que deles o comando tenha conhecimento, e, mais, sem que tenha ordenado, pois os crimes, ao invés de serem apurados e punidos, foram acobertados.

Deixe seu comentário

Leia também