Ilan Pappe: ‘Fazer intencionalmente uma sociedade passar fome é genocida’

Tempo de leitura: 4 min
O historiador israelense, Ilan Pappe, está no Brasil

Ilan Pappe está no Brasil para participar da Flip, em Paraty, nessa sexta-feira (1), e de eventos em São Paulo nas próximas terça (5) e quarta (6) – programação completa aqui –, apesar de todo o lobby sionista contra a presença do autor no país. Na Elefante, já lançamos Brevíssima história do conflito Israel-Palestina e A maior prisão do mundo (e vem mais por aí). Dias antes de sua chegada por aqui, a Folha de S. Paulo publicou uma matéria sobre Pappe a partir de uma entrevista por e-mail. Segue o texto abaixo.

Blog da Elefante

Por Diego Bercito, na Folha de S. Paulo

Crítico ferrenho de seu país, o historiador israelense Ilan Pappe chega ao Brasil nesta semana em um momento dramático da crise de Gaza. A mensagem que traz é dura.

“Fazer intencionalmente uma sociedade passar fome é genocida, assim como atirar em pessoas que estão buscando comida”, diz ele à Folha.

Ao justificar o convite ao historiador, em junho, a curadora [da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip] Ana Lima Cecilio afirmou querer “fornecer instrumentos para tirar conclusões”. “É um professor muito sério, uma autoridade respeitada. Nós entendemos a delicadeza da discussão, mas com toda essa barbaridade de crianças morrendo, é um sujeito que olha para isso de um jeito sensato, com muita bagagem.”

O autor de 70 anos se formou na Universidade Hebraica de Jerusalém e fez o doutorado em Oxford, no Reino Unido. É um dos chamados “novos historiadores” israelenses, um famoso grupo que desafiou, a partir dos anos 1980, as narrativas tradicionais do país. Sua geração foi responsável, por exemplo, por repensar a fundação de Israel em 1948 e recontar a expulsão de 700 mil palestinos.

Em 2006, Pappe lançou A limpeza étnica da Palestina, até hoje sua obra mais conhecida. A tese principal do texto é de que Israel forçou a saída dos palestinos em 1948 tendo em vista uma “limpeza étnica” daquela região.

São também dele Dez mitos sobre Israel e Brevíssima história do conflito Israel-Palestina, disponíveis em português pelas editoras Tabla e Elefante.

Essa carreira crítica enfrenta resistência dentro do seu país. É conhecida, por exemplo, a desavença de Pappe com o historiador Benny Morris, que sugere que seu trabalho é demasiado político e suas conclusões são resultado de sua ideologia.

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Pappe deixou a Universidade de Haifa, onde lecionava, após apoiar um boicote acadêmico de Israel. Disse, à época, que recebia ameaças de morte. Mudou-se para o Reino Unido em 2007 e hoje dá aula na Universidade de Exeter, onde lidera um importante centro de estudos sobre a Palestina.

Um dos principais pontos de discórdia é a tese de Pappe, apoiada em documentos oficiais, de que Israel tinha desde o início o intuito de expulsar os palestinos. É a essa ideia que ele retorna ao avaliar a crise atual.

Em entrevista à Folha por email, ele afirma que em 2023 o Hamas “deu um pretexto” para que o governo de Benjamin Netanyahu se aproveitasse para finalmente obliterar Gaza, em suas palavras.

Refere-se ao ataque terrorista do Hamas que deixou 1.200 mortos em Israel em 7 de outubro daquele ano. O revide israelense, por sua vez, matou ao menos 60 mil palestinos, segundo o Ministério da Saúde local, controlado pela facção. Parte da comunidade internacional diz que a resposta israelense é desproporcional e inclui crimes de guerra.

Pappe descreve a campanha israelense em Gaza como um genocídio.

“Palestinos estão sendo mortos por causa de sua identidade, etnia e nacionalidade”, diz. “A destruição de hospitais, escolas, universidades, bibliotecas e construções residenciais não são uma necessidade militar, são a destruição da infraestrutura que possibilita que as pessoas vivam.”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já usou também a palavra genocídio, que Israel e seus aliados rejeitam. Tel Aviv descreve suas ações como uma necessidade para neutralizar o Hamas, que trata como uma ameaça à existência do Estado israelense.

No episódio mais dramático dessa crise, começaram a circular nas últimas semanas imagens de crianças palestinas desnutridas. Segundo as autoridades da Faixa de Gaza, que está sob o controle do Hamas, 122 pessoas já morreram de fome no território. Mais de 80 delas eram crianças. Um porta-voz da Unicef, a agência da ONU para a infância, descreveu Gaza como uma “história macabra” da humanidade.

Dezenas de organizações humanitárias emitiram um comunicado conjunto dizendo que Israel estava impedindo ou dificultando a distribuição de comida em Gaza, algo que Tel Aviv nega. Além disso, mais de 800 palestinos foram mortos nas últimas semanas tentando buscar alimento, a maior parte devido a disparos de soldados israelenses.

Sob pressão internacional, Israel anunciou no sábado (26 de julho) que retomaria o lançamento aéreo de comida para a Faixa de Gaza, além de criar corredores humanitários para permitir a entrega de auxílio.

“A sociedade israelense é doutrinada do berço ao túmulo com a percepção de que os palestinos são sub-humanos”, diz Pappe. A situação piorou, na sua avaliação, com a ascensão de forças políticas messiânicas e racistas. “Essa ideologia agora controla o governo israelense e tem enorme influência no Exército, nas forças de segurança e na mídia.”

Em alguma medida, Pappe é uma voz isolada em Israel. Seu nome suscita reações fortes entre quem não adere à sua visão de mundo, associada mais à esquerda.

“Os intelectuais e acadêmicos israelenses não questionam o sionismo e tratam da crítica internacional como antissemitismo”, argumenta. Sugere que lhes falta “coragem moral”. “Como nós sabemos pela história, silenciar quando crimes são cometidos no seu nome não absolve ninguém desses crimes.”

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Zé Maria

https://revistaforum.com.br/u/fotografias/m/2025/8/3/f960x540-155751_229826_5050.png

“Durante o Encontro Nacional do PT em Brasília,
nesse domingo (3), Janja Lula usou um “keffiyeh”,
o Tradicional Lenço da Resistência Palestina.

Ministra-Chefe da Secretaria de RIs do Governo LULA,
Gleisi Hoffmann, chamou atenção dos presentes
para o figurino de Janja, ao saudar a Primeira-Dama.”

Vídeo: https://x.com/i/status/1952069551262204258
https://revistaforum.com.br/moda/2025/8/3/leno-de-janja-conversa-com-mundo-sobre-palestina-184605.html
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https://revistaforum.com.br/u/fotografias/m/2025/8/4/f960x540-155776_229851_5050.jpg

“Mais de 300 Mil Pessoas tomam as Ruas de Sydney,
na Austrália, em Ato Histórico Pró-Palestina”

Mesmo sob chuva, manifestantes promoveram
Ato Gigantesco para denunciar o Genocídio de Palestinos Promovido por ‘isRéu’ na Faixa de Gaza;
O Australiano Julian Assange marcou Presença.

[ Reportagem: Ivan Longo | Revista Fórum ]

Em uma das maiores mobilizações já vistas em Sydney,
mais de 300 mil pessoas marcharam no domingo (3)
pela Ponte Harbour, em um ato pró-Palestina que
paralisou um dos principais cartões-postais da Austrália.

A manifestação, organizada pelo Palestine Action Group,
denunciou o genocídio de palestinos promovido por Israel na Faixa de Gaza e contou com a presença do
fundador do WikiLeaks, Julian Assange, que participou
ao lado da família e do ex-ministro das Relações Exteriores
australiano Bob Carr.

Mesmo sob forte chuva, a marcha teve início após
concentração no Lang Park, no centro da cidade,
e fechou a ponte para o tráfego às 11h30 (horário local).

Ao longo dos 1,2 quilômetros de extensão, os manifestantes
carregaram bandeiras palestinas e cartazes exigindo “sanções severas contra Israel” e um cessar-fogo imediato.

A senadora de esquerda Mehreen Faruqi discursou
no ato e declarou que a mobilização “faria história”,
pedindo o fim das ofensivas israelenses que já mataram
mais de 60 mil palestinos, de acordo com dados do
Ministério da Saúde de Gaza reconhecidos pela ONU.

Assange, que retornou à Austrália em 2024 após um acordo
com os Estados Unidos que encerrou sua perseguição judicial, não falou com a imprensa nem discursou para
o público.
Ainda assim, sua presença foi celebrada pelos participantes
como um gesto de apoio à Causa Palestina.

A polícia do estado de New South Wales (NSW)
mobilizou centenas de agentes adicionais para
acompanhar o Protesto e, às 15h, enviou mensagens
de texto em massa aos celulares da região pedindo
a dispersão por razões de segurança pública.

Apesar disso, o ato ocorreu de forma pacífica.

As estimativas de público variaram:
a polícia inicialmente falou em 90 mil presentes,
depois reconheceu 100 mil, enquanto os organizadores
afirmaram que agentes mencionaram até 300 mil participantes.

O vice-comissário interino da Polícia de NSW, Peter
McKenna, classificou a manifestação como “o maior
protesto que já presenciei em Sydney”.

Organizadores afirmaram que a mobilização histórica
expôs o crescente isolamento internacional de Israel
e a pressão global pelo fim das Operações Militares
na Faixa de Gaza, que têm provocado Fome Generalizada
e Devastação no Enclave Palestino, na Região Mediterrânea.

(Com informações da AFP)

https://revistaforum.com.br/global/2025/8/4/mais-de-300-mil-pessoas-tomam-as-ruas-de-sydney-na-australia-em-ato-historico-pro-palestina-184619.html
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