Lula e o PT: vítimas ou algozes?
04/03/2016
Por João Telésforo, Brasil em 5
Helipóptero, trensalão tucano e outros tantos casos evidenciam filtros de seletividade política do sistema penal, extremamente leniente (para não dizer conivente) com PSDB, Aécio, Alckmin e companhia.
Por que com o PT o tratamento não é exatamente assim? Por ter incomodado um pouco os donos do poder, mesmo que sem mexer no grosso de seu estoque de riqueza e estruturas de dominação?
Pelo fato de o PT ainda representar em parte, devido às suas origens e apesar de tudo, uma ideia de esquerda e de luta popular que se busca destruir? Talvez por um somatório dos dois fatores. A pergunta que vejo como fundamental neste cenário, porém, é outra.
Lula e o PT lambuzaram-se em suas alianças com o poder econômico, mas não é o populismo penal que trará soluções para o problema da corrupção e da captura do Estado por grandes grupos empresariais.
Não podemos aceitar o abuso evidente e a espetacularização da operação de hoje, de condução coercitiva do ex-Presidente Lula.
Seria um erro grotesco e catastrófico supor que o atropelamento de direitos e garantias fundamentais e a hipertrofia do Estado penal-policial possam nos conduzir à construção de um país mais democrático.
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Porém, igualmente impotente seria tomar esse caso (e o contexto que o envolve) como isolado, como se o PT fosse a principal vítima desse sistema, e não tivesse qualquer responsabilidade por sua manutenção e recrudescimento.
Eis a pergunta, então: o que Lula, Dilma e o PT fizeram ou mesmo tentaram fazer, nesses anos todos, para frear a hipertrofia neoliberal do Estado policial e democratizar a justiça?
O brutal ritmo de crescimento da população carcerária dá uma ideia da opção petista pelo caminho de endurecimento do Estado penal-policial, e não pela ampliação de garantias cidadãs, democráticas, muito menos pelo controle popular do sistema de justiça e reversão da lógica punitivista.
Essa opção radicalizou-se no cenário de acirramento das lutas de classes cristalizado em Junho-2013: o governo petista não apenas deu as costas à demanda de desmilitarização das polícias, que as ruas apresentavam com vigor, como buscou acordos com o PSDB, o PMDB e a grande mídia para ampliar a criminalização de manifestações e lutadores/as sociais.
Aqui no DF, sentimos isso na pele durante o governo Agnelo, que chegou ao cúmulo de levar adiante processo de criminalização de uma militante do MTST por “dano contra o patrimônio”, por supostamente ter queimado pneus para paralisar uma via (a alegação era de dano ao asfalto!), em uma manifestação cidadã totalmente pacífica (e sem qualquer dano ao patrimônio), na véspera da abertura da Copa das Confederações.
No Rio, em governo que o PT não apenas apoiava, mas compunha, as violações a todo tipo de direitos e à democracia foram múltiplas. E a ofensiva segue, com a aprovação da Lei supostamente destinada a combater o terrorismo, enviada pela Presidenta ao Congresso (relembrando: atos terroristas como homicídio, sequestro e outros, já são criminalizados pela lei brasileira; não há histórico de terrorismo nas últimas décadas por aqui, a não ser o do Estado; a Lei, com seus comandos abertos, traz riscos evidentes de ser utilizada para criminalizar lutas democráticas).
Os grandes grupos midiáticos funcionam também como parte desse aparato repressor: promovem todos os dias a espetacularização do arbítrio e da violência policial, em sua rotina de disciplinamento e criminalização de comunidades da periferia, de “favelados”, da juventude negra.
Mais um enfrentamento que Lula, Dilma e o PT não fizeram: ao oligopólio da mídia, que contraria dispositivos esquecidos da Constituição de 1988, proibindo a propriedade cruzada de meios e o coronelismo eletrônico.
O PT paga o preço pela falta de projeto e de enfrentamento em torno dele, pela opção política pela conciliação conservadora com as estruturas de poder.
Mas o problema mais grave é que as maiorias sociais pagam um preço muito maior, diante da rotina de violência, segregação, desigualdade, negação de direitos. Se o governo Dilma não apresenta qualquer saída para essa crise estrutural, retomar os anos Lula tampouco seria solução.
O PT já escancarou os limites de sua virtude política mudancista, já aceitou até mesmo, como ficou mais nítido depois de Junho, atuar como algoz das lutas populares, quando necessário para a manutenção da ordem da qual é um dos pilares de sustentação (ainda que sua posição nessa ordem, mesmo após quatro vitórias presidenciais, não seja tão cômoda quanto a das velhas oligarquias). Se não nos cabe, portanto, festejar abusos contra Lula e o PT – muito pelo contrário, é preciso denunciá-los -, não podemos novamente referendá-los como alternativa de enfrentamento à ordem que resolveram compor organicamente.
Se a experiência petista de governo nos ensina algo nesse aspecto, inclusive em seus tons dramáticos, é que não se pode construir um projeto popular de país sem enfrentar os aparatos autoritários, classistas, racistas e patriarcais do sistema penal-policial.
As alternativas “amarelas” que imaginam ser possível, mais uma vez, apenas utilizar esse aparato a “nosso favor” (de quem?), estão condenadas a fracassar novamente nesse intento. A reprodução obsessiva da lógica do inimigo, o fetiche da cadeia como solução, mais cedo ou mais tarde apareceria para cobrar a conta.
Para construir um Brasil de suas gentes, é necessário apostar em outra qualidade de poder, inclusive no que diz respeito ao sistema de justiça e à polícia, e não apenas investir na (aparente) tomada dos velhos aparatos que aí estão.
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Comentários
Luís Carlos Freire
Desculpe a mudança de assunto, mas tenho tentado entrar em contato com João Telésforo e não consigo. Ele escreveu um texto sobre Nísia Floresta no link a seguir https://vermelho.org.br/2015/06/19/nisia-brasileira-augusta-o-feminismo-revolucionario-no-seculo-19/
mas a fotografia que postaram não é de Nísia Floresta. Não há como contactar o pessoal da edição, pois eles não disponibilizam o e-mail. Se alguém puder me ajudar, agradeço. Luís Carlos Freire OBS. no link a seguir é possível encontrar imagens verdadeiras de Nísia Floresta:
https://nisiaflorestaporluiscarlosfreire.blogspot.com/2016/04/fotos-de-nisia-floresta.html