Izaías Almada: Um mundo melhor será possível?

Tempo de leitura: 3 min

por Izaías Almada

Ficamos combinados assim: quanto maior a confusão, melhor. Agora, no Brasil, somos todos culpados até prova em contrário. Cada um de nós terá que provar a sua própria inocência, enquanto algum homem da lei procura tratar a coluna ou o fígado.

Como na fábula, se o culpado não for o José, será o Mané. Se não for o Mané, será o amigo do Mané, o pai do Mané, a mulher do Mané. O importante é que haja um Mané para sacrificarmos. Tudo em nome da democracia, a minha democracia, é claro. Porque no Brasil há uma democracia para cada cidadão.

Qual é a sua, leitor?

Liberdade de imprensa ou liberdade que imprensa? Quantos corruptos serão precisos para se tentar um golpe de estado? Quantos anos de cadeia para se conseguir uma delação premiada? Por favor, tirem a venda dos olhos da justiça, pois ela está cada vez mais cega.

Que legado está se deixando às novas gerações? O relativismo com que se procura caracterizar o comportamento humano nos dias de hoje está transformando o mundo num caldeirão de dementes e de incrédulos.

A morte de centenas de jovens numa boate no Rio Grande Sul, o suicídio de um rapaz que foi torturado durante a ditadura militar ainda com um ano e meio de idade e a morte de um adolescente durante um jogo de futebol são acontecimentos emblemáticos de uma realidade que apodrece a cada dia que passa.

Por detrás de cada um desses trágicos acontecimentos é possível notar com bastante nitidez o desprezo para com aquilo que temos de melhor: a vida.

Ganância, intolerância, ódio, irresponsabilidade, hipocrisia, falsidade se juntam num amálgama de tributo ao efêmero, de louvor ao preconceito e a intolerância, de submissão ao sucesso e ao dinheiro, esses dois pilares de um sistema econômico falido e que, a cada dia que passa, enquadra-se numa ética de jagunços e bandidos de colarinho branco.

Carlos Alexandre de Azevedo suicidou-se há alguns dias em São Paulo antes de completar 40 anos de idade. Com um ano e meio de idade Carlos Alexandre foi torturado pela equipe do facínora delegado Sérgio Paranhos Fleury para obter confissões dos pais, prisioneiros políticos. Desumanidade?

O escritor e filósofo Jean-Paul Sartre afirmou em um de seus escritos que “a tortura não é desumana, é um crime cometido por homens… A tortura faz o torturador”. A tortura não faz parte do corpo jurídico de uma nação, muito embora contemporaneamente alguns países tentem justificar o injustificável e, o que é grave, intelectuais de salas de prostíbulo e redações venais vão deixando cair as máscaras.

A maioria dos torturadores é composta por homens normais e não por psicopatas ou pervertidos como se quer dar a entender. A tortura é um crime imprescritível e inafiançável. A tortura não faz parte do corpo jurídico de uma nação.

Por outro lado, Santa Maria no sul do Brasil e Oruro na Bolívia parecem indicar o sinal dos tempos, ou melhor, onde a vida ficou ainda mais efêmera. Jovens que encontraram a morte numa boate e num jogo de futebol para o “regozijo” da mídia sensacionalista e de muitos de seus analistas de fundo de quintal que se comprazem – no mais das vezes – em atiçar a selvageria nos milhares de comentários pelos vários blogues jornalísticos espalhados pela blogosfera.

Alastram-se as fronteiras da desumanidade, onde uma Igreja envolvida em corrupção, disputa de poder e outras mazelas, distancia-se cada vez mais da suas origens humildes de Nazaré, deixando no ar para milhões de seres humanos se o Deus de que falam existe mesmo ou é uma invenção do próprio homem. Nesse contexto, o mundo – em particular a América Latina, perde um de seus maiores líderes, Hugo Chávez. Como qualquer líder humanista, Chávez fará falta, mas o seu legado – como o de Guevara – é suficientemente forte para permanecer na lembrança e na ação dos que lhe seguem.

Nesse início do século XXI a humanidade mergulha numa grande crise que desaguará em grandes transformações. Teremos a serenidade necessária para não deixarmos a barbárie vencer a batalha? Ou sucumbiremos diante da mentira midiática e das chantagens armamentistas e arrogantes dos adoradores do deus dinheiro? A escolha é nossa, no dia a dia da luta pela sobrevivência.

Um mundo melhor será possível?

Leia também:

Eric Nepomuceno: À Venezuela o que era de Chávez

Lula: “Orgulho de ter convivido e trabalhado com ele”

Stedile: O povo da América Latina perde um construtor de ideais,nos fará falta

“O diabo esteve aqui ontem”

O impacto da perda de Chávez para a diplomacia brasileira

Antonio Lassance: A hora e a vez de Hugo Chávez


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Lafaiete de Souza Spínola

Luís Almada,

Concordo com tudo que você diz, menos com a afirmação de que “a maioria dos torturadores é compostas por homens normais”.

Não, um homem normal nunca será um torturador, nem mandante!

Sim, o torturador, o grande traficante, o grande lavador de dinheiro, o grande corrupto e todos os mandantes de tais atos apresentam-se como normais, como seres ilibados, como a essência da honestidade, tudo isso acobertado por uma inteligente e perfeita camuflagem. Essa gente é inteligente, dissimulada, manipuladora e age de acordo com a situação. Muitas vezes, nem as pessoas mais próximas desconfiam!

Há estudos muito bem feitos, bem fundamentados, de que no meio da sociedade existam entre 3% a 5% dessa temerosa espécie de gente. Num país com 200 milhões de seres, considerando só os 3%, temos 6 milhões desses malfeitores camuflados como humanos normais. Como possuem uma inteligência desenvolvida para essas atividades, conseguem influenciar grande parte da sociedade. Quanto menos educada, menos organizada, mais permissiva for um sociedade, mais campo livre e facilidades encontrarão para atuar.

A sociedade tem as ferramentas para inibir a atuação desses indivíduos: Investir pesado na educação é a principal arma; ter uma sociedade organizada, preconizando a justiça social; reformando o sistema eleitoral de tal forma que evite o controle dos partidos por grupos; proibindo o financiamento privado etc etc.

Quanto mais justa for uma sociedade, quanto mais elevado for o nível de educação, menos liberdade terão os psicopatas para atuar,para manipular. Temos condições de conviver com essa gente, sem paranoia.

    Lafaiete de Souza Spínola

    CORRIGINDO: Izaías Almada e não Luis…

Paulo Figuiera

Se não fosse possível, estaríamos ainda nas cavernas, porém ainda nos parecemos muito com nossos antepassados.

Suely Farah

É possível, sim, Izaías. “O jeito é fazer um novo samba, sem rasgar a velha fantasia”, como diz nosso Príncipe, que nos ajuda sempre a lembrar de como é que se faz o novo rumo dos ventos
http://www.youtube.com/watch?v=PYLa1KrtiLo
Junto com Caymmi e toda a tradição do canto encantado, “vamos chamar o vento”, que é pra ver o que ele faz. Ouça. E depois conte. E lá vamos nós!

Mardones

Infelizmente, é pouco provável aqui no Brasil e em boa parte do mundo. Afinal, não é todo dia que um Chávez obtém apoio da maioria do povo e das forças armadas para transformar um país.

Chávez, assim como Fidel, Guevara, Mariguella e Lamarca não nascem a cada eleição.

niveo campos e souza

Será que os humanos são viáveis?

Niveo Campos e Souza

Eric Nepomuceno: À Venezuela o que era de Chávez « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Izaías Almada: Um mundo melhor será possível? […]

Lula: “Orgulho de ter convivido e trabalhado com ele” « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Izaías Almada: Um mundo melhor será possível? […]

Luana

É, possível, sim!
Basta que cada um de nós tornemos pessoas melhores.
E essa é justamente a parte mais difícil….

Deixe seu comentário

Leia também