Julian Rodrigues: Lutar contra o golpe e mudar, tudo ao mesmo tempo

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Mudar a estratégia e resistir ao golpe: tudo ao mesmo tempo agora

Julian Rodrigues, especial para o Viomundo

O golpe está em curso. A probabilidade de o Senado ou o STF reverterem o processo é baixíssima. E mesmo que tenhamos sucesso a ofensiva continuará.

Sem chororô: é preciso reconhecer que sofremos uma derrota substantiva. Um eventual governo Temer, o qual não reconheceremos, trará retrocessos imensos.

São dois pilares programáticos: de um lado, uma política econômica neoliberal, privatista, de arrocho, cortes de direitos trabalhistas e sociais. De outro, um ataque às liberdades individuais, à laicidade do Estado, aos direitos humanos, aos direitos das mulheres, jovens, negros, LGBT.

Os setores democráticos, de esquerda, progressistas não sairão das ruas. Esse grande bloco de artistas, intelectuais, jovens, movimentos sociais, partidos continuará mobilizado em luta contra as medidas regressivas que serão implementadas pelo ilegítimo governo Cunha/Temer/Bolsonaro/Globo.

Novo período

Vivemos um novo momento histórico. A burguesia brasileira e seus parceiros internacionais romperam, mais uma vez, com a institucionalidade democrática-liberal. Nossa restrita democracia foi descartada. Nada será como antes.

As elites brasileiras retomaram sua tradicional veia golpista e reacionária. Não aceitam nem um reformismo moderado, não querem saber de nenhum tipo de conciliação de classes. Por um curto período histórico, por razões conjunturais, conviveram com a esquerda no governo. Mas, no primeiro sinal de crise, radicalizaram: “PT não! Esquerda, nem pensar! Chega de Lula, de preto na universidade, de pobre querendo direitos! As coisas precisam voltar ao seu devido lugar”.

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Ora, mas se a direita age como sempre agiu, é preciso reconhecer que a derrota que nos impuseram só foi possível porque o governo Dilma, Lula e a maioria do PT erraram feio, erraram rude.

Não perceberam que a estratégia de conciliação e concessões ao mercado estava esgotada.

Ganhamos a eleição pela esquerda, e, antes mesmo da posse, guinamos para uma política de ajuste fiscal, corte de direitos, arrocho. Isso foi imediatamente percebido pela grande massa que deu um voto de confiança em nosso projeto. Os índices de Dilma caíram imediatamente.

Mesmo assim, o governo não mudou. Insistiu em ceder aos inimigos e atacar sua base social. Alimentou os conspiradores, que estavam dentro do próprio governo. Lembram que Temer era articulador político de Dilma? Governo deixou correr solto o golpismo, cheio de ilusões “republicanas”. Embriagado com a esperança de que fazendo concessões ao grande capital poderia sobreviver.

Polícia Federal e Ministério Público construíram o golpe debaixo de nossos narizes, enquanto o Ministério da Justiça se orgulhava de ser “republicano” – uma bobagem liberal. A Globo e toda imprensa golpista envenenaram o país diariamente, rindo na nossa cara, recebendo grandes verbas publicitárias estatais.

Isso para não mencionar as ilusões com PMDB, PSD, PR, PP esses fisiológicos desqualificados, que fingiram apoiar o governo enquanto se locupletavam.

Por exemplo: em fevereiro o golpismo já avançava despudoradamente. E a direção petista usou o horário eleitoral do partido para pedir “união”, sugerindo que as bandeiras azuis e vermelhas deveriam ser abaixadas. Pareciam viver em outro país.

Eu te disse, eu te disse

Seria fácil citar aqui dezenas de erros crassos cometidos nesses últimos anos, que abriram o flanco para a ofensiva reacionária. Mas, não é o caso. De nada adianta.

O ponto aqui não é apontar o dedo e adotar uma postura superior, como quem tripudia e diz: “eu avisei, eu te disse”. Fazer piada ou pisotear – com ar blasé – sobre a tragédia pode fazer bem para o ego e a consciência de alguns, mas não ajuda em nada na resistência e na reconfiguração do campo democrático-popular-socialista.

Estamos todas no mesmo barco. Moderados ou radicais, lulistas ou socialistas, revolucionários ou reformistas, petistas ou psolistas, comunistas ou social-liberais.

A reorganização e a mudança da estratégia da maioria da esquerda é um imperativo histórico.

Entretanto, a luta de classes não vai parar aguardando resoluções dos congressos dos nossos partidos e organizações. Não haverá nenhum intervalo para militância fazer balanço, lamber feridas, refletir sobre os últimos vinte anos.

Muitos têm dito: não é hora de balanços, é momento de unidade e confronto. É verdade. Não é hora de balanços estéreis e acusatórios, não é momento para sectários “ajustes de contas”.

Mas também não dá para fingir que nada aconteceu. Sem analisar os acertos e erros do último período, sem fazer autocrítica, sem reconhecer os limites da estratégia de reformismo moderado, de alianças com a centro-direita, de subestimação da mobilização social não será possível renovar o PT, não será possível reconectar a maioria da esquerda com a juventude, as mulheres, os trabalhadores, o povo oprimido.

Vamos ter que mudar lutando. Lutar nos transformando.

Vamos lutar nas ruas e, ao mesmo tempo, refletir, reinventar. Boa parte da esquerda se acomodou, perdeu o ímpeto, se burocratizou, esqueceu de que lado samba, adotou punhos de renda. Essa era acabou, gente!

A Frente Brasil Popular é um espaço central. Em poucos meses se tornou, de fato, o centro político dirigente da esquerda, dos progressistas, uma referência para artistas, intelectuais, jovens. Em parceria com a Frente Povo Sem Medo lidera o movimento democrático.

A mudança da estratégia, portanto, já está em curso – na prática.

Nesse novo período vamos precisar de mais organicidade, mais formação política, mais combatividade, mais espírito de luta, mais mobilização social, mais disputa ideológica.

E nenhuma ilusão com a institucionalidade burguesa, nenhuma ilusão com a possibilidade de acordos com o lado de lá. Nenhum “republicanismo”. Voltar a entender que o Estado é um instrumento de dominação burguesa. E que nossa presença nessa institucionalidade só faz sentido se for para questioná-la, por dentro.

Uma nova estratégia. Uma esquerda renovada, combativa, radical, libertária, feminista, anti-racista, ousada. Somente assim estaremos a altura do novo período histórico.

Julian Rodrigues, ativista LGBT e de Direitos Humanos, é militante do PT-SP.

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