O jornalista português Miguel Urbano Rodrigues, editor do ODiario, publicou o artigo O que a mídia esconde sobre a Líbia, que o Viomundo reproduziu.
Ricardo Musse, professor de Sociologia da USP, respondeu neste texto divulgado pelo Viomundo: Por que a velha esquerda se ilude com Kadafi?
Valter Pomar, como leitor, postou vários comentários no texto de Ricardo Musse. Como enriquecem o debate político, reproduzimos abaixo. Pomar é dirigente nacional do PT.
Prezado Musse,
Li com atenção o seu texto e gostaria de fazer os seguintes comentários:
1) a expressão velha esquerda não me parece nem um pouco adequada. Aliás, o que seria a velha esquerda? Se o critério for geracional, então temos um problema, pois há velhos social-democratas que dizem preferir uma democracia fraca, à um Estado forte. Ou será que por velha esquerda você se refere aos comunistas e similares? Mas por qual motivo esta esquerda seria velha??? E outras esquerdas (a social-democrata, por exemplo) não mereceriam este apelido por qual motivo???
2) nem acho que se trate de ilusão. Há um cálculo político nos (poucos) que apóiam Kadafi, semelhante ao que levou a Internacional Socialista a incluir, entre seus quadros, o partido do ditador tunisiano e também o partido de Mubarak.
3) eu acho que seria mais adequado você dizer, muito simplesmente, que existe uma parte da esquerda que tem uma visão pragmática acerca do regime político que vigora noutros países. Esta parte da esquerda (social-democrata, comunista ou de outras famílias), gostando ou não da democracia dentro de casa, comporta-se de maneira pragmática frente ao regime político que existe nos demais países.
4) pessoalmente, acho que certo pragmatismo é inevitável, salvo se quisermos exportar e impor nossos modelos políticos. O que não é aceitável, na minha opinião, é fazer do vício virtude; tratar e qualificar como revolucionário, socialista, democrático ou o que seja, o que no máximo pode ser antiimperialista ou, no mais das vezes, um aliado pontual.
5) eu acho que devemos defender a mais ampla democracia. E por isto mesmo sou contra defender a democracia burguesa. A democracia burguesa realmente existente é a que temos em grande parte do mundo, uma democracia mediada pelo dinheiro, restrita a alguns aspectos da vida (na fábrica, no local de trabalho, em casa, não), na qual a cidadania política aparece atomizada em indíviduos (na urna, todos temos um voto, mas fora dela…). Por isto, se é que entendi o que você quis dizer, acho que erra quando mistura a justa defesa das lutas populares contra ditaduras, com a defesa das regras da democracia burguesa.
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6) eu acho que existe muita gente de esquerda, que adota parâmetros ultrapassados. Alguns deles são comunistas, outros são social-democratas, outros pertencem a variadas famílias. E também tem muita gente que se acha parte da nova esquerda, que não consegue acompanhar o que se passa no mundo. Na boa, neste quesito (compreender o que está acontecendo), a maioria da esquerda ainda está correndo atrás dos acontecimentos.
7) sinceramente, nosso problema maior não são os esquerdistas saudosos da ultrapassada tática de confrontação militar com as forças pró-imperialistas. Na minha opinião, nosso problema é a atualíssima tática da direita mundial, que implica em militarizar os conflitos (lutas sociais, lutas nacionais, lutas religiosas, segurança, narcotráfico, tudo vira pretexto para guerra). Frente a esta tática, a esquerda (não importa se velha ou nova, seja lá o que for isto) é obrigada a defender a paz. E, ao fazê-lo, pode ser acusada de estar de um lado contra outro. Por exemplo: eu sou totalmente contra qualquer intervenção militar na Líbia. Por isto posso ser acusado de apoiar Kadafi???
8) registre-se que, ao contrário do que você diz, a guerrilha cubana não teve apoio da URSS. Você está certo ao dizer que o ambiente existente entre 1945 e 1989 tornava possível a vitória militar da esquerda, em alguns casos e países. Mas o apoio logístico ou político direto da URSS ou de outros países foi muitas vezes fator secundário.
Um abraço,
Valter Pomar




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