Guerra das Malvinas, 30 anos depois

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do Opera Mundi

Nesta segunda-feira (02/04), o conflito entre Argentina e Reino Unido pela soberania das ilhas completa 30 anos, em meio à escalada retórica dos últimos meses, que agora opõe a presidente Cristina Kirchner e o primeiro-ministro David Cameron. Os motivos são semelhantes aos que culminaram com o confronto militar de 1982: orgulho, soberania, nacionalismo e interesses políticos.e

Há algumas décadas, somente um punhado de ingleses sabia onde ficava este pequeno arquipélago do Atlântico Sul, ocupado pela coroa britânica em 1833, após a expulsão dos espanhóis que colonizavam as ilhas. Logo após a vitória na guerra contra a Argentina pela soberania do território em 1982, as Malvinas (ou Falklands) passaram a fazer parte do singular imaginário político do Reino Unido.

Com cacife incrementado, o alvo de disputa de apenas 12 mil quilômetros quadrados tornou-se cartada de um jogo que, ainda hoje, envolve blefes, bacias inexploradas com suposto potencial petrolífero e discursos com ranço colonialista. A pauta, concordam analistas britânicos e argentinos, é uma solução diplomática que obrigatoriamente passa pela soberania dos seus 2,5 mil habitantes.

No final das contas, são eles que decidem: Malvinas ou Falklands? As recentes manifestações dos “kelpers”, como são chamados na Argentina, indicam que a segunda opção continua fortíssima. O jornal local, Penguin News, crítico à presidente argentina Cristina Kirchner, chegou a classificá-la de “bitch” em seu site, o que foi rapidamente retirado do ar.

Para o Reino Unido, o preço para manter as ilhas como território ultramarino é alto e a crise econômica bate à porta. A “era da austeridade” implantada pelo primeiro-ministro David Cameron, conservador como sua predecessora no cargo durante a guerra, Margaret Thatcher (1979-1990), aumentou impostos e cortou gastos, expondo uma fraqueza no poderio britânico e dando margem a especulações. Com um grande porém: negociar as Malvinas envolve questionar a validade de uma campanha que deixou 255 mortos e, conseqüência disso, rancor em centenas de famílias britânicas.

Orgulho e conveniência

“As Falklands, em grande medida, não tinham qualquer valor antes da guerra. Depois dela, bilhões de libras esterlinas foram gastas em sua defesa. Hoje, o governo britânico não tem escolha, a não ser continuar defendendo as ilhas. Não é politicamente aceitável devolvê-las porque, em primeiro lugar, foram o cenário de um guerra recente, e também pelo dinheiro que já foi gasto em mantê-las”, afirmou ao Opera Mundi o pesquisador Benjamin Jones, do departamento de Defesa da King’s College, em Londres.

O sentimento é bastante diferente da dubiedade do período pré-guerra, quando as ilhas eram tratadas como relíquias de um império em decadência. A vontade dos moradores, durante a década de 1970, não estava na mesa. Defender as Malvinas, a 14 mil quilômetros de distância, era uma tarefa considerada impossível pelos britânicos, que assistiam a uma crise sem precedentes em seu próprio território no início dos anos 1980, com níveis de desemprego acima da casa dos três milhões.

As Malvinas contavam em 1982 com uma guarnição insignificante, muito diferente do que se vê hoje. A população é de 2.500; hoje os militares são outros 1.700. Antes da guerra os custos eram ínfimos, na década de 1980 passaram das 4 bilhões de libras esterlinas (cerca de R$ 11 bilhões).

Em uma entrevista ao jornal La Nación em 2006, Carlos Ortiz de Rozas, ex-embaixador argentino no Reino Unido durante a guerra pelas ilhas e ex-presidente da Assembleia Geral da ONU, conta que antes do golpe de Estado que deu início à ditadura militar argentina (1976-1983), Buenos Aires e Londres estavam “muito perto” de chegar a uma solução diplomática para o conflito.

Segundo ele, em 1971, o governo de Juan Domingo Perón assinou um “acordo de comunicações” que previa a permissão para que os habitantes das ilhas estudassem em colégios ingleses na Argentina e que a YPF (Yacimentos Petroliferos Estatales), então estatal, se estabelecesse nas ilhas.

Três anos depois, a embaixada britânica em Buenos Aires propôs a Perón um convênio –aprovado pelos conselhos legislativo e executivo das ilhas – que daria dupla nacionalidade aos habitantes das Malvinas, que teriam governadores nomeados alternadamente pelo Reino Unido e pela Argentina. Perón aceitou, mas morreu duas semanas depois e o documento não chegou a ser assinado.

Sua esposa e sucessora, María Estela Martínez de Perón, conhecida popularmente como “Isabelita”, acreditava não ter força política para convencer a opinião pública dos benefícios da “soberania divida”. O confronto armado levado a cabo em 1982 pela ditadura – iniciada após o golpe que derrocou Isabelita em 1976 – arruinou as possibilidades de acordo. Para Ortiz de Rozas, a guerra foi uma decisão política “equivocada e dramática” que “atrasou o relógio da história por muitíssimo tempo”.

Desde então, a soberania britânica continua uma questão “emotiva”, acima da econômica. A administração das ilhas é deficitária. A economia gira em torno de um parco turismo e pesca de lula. A maior parte dos empregos é gerada pelo governo britânico. A exploração de petróleo nas bacias do Atlântico Sul trariam um alto custo, com o qual o Reino Unido já afirmou que não arcará sozinho.

“O governo britânico adoraria reduzir os gastos com a guarnição, por exemplo. Mas não há resolução do problema de soberania enquanto os moradores das ilhas queiram permanecer submetidos ao Reino Unido. Para a atual administração britânica, a autodeterminação da população das Falklands é ponto-chave, enquanto para os argentinos trata-se de uma área física, que poderia ser parte de seu território”, apontou Jones. “Eu não vejo solução”.

Tensão crescente

A disputa pela soberania das ilhas ganhou novos capítulos com a proximidade do aniversário da guerra. Durante seu discurso na 66ª Assembléia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em setembro do ano passado, a argentina Cristina Kirchner afirmou que os recursos naturais pesqueiros e petroleiros das Malvinas são “subtraídos e apropriados ilegalmente por quem não tem nenhum direito”.

A presidente peronista acusou o governo britânico de ignorar resoluções da Assembleia da ONU e da OEA (Organização dos Estados Americanos) de que a soberania das ilhas deveria ser dialogada: “Diversos fóruns (…) do mundo inteiro reclamam através de resoluções e declarações o tratamento desta questão e o Reino Unido se nega sistematicamente a cumpri-lo e obviamente utilizado sua condição de membro do Conselho de Segurança com direito a veto para isso”, alegou.

Cristina Kirchner chegou a ameaçar a permanência da permissão dos voos que partem do Chile em direção às ilhas sobrevoando o território argentino. Também afirmou que “não é necessário ressaltar que ninguém pode alegar domínio territorial a mais de 14.000 km de ultramar”, queixando-se das “verdadeiras provocações, ensaios de mísseis em maio e julho” do ano passado.

O agravante da troca de faíscas foi a acusação feita pelo primeiro-ministro britânico de “colonialismo” argentino pela insistência em reivindicar as Malvinas, informando que convocou o Conselho Nacional de Segurança de seu país para abordar a situação nas ilhas. O aumento do tom se deveu ao apoio recebido pela Argentina de países do Mercosul, da Unasul e da Celac, que concordaram em bloquear a passagem de embarcações que ostentem a bandeira ‘ilegal’ das Malvinas por seus portos.

Em fevereiro, o envio de um navio de guerra do Reino Unido à região, quase ao mesmo tempo em que o príncipe William, herdeiro da coroa britânica, chegou às ilhas para a realização de exercícios militares como piloto de caça, foi classificado de “irresponsável” pela presidente argentina, que pediu a Cameron que desse, “pela primeira vez, uma chance à paz e não à guerra”.

Dias depois, a diplomacia argentina denunciou a militarização do Atlântico Sul às Nações Unidas, argumentando que a Grã-Bretanha não cumpre com o tratado de Tlatelolco, que proíbe armas nucleares na América Latina, devido ao envio de um submarino nuclear à região em disputa.

“O Atlântico Sul é, talvez, o último refúgio de um império em decadência. É o último oceano que controlam”, disse, na ocasião, o chanceler argentino Héctor Timerman, denunciando que a capacidade militar britânica nas Malvinas tem alcance para atingir todo o território argentino e uruguaio, a metade do chileno e o sul brasileiro.

Visão alternativa

Como reação ao aumento das tensões, um grupo de intelectuais, jornalistas e políticos argentinos – entre os quais se encontram a socióloga Beatriz Sarlo e o jornalista fundador do Página 12 – , assinaram uma carta aberta, há um mês e meio, em que propõe uma “visão alternativa” para resolver o conflito.

“A afirmação obsessiva do princípio ‘As Malvinas são argentinas’ e a ignorância ou desprezo do avassalamento que este supõe debilitam a reivindicação justa e pacífica de retirada do Reino Unido e sua base militar, e fazem impossível avançar em uma gestão dos recursos naturais negociada entre argentinos e habitantes das ilhas”, escreveram, propondo não a incursão ao patriotismo, mas sim o abandono da “causa Malvinas” para “elaborar uma visão alternativa que supere o conflito e contribua para sua resolução pacífica”.

Um dos autores, Vicente Palermo, pesquisador principal do Conicet (Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas) e membro do Clube Político Argentino, acredita que a estratégia diplomática de chegar à ação conjunta regional para impedir a passagem de barcos às Malvinas é “um erro”. “Governos como Chile, Uruguai e Brasil estão reticentes em relação a esta medida, que poderia implicar em custos econômicos e políticos. Esta não seria a melhor solução para desmilitarizar a região”, explicou ao Opera Mundi.

Para o pesquisador, a resistência dos habitantes das ilhas aos avances argentinos é compreensível e a saída para neutralizar o conflito seria uma redefinição global da questão, “uma mudança de 180º”. “A alternativa supõe a oferta de uma cooperação multidimensional que deixe de lado a soberania e inclua os recursos econômicos, energéticos, pesca, turismo, preservação do meio ambiente”, disse.

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Comentários

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Adriano

Os ingleses um ano antes da guerra ofereceram o controle das ilhas para os argentinos, que como ja estavam pensando em invandi-las com o objetivo que todos nós já conhecemos, distrair a atenção do povo dos problemas internos deles, recusaram a proposta. Aí cometeram vários erros cruciais, como o fato de não terem ampliado o aeroporto de Port Stanley adequando-o ao pouso de aviões capazes de abastecer as tropas argentinas na ilha, o completo desentrosamento da Força Aérea deles com a Marinha, o que prejudicou a preparação eficiente dos mísseis disparados contra os ingleses pelos aviões e a falta ou insuficiência de equipamentos necessários ao bom rendimentos dos nossos hermanos. O despreparo de vários dos recrutas argentinos e a sacanagem que os franceses fizeram com os mísseis Exocet, que eram uma ameaça real aos ingleses e tiveram seus códigos-fonte todos repassados pra os ingleses, de modo a neutralizar eles, completam os motivos da derrota dos argentinos, que hoje praticamente não possuem mais Forças Armadas.

margou

Se todos os paises da ameria latina e os que falam espanhaol da america central fizessem bloqueio aos navios e avioes ingleses, não precisava guerra, Os latinos tem que se unirem, isolar os EUA e Europa, nos não precisamos mas de nada deles, eles são uns malditos e falidos. Agora podemos dar as cartas, só não damos se os governantes forem idiotas

leo

Devemos nos armar isso sim, nossas forças armadas estão tambem sem nenhum material que preste, os militares argentinos deram a maior BURRADA da Historia das guerras. Mas nos mostrou que na hora do pau é cada um por si, por isso devemos desenvolver nossas armas de Defesa.

Alexandre Felix

Ver um inglês acusar alguém de colonialismo é o fim do mundo!

beattrice

Com a crise avassaladora na Europa e Londres desesperada para não ficar de joelhos diante de de Fraulein Merkel, quem precisa de uma "distração externa" hoje é a Inglaterra.
CFK como sempre correta segue defendendo o direito argentino às Malvinas pacificamente, o bloqueio será progressivo e eficiente.

Jorge Nunes

A Argentina não tem hoje nem de longe a capacidade militar que tinha em 1982. E mesmo assim o principal caça argentino era o A-4 que estava no fim da vida na época. E hoje os Argentinos ainda usam os mesmos A-4 com alguma recauchutagem. Ou seja não são pários para os novos caças ingleses nas Malvinas.

A Marinha argentina não evoluiu em nada é a mesma coisa e menor.

Os submarinos argentinos são os mesmos. Embora a única embarcação argentina a está em combate durante fosse um submarino, a Argentina não ampliou a força de submarinos e e sim reduziu.

Ou seja na minha opinião depois de ficar assistindo documentários no youtube é que a Argentina não vai fazer nada, pois, teria que modernizar suas forças e arrumar um porta-aviões (e ir as compras de novos aviões) mas não tem dinheiro para isso.

[youtube MfoH45QsWdw http://www.youtube.com/watch?v=MfoH45QsWdw youtube]

Richard

Além de colaborar para desmoronar a ditadura militar argentina a Guerra das Malvinas foi também importante para quebrar a unidade do regime vizinho com o brasileiro. Os milicos de lá no fundo esperavam uma ação conjunta das ditaduras latino americanas à sua ação suicida. A solidariedade não existiu. Os gorilas brasileiros, por exemplo, se declaram neutros. De fato, prevaleceu junto aos vizinhos o temor de ferir suscetibilidades com quem de fato sustentava esses trogloditas (EUA e europeus).

lulipe

Se a Argentina fizer graça de novo, os ingleses transformarão Buenos Aires num surbúbio de Londres…

Marat

Pena que as bombas não explodiram no navio Canberra! Pena que os exocets não atingiram o Hermes e o Invencible… mas, deixe estar, um dia os cães ocidentais ficarão pobres e ai as represálias serão devastadoras!

Gerson Carneiro

Recentemente vi um debate no Jornal da Cultura com a professora tucana de direito internacional da USP , Maristela Basso, (como a TV Cultura adora levar "intelectuais" tucanos da USP em seus programa!), e ela sugeria que a Argentina comprasse as Malvinas dos ingleses.

Tenho uma ideia melhor: sugiro que a Inglaterra devolva as Malvinas para a Argentina e invada a Ilha de CARAS.
Pelo menos o príncipe playboy Harry terá espaço para jogar polo, fumar maconha e namorar.

    Gerson Carneiro

    Aliás, recentemente o príncipe playboy esteve no Brasil. E o que se viu da imprensa foi um excesso de paparicação. Ninguém, ninguém lembrou o assassinato do nosso compatriota Jean Charles. Um questionamentozinho sequer. Muito pelo contrário, a imprensa se deleitou com a visita do príncipe playboy.

    Nessa ocasião fiquei imaginando: teria ele ousadia o bastante para fazer uma visitinha, tipo bate e volta, a Buenos Aires? Queria vê-lo na arquibancada assistindo a um jogo do Boca.

@wpalha

Brasil, sai dessa! A Argentina quer atrair a atenção para si. Para que mexer no que já está resolvido há 30 anos? Para quê?

Gerson Carneiro

Eu era garoto e ficava hipnotizado com as imagens exibidas pelo JN e narração do Sérgio Chapelin.

Adorava repetir na escola palavras como "mísseis tomahawk". Impressionava os colegas de classe.

Além disse, a Guerra das Malvinas acendeu a esperança de termos uma televisão em casa. Painho não permitia ter televisão em casa porque segundo ele as novelas só ensinavam o que não prestava. Com o burburinho da guerra das Malvinas ele se animou para comprar uma. Mas tal qual a Argentina, a animação de painho foi só fogo de palha.

[youtube aFWiXCj-MJo&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=aFWiXCj-MJo&feature=related youtube]

Detalhe: assistia na casa dos vizinhos, em tv colorado ou telefunken, preto e branco, com aquela tela de plástico colorido em frente.

    eujasabia

    A guerra acabou faz tempo… mas as novelas continuam ensinando o que não presta. Certo estava seu Painho…

    Valdeci Elias

    Acho que voce se enganou com o missel. O missel que fez sucesso na guerra das Malvinas foi o françês Exocet . Acho que o tomahawk foi na guerra do Iraque.

    Gerson Carneiro

    Verdade, depois que eu postei percebi o engano. Valeu pela correção.

    Cinco anos depois o Fausto Fawcett gravou a música Kátia Flávia em cuja letra há referência a esse míssel.

    JNascimento

    Exocet,aqueles que os franceses mudaram os códigos para deixar o vexame por conta dos Argentinos.
    Nenhum acertou o alvo!

renato

O SENHOR DAS ARMAS , já está rondando a America do Sul, vai come-la pelos pés.
Eu acho que guerra traz lucros para alguém e não vai ser para a Argentina. Agora eles vão cutucar o nosso país,antes era governo militar aqui,não?
Afinal o príncipe já veio nos visitar, e mandar o recado para nossa elite.
Usar base do Paraguai para abastecer aviões de caça.
Irã não deve se envolver se não deixa sua retaguarda desprotegida.
Agora o Chaves este sim……
Nossa Senhora, estou escutando muita reportagem……….deslizei na maionese.

pperez

Se quando so tinha vento e gelo lá os ingleses deram meia volta no mundo para bombardear os argentinos, imagina agora que tem petroleo!

    Valdeci Elias

    E as Malvina tambem servem de base de apoio, para ações no pré-sal brasileiro.

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