Jair de Souza: Subestimar os inimigos é um erro que pode ter graves consequências

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O presidente Jair Bolsonaro e o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, durante solenidade de entrega da medalha da Ordem de Rio Branco, no Palácio Itamaraty. Foto: Agência Brasil

*Menosprezar a capacidade destrutiva de nossos inimigos de classe pode nos trazer graves consequências*

Por Jair de Souza*

Realmente, não é fácil evitar um forte sentimento de vergonha alheia toda vez que o ex-juiz suspeito Sergio Moro resolve se expressar em público por sua própria iniciativa.

A bestialidade, a ignorância e a falta de traquejo ficam tão evidentes que seria impossível que houvesse alguém que delas não se desse conta.

Com efeito, a partir desta constatação inteiramente fundamentada na realidade, somos induzidos a adotar um tipo de comportamento que pode nos resultar mortal: a tendência a menosprezar nossos inimigos de classe.

É inegável que alguns dos elementos que as classes dominantes escolhem para assumir a representação e a defesa institucionais de seus interesses são de fato figuras patéticas, grotescas, bestiais e repulsivas. Porém, nestes quesitos, somos forçados a admitir, Sergio Moro nem mesmo pode ser considerado o exemplo mais contundente.

Um breve cotejo das características do ex-juiz suspeito com as do atual ocupante do Palácio do Planalto pode acabar rendendo ao primeiro uma qualificação algo mais favorável.

Embora seja uma disputa das mais difíceis, sem dúvidas, Bolsonaro acaba por se mostrar imbatível em tudo o que tange a ignorância, grosseria, incapacidade intelectual e coisas pelo estilo.

Mas, como vamos explicar o fato de que, a despeito de todas essas aberrações, o ocupante do cargo de Presidente da República em nosso país seja Jair Bolsonaro, e não outro com melhores qualificações intelectuais e de civilidade? Por que não foi Fernando Haddad o escolhido no pleito eleitoral de 2018?

Bem, as indagações que acabamos de apresentar vão ser úteis para nos levar a compreender que figuras como Bolsonaro e Sergio Moro, por mais toscas que possam parecer, não participam do jogo político a seu bel-prazer, sem dependência ou vinculação com outras forças muito mais determinantes.

Na verdade, as classes sociais exercem seu poder em conformidade com a totalidade de sua capacidade de atuação como conjunto, e não em subordinação aos desígnios exclusivos de um ou outro indivíduo, seja ele brilhante ou uma toupeira.

Podemos incorrer em graves erros de avaliação se não levarmos em consideração que, por mais deploráveis e desqualificadas que lideranças políticas como Bolsonaro ou Sergio Moro demonstrem ser, por trás delas estão a postos muitas outras pessoas dotadas de muito maior conhecimento e capacidade técnica e em condições de traçar o caminho e guiar os passos de qualquer um que eventualmente esteja ocupando a função de representante governamental a serviço das cúpulas do poder econômico.

Como parte essencial do arcabouço que protege, dissemina e zela para garantir que o sistema funcione em conformidade com as expectativas das classes dominantes está a corporação midiática.

E todos sabemos o papel decisivo que a mídia corporativa do Brasil desempenhou para transformar seres de grande mediocridade, como Sergio Moro e Jair Bolsonaro, em figuras proeminentes da política nacional.

Em certos casos, pode vir a ser até mesmo desejável para as classes dominantes que aqueles que vão agir em seu nome não gozem de grande capacidade intelectual e de convicções morais muito fortes. Isto pode facilitar o trabalho da máquina incumbida de exercer o controle e passar a orientação devida.

Por outro lado, dentre as características que costumam ser muito mais valorizadas, estão a firme disposição de empenhar-se para fazer valer os interesses dessas classes e uma boa dose de ambição pessoal, que possa servir para alimentar os anseios individualistas de ascensão social capazes de levar a pessoa a passar por cima de quaisquer pruridos ou sentimentalismos.

Não por acaso, a ambição pessoal é a qualidade mais apreciada pelos donos do capital na hora das entrevistas para contratar seus executivos.

O certo é que Moro e Bolsonaro estavam determinados a entregar aquilo que as classes dominantes esperavam deles naqueles momentos decisivos de nossa história recente.

Os dois demonstraram dispor de tenacidade suficiente para passar por cima de limitações legais, morais ou éticas, com o objetivo de fazer prevalecer os interesses de seus apaniguados.

Ou seja, tinham, sim, as qualidades requeridas para alcançar êxito nas difíceis tarefas que lhes foram delegadas. A bem da verdade, eles fizeram mais pelas classes dominantes brasileiras do que quase todos os outros governantes que haviam estado a seu serviço.

Portanto, não deveríamos nos apegar a conceitos embasados num moralismo preconceituoso e tomar o nível de intelectualidade como ferramenta infalível para avaliar a força de nossos inimigos de classe.

Nem as condições de vida da burguesia, nem as das maiorias trabalhadoras de nosso país, são significativamente afetadas, negativa ou positivamente, em função da maior ou menor destreza intelectual do chefe de governo.

Com uma equipe de apoio devidamente capacitada, mesmo um governante pouco dotado intelectualmente é capaz de satisfazer as expectativas daqueles a quem ele deve responder.

Via de regra, os donos do capital são muito pragmáticos a este respeito. Nos momentos cruciais da luta de classes, quando sentem que algum perigo contra seus interesses pode estar iminente, eles sabem valorizar aqueles que vão dar conta da defesa de seu patrimônio com mais eficiência, independentemente de suas características pessoais. E é isto o que vai valer.

Então, para que este conceito fique bem estabelecido, é preciso reiterar que a eficiência ou ineficiência de um dirigente político deveria ser mensurada com base no atendimento das reivindicações das classes sociais com as quais ele está vinculado.

Orientando-nos por estes parâmetros e deixando claro que, em relação a Sergio Moro e Jair Bolsonaro, são os valores das classes dominantes os que se sobrepõem, vamos chegar à conclusão que os desempenhos efetivos dessas duas figuras produziram resultados muito superiores aos que outros expoentes pretensamente mais gabaritados lograram alcançar.

Por mais que digamos que Sergio Moro não entende quase nada de teorias do direito, por mais que insistamos em ressaltar sua incapacidade para se expressar de modo compreensível e articulado, foi ele quem levou a cabo a enorme tarefa de destruir a portentosa indústria petrolífera brasileira, foi ele quem viabilizou a entrega de nosso pré-sal a conglomerados estrangeiros, foi ele quem tornou possível o retorno do grande capital financeiro ao comando dos destinos do país.

Fez tudo isso sozinho? Claro que não, mas sua presença e sua determinação (ou seu viralatismo) foram fundamentais para que essas metas fossem atingidas.

Não importa que ele mesmo, talvez, nem tivesse consciência de quais seriam as consequências de sua atuação. Seguramente, por trás dele, a seu lado, ou a sua frente, havia outras pessoas que sabiam muito bem o que estava sendo executado e o que mais precisava ser realizado.

Por isso, como considerar que alguém como Sergio Moro seja um sujeito incapaz?

Na verdade, do ponto de vista dos interesses do imperialismo e do grande capital financeiro, Sergio Moro é merecedor de muitas menções honrosas e, até mesmo, de ver seu nome atribuído a ruas e outros logradouros públicos, além de ter suas estátuas e seus bustos espalhados por todos os cantos. Ele decididamente fez por merecer.

Empregando esta mesma linha de raciocínio e partindo do entendimento de que Bolsonaro chegou ao governo em representação do grande capital rentista e do capital agroexportador, em simbiose com os interesses do imperialismo estadunidense, podemos concluir que ele também foi capaz de entregar a seus patrocinadores muito mais do que outros predecessores do mesmo campo tinham conseguido realizar.

Estando entre aqueles que detêm o comando das riquezas do país, seria possível achar que Bolsonaro está sendo um vagabundo imprestável?

Que outros chefes de governo desde a fundação da República conseguiram em tão pouco tempo eliminar tantos direitos trabalhistas quanto os eliminados por Bolsonaro?

Que outros governantes foram capazes de desmantelar os sindicatos operários tão severamente como Bolsonaro soube fazer?

Quem mais teve a ousadia de privatizar e entregar para o capital estrangeiro uma parte significativa da Petrobrás?

E poderíamos seguir listando exemplos atrás de exemplos…

Entretanto, ainda que tanto Sergio Moro como Jair Bolsonaro tenham prestado serviços muito valiosos em favor de nossas classes dominantes, isto não significa que os dois estejam garantidos em seus postos de representantes privilegiados das mesmas.

Infelizmente para eles, os donos do capital colocam sempre em primeiro lugar a preservação e a defesa de seus privilégios de classe. Por isso, representantes são usados e descartados segundo as conveniências daqueles a quem eles servem.

Sendo assim, tão logo se mostrem incapazes de seguir produzindo os resultados desejados, eles costumam ser substituídos por outros agentes que apareçam com melhores perspectivas para desempenhar suas funções.

E isto é feito sem pestanejar. Sem que ninguém das classes dominantes perca nenhuma noite de sono ou passe por constrangimento moral.

Nas circunstâncias políticas atuais, nem Jair Bolsonaro nem Sergio Moro parecem estar em condições de continuar atendendo a contento as aspirações do grande capital. Não por eles não terem as qualificações intelectuais exigidas.

É que as situações para as quais eles eram úteis já não estão presentes. Enquanto eram tidos como fatores indispensáveis para ajudar aos poderosos a alcançar seus objetivos, eles foram aproveitados e apoiados. Agora, tendem a se tornar peso morto, e podem passar a ser inservíveis para a causa à que estavam vinculados.

Mas, como eles foram sempre muito ambiciosos, seguramente aproveitaram seus momentos de glória para fazer seu pé-de-meia e garantir um futuro de abundância e riqueza material para si e para os seus por umas quantas gerações.

*Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ


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