Jorge Maia: Com crise profunda na economia, a metamorfose da política em “questão militar”

Tempo de leitura: 6 min
Alex Pazuello/Semcom

O Que Vem Depois De Bolsonaro?

Por Jorge Maia, na Crítica da Economia

Há um fato muito importante para uma análise criteriosa da atual situação política brasileira.

Talvez o mais importante: a economia nacional está falida. Definitivamente.

A situação atual é diferente de poucos meses atrás. Mais do que diferente.

Mudou de qualidade. Acelerou-se.

Comparando-se, por exemplo, com a situação de outubro de 2019, quando, junto com outros atentos economistas, se podia observar que a situação da economia era cronicamente inviável.

A conclusão foi muito importante: nem os bons remédios de política econômica do passado poderiam salvar a economia do desastre que se avizinhava.

A roda material da História nunca gira para trás. Nem como farsa.

Quando a economia e a política são relacionadas inteligentemente ao processo real tanto uma quanto a outra ficam mais fáceis de ser diagnosticadas.

Como no começo de dezembro passado, quando esta lição foi surpreendentemente aplicada por uma senhora [senadora Simone Tebet, MDB-MT] acima de qualquer suspeita que sentenciou brilhantemente:

“Se a economia não reagir até o ano que vem, se nós continuarmos com esse PIB pífio e não voltarmos a gerar emprego e renda, se continuamos tendo esses números vergonhosos de desemprego, se voltarmos a ver pessoas voltando para as ruas porque não têm um teto para morar, esse governo não consegue se sustentar”.

Merece ser recompensada.

Agora, enquanto presidenta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, será responsável pela tramitação do impeachment, renúncia ou coisa parecida, do mais odiado presidente da república de todos os tempos.

Supondo-se que, antes, o Congresso e sua digníssima CCJ não sejam abruptamente fechados pela força das circunstâncias.

O fato é que, neste mês de maio de 2020, o PIB está mais do que pífio. Muito mais.

Cai catastroficamente.

Pode bater neste ano o recorde de queda do período pós-guerra. Pode cair mais do que 10% neste ano. E isto é catastrófico.

Consultorias e instituições financeiras revisam continuamente suas projeções.

A maioria já acredita que projeções de quedas como 6% e 7% foram superadas e que é possível aquele recuo acima de dois dígitos no ano.

A consultoria A.C. Pastore & Associados, por exemplo, avalia que se tornou obsoleta a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), de queda de 5,3% para o PIB neste ano: “Um intervalo entre 7% e 10% estaria mais próximo da realidade. É bom começarmos a pensar em quedas bem maiores, e para não sermos acusados de alarmistas, vamos ficar com uma projeção conservadora, de uma queda de 7% em 2020”, escrevem.

O fato é que a economia está literalmente à deriva.

Ninguém mais acredita que a equipe econômica do governo esteja sabendo o que está acontecendo. E muito menos o que vai acontecer na economia.

Há poucas semanas o Sr. Paulo Guedes, ministro da Economia, dizia que o dólar só bateria nos 5 reais “se o governo fizer muita besteira”.

Na metade desta quinta-feira (14), o dólar já tinha passado dos 6 reais!

O BC interveio pesadamente, vendendo dólares; no final do dia a desvalorização havia sido de “apenas” 1,39% e o dólar comercial cotado a 5,81 reais!

Não existe mais nenhuma política econômica funcionando de fato.

Se é que houve neste governo.

Neste sentido, é severo o julgamento do jornal Folha de São Paulo :

“O país está sem diagnóstico e plano para conter o vírus da depressão econômica … com a massa de rendimentos do trabalho em baixa, desemprego literalmente imenso (nem temos medidas), ociosidade que dispensa investimento, grande destruição de empresas e uma improvável onda de investimento privado em infraestrutura, como o Brasil vai sair do chão? Puxando os cabelos? Enfim, onde está o diagnóstico deste desastre e um plano de saída? Sabemos disso tanto quanto sabemos do número de casos de Covid-19. Provavelmente, muito menos. Estamos na escuridão, da política à economia.”

Os chamados investidores internacionais estão horrorizados com o Brasil.

É o que diz o economista Armando Castelar, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) – em artigo publicado nesta terça-feira (12) na prestigiosa instituição de pesquisa internacional Gavekal Research, e que estava sendo compartilhado nesta semana entre os homens do mercado financeiro sob o sugestivo título Brazil’s Burning House [“Casa em chamas do Brasil”, tradução literal].

Segundo o artigo, os investidores externos estão “horrorizados” com o Brasil e com a falta de liderança do governo federal no combate à pandemia do Covid-19.

“A resposta à saúde pública tem sido fraca e as mortes são as mais altas do mundo emergente. Os investidores estão horrorizados com a situação econômica”, destaca o economista.

Estas condições catastróficas da economia nacional ainda não existiam até o início deste ano. Apenas aguardavam o gatilho da crise na economia global.

O dia 06/ fevereiro/2020 foi a última data antes da explosão da pandemia do Covid 19 em que se pode documentar este processo de afundamento da economia.

Agora a situação mudou. Qualitativamente.

Com a eclosão da crise econômica global, particularmente nos EUA, ponta dos sistema, o que aparecia desde as grandes manifestações de 2013 como lenta tendência de ingovernabilidade política agora se acelera.

A casa está em chamas, grita o economista para os homens mercado.

Realmente. Mas não se trata de uma passageira turbulência conjuntural a mais, de uma recessão que passará com o fim do Covid 19 e “tudo voltará ao normal”. O buraco é mais em baixo.

Muito mais em baixo. Trata-se do fato que as classes dominantes não são mais capazes de continuar garantindo a reprodução física da população – e nem mesmo da vida no dia a dia da pandemia sanitária.

Este fato muda qualitativamente o enunciado do problema. Vira uma verdadeira questão.

Fica exposto à opinião pública que a propriedade privada, o Estado, o valor, o mercado e o capital não existem senão para ameaçar continuamente de morte a espécie humana.

Por isso devem ser radicalmente abolidos.

O abrupto afundamento da economia nacional escancara um insuperável buraco político no Estado.

O vazio da ingovernabilidade em processo não pode ser preenchido com um mínimo de estabilidade por nenhum governo. E todos caem.

Isso já se manifesta com muita nitidez em Brasília, nas últimas semanas.

Mas só na superfície do fenômeno. Apenas como bizarra ópera-bufa das mais importantes instituições da República e seus burlescos personagens.

Entretanto, por trás da comicidade democrática destas personagens a falência econômica das classes dominantes é acompanhada pela incontrolável explosão de desemprego e de miséria absoluta da maior parte da população.

Nesta realidade nem um pouco cômica em que a repressão policial dos empresários e suas chacinas sociais em todo o território nacional já era muito intensa, antes mesmo da atual explosão da economia, agora tem que ser mais organizada.

Boçalnaro mira nesta ampliação do caos social e se oferece aos empresários e a Washington com a solução de uma ditadura militar tradicional para o problema.

Essa solução simplista e anacrônica não resolve o problema que vem pela frente.

Além desta sua ignorância miliciana das grandes questões militares e das mutações geopolíticas continentais o atual presidente da República está sendo tragado pelo abismo da ingovernabilidade e pela impotência absoluta da sua equipe para administrar o atual caos econômico nacional.

Há outros problemas não menos graves – como, por exemplo, seu modo Trump de administração da pandemia sanitária que já mata quase mil pessoas diariamente, dados oficiais – que o tornam definitivamente carta fora do baralho.

“Um governo que não consegue se segurar”, como certeiramente previsto alguns meses atrás.

Portanto, deve ser jogado proximamente na lata de lixo pelos verdadeiros donos do poder capitalista no Brasil.

Os oportunistas da esquerda democrática e outros amigos do povo pegam carona nesta agenda burguesa e concentram todos seus esforços no impeachment do presidente odiado por nove entre dez distintos cidadãos.

Mas além do anão Boçalnaro as inevitáveis explosões sociais se acumulam na próxima esquina.

Fazem parte das mesmas explosões que ocorrerão simultaneamente em todo o mundo na esteira da primeira depressão econômica global em quase cem anos.

E todos os cidadãos – inclusive aqueles preguiçosos amigos do povo – serão obrigados a se definir teórica e praticamente frente a esta erupção planetária da luta de classes.

As classes dominantes brasileiras já se definiram.

Doravante, sua principal missão política não será mais de organizar apenas eleições e impeachments – mas organizar melhor a repressão militar sobre as rebeliões da classe trabalhadora em luta contra o capital que necessariamente emergirão no Brasil no interior de um processo revolucionário de dimensão mundial.

A política se metamorfoseia em questão militar.

Já é em torno desta questão que no dia a dia da política nacional, em Brasília e alhures, se confrontam as diversas alternativas políticas dos capitalistas e da ação imperialista no Brasil e na América do Sul.

Essas movimentações capitalistas se personificam em uma amálgama muito complexa de agentes imperialistas, polícias militares estaduais, polícia federal, força nacional, milícias, mercenários, traficantes de armas e outras miudezas e, finalmente, o tradicional exército nacional, que não tem nada mais a ver com aquele da velha ditadura.

Mas, como em toda questão militar, a execução das tarefas específicas mais adequadas aos interesses gerais dos capitalistas não é uma coisa fácil.

Por isso, enquanto se movimentam para a centralização e coesão das diversas classes dominantes, as direções e as inúmeras forças políticas em luta interna primeiro se fragmentam e em seguida aprofundam ainda mais a ingovernabilidade.

O desdobramento deste enfraquecimento de ação política das classes dominantes brasileiras é altamente revolucionário, na medida em que enquadra as possibilidades práticas da luta de classes no país.

Voltaremos proximamente ao assunto, dentro do possível, acompanhando o agravamento do processo no Brasil e na América do Sul, em particular.


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