MARILENA CHAUÍ E O BLOQUEIO NEGRO: CRÍTICAS AGUÇADÍSSIMAS QUE PEDEM RESPOSTAS LÍMPIDAS E RESPEITOSAS
por Igor Buys, em seu blog, 27.08.2013, via Facebook
Não sei mais quantas vezes procurei sinalizar aos companheiros da esquerda patriótica — patriótica e não nacionalista, frise-se bem; porque esquerda nacionalista seria um paradoxo — que o Bloco Negro e a Mídia Ninja são novos atores a serem ouvidos, compreendidos, e não imediata e reativamente confrontados, pois que, sobretudo, estão: em processo de amadurecimento ainda, buscando definições, redefinições e realizando autocríticas públicas.
Dilma e Lula não pouparam elogios a tudo o que está se passando nas ruas, desde junho, embora o ex-presidente, em dado momento, tenha destacado: quase tudo é bom, mas também existe fascismo*.
Ao pessoal do Bloqueio Negro, especificamente, hoje, eu diria que a professora Marilena Chauí é pessoa a ser seduzida, ouvida com muita atenção e tino de bons entendedores, e não, em qualquer hipótese, confrontada inutilmente.
Chauí deu uma palestra para o inusitado público da Academia de Polícia Militar do Estado do Rio de janeiro e, sempre precisa, sempre indefectível nas suas avaliações, do alto de toda a sua experiência acadêmica e credibilidade pública que, até hoje, só os mais vis e caricaturais expoentes da extrema direita se dispuseram a contestar, teceu ponderações as mais relevantes sobre o Bloco Negro.
Não assisti ainda nenhum vídeo contendo a palestra na íntegra, mas a Folha de São Paulo pinçou dois tópicos do discurso da filósofa, um dos quais vem perfeitamente ao encontro de algo que nós mesmos já dissemos no texto SEPARAÇÃO PROGRESSIVA ENTRE BLOQUEIO NEGRO E “ANONYMOUS” (OU ANÔNIMO) E VALORES SIMBÓLICOS DE SUAS MANIFESTAÇÕES; texto este elogiado e divulgado na página do Bloco Negro RJ.
O primeiro, em importância, dos tópicos que o jornal destaca é o seguinte.
Chauí afirmou ainda que as manifestações de junho em nada se assemelham aos protestos de maio de 1968, na França. Para ela, as reivindicações atuais dialogam com o poder constituído, o Estado. “O grande lema [em 1968] era: é proibido proibir porque nós somos contra todas as formas de poder. Não se reivindicou nada. […] As manifestações de junho não disseram ‘não’ a coisa nenhuma. Eles se dirigiram ao poder, ao Estado e pediram diminuição da tarifa, mais verba para educação, saúde, CPIs e auditorias contra a corrupção e contra a Copa. Fizeram demandas institucionais ao poder.”.
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Ora, isso nós mesmos já dissemos, com outras palavras, no texto supracitado, enquanto criticávamos o discurso do Anônimo contra o quebra-quebra de bens privados e a favor da mesma prática em relação a bens públicos, i.e., de bens do povo brasileiro, pois segundo “ele” — que, depois, descobri ser uma mulher —, o que é dos outros é dos outros:
O que é dos outros é dos outros, inclusive bancos. Ou seja: a propriedade privada é um direito “sacrossanto”, como quer João Locke e sua doutrina, o liberalismo, que se fulcra inteiramente em teses teológicas: a propriedade, portanto, não deve ser violada! O quebra-quebra deve se restringir aos bens públicos, pagos e reparados com o fruto do trabalho da família do Amarildo desaparecido, e de cada um de nós. Pois mesmo os isentos de recolher o I.R., pagam os impostos embutidos nos preços dos produtos que consomem, pagam taxas, pedágios, etc.. E isso para manter a iluminação das ruas, o calçamento, a limpeza urbana, o sistema de esgotos, de água encanada. Isso para manter a educação pública, que deve ser mais inclusiva, a saúde pública, que deve ter qualidade, o policiamento, que deve ser feito de modo ético e estritamente fiscalizado. Se alguém luta por mais investimentos em educação pública, luta, claramente, por uma presença mais efetiva do Estado nesse campo; se luta por saúde pública de qualidade, luta por melhor atuação do Estado nesse outro campo; se luta contra a corrupção da máquina pública, quer ver o Estado limpo; e quem luta por tudo isso, e mais transporte público gratuito, pede, não indireta, — mas diretamente, por um Estado onipresente, que atenda a todos, que evolua mais rápido do que já tem feito na direção do Estado de Bem-Estar Social.
Assim, as bandeiras levantadas nas manifestações de rua destes dias são bandeiras em prol de um Estado melhor, e não da sua elisão imediata e inviável. Eis a correta e inelutável interpretação do valor simbólico desses atos.
Está certíssima a Professora Marilena Chauí nesse ponto e nós, tendo buscado alguma aproximação via R.I.C. com os praticantes de Bloqueio Negro do Rio e de outros Estados, podemos explicar os exatos motivos da aparente contradição: existem muitos anarcocomunistas e a anarcossindicalistas entre os adeptos da tática em questão; existem, ainda, pessoas oriundas das esquerdas partidárias, e todos estes, junto com os que ainda buscam definições, têm freqüentado palestras e rodas de debates com acadêmicos de orientação marcadamente comunista libertária — ou socialista libertária, como estes têm preferido dizer, numa versão light, ou diet da mesma expressão. Eu mesmo compareci, recentemente, a uma palestra seguida de debate anunciada por eles com os historiadores Alexandre Samis, professor do Colégio Pedro II, e Carlos Augusto Addor, professor da UFF; o primeiro, mais próximo, pelo que me pareceu, do anarcossindicalismo, o segundo, definindo-se como um socialista libertário.
Ora, é patente que a “derrubada” do Estado, hoje, sem o colapso anterior do sistema internacional de exploração conduzir-nos-ia de imediato ao anarcocapitalismo, i.e., a um ultraneoliberalismo: ponto mais distante possível do anarquismo propriamente dito, em qualquer vertente aceitável. Assim, a pauta do Bloco Negro tem sido, sim, sem sombra de dúvida, de demandas institucionais ao poder constituído, mas não, por conta disto, estrategicamente, antianarquista. Sabemos que estratégia, em política, é a algo mais amplo que as táticas adotadas sob a sua inspiração. Assim, por exemplo: as táticas de bloqueio negro seriam um dos caminhos que a estratégia anarquista considerou empregar, nas últimas décadas. Sucede que tais demandas ao Estado, no sentido de fortalecê-lo, melhorando-o, ao invés do emprego do princípio do quanto pior melhor, constituem-se num institucionalismo — provisório, dentro da estratégia libertária, que é absolutamente lúcido e, mesmo, imprescindível dentro da boa análise da conjuntura.
Na pós-modernidade plena que adentra, aos poucos, o embate entre tendências político-econômicas que fará sentido será tão-só esse: entre o anarcocounismo — ou anarcossocialismo, a quem prefira — e o anarcocapitalismo, defendido, aqui e ali, por muitos e bem iconizado por Jorge Soros. O comunismo marxiano ortodoxo, o stalinismo, o maoísmo, tudo isso soçobrou, antes da virada do século, junto com a tendência messiânica do próprio Marx, esse crítico genial do capitalismo, que, não obstante, se pretende capaz de engendrar um modelo universal de gestão política e social, sem levar em conta a incomensurável diversidade de culturas, de línguas — e linguagens, i.e., de esquemas especiais de objetividade-subjetividade —, de perspectivas históricas e graus de evolução em relação à arqué de cada pacto nacional existente.
E, além da nota do internacionalismo, que precisa ser repensada em termos de — plurinacionalismo, o marxismo inspirou, ainda, regimes verticalizados e burocratizados em excesso, que as sociedades da informação, embriões da sociedade do conhecimento, onde quer que já tenham se estabelecido, não acatarão mais, em qualquer hipótese. Quanto ao liberalismo, este vetusto sistema seiscentista só pode ser e só é objeto das defesas bufas de um pequeno grupo de comediantes tristes e raivosos disfarçados de intelectuais e jornalistas, a maioria dos quais já devia estar presa por charlatanismo. O que temos pela frente é, repetimos: o embate entre o socialismo libertário e o anarcocapitalismo, este último, entendido como um capitalismo sem fronteiras, — sem bancos centrais, com uma moeda única universal e etc..
E, estrategicamente, a posição dos comunistas libertários não pode ser outra que a institucionalista provisória, com a busca do Estado de Bem-Estar Social e do represamento do neoliberalismo e de sua investida contra os direitos trabalhistas e sociais em geral. Isso para, mais adiante, após o colapso certo — e ajudado — do sistema internacional de geração de mais-valia, finalmente, poder-se propor as bases de uma sociedade horizontalmente organizada, sem estruturas de cogência, onde possa ser posta em prática a abolição penal e outras bandeiras anarquistas basilares.
O segundo tópico no discurso da Professora Marilena Chauí que o jornal já citado traz a baila é o seguinte:
Temos três formas de se colocar. Coloco os “blacks’ na fascista. Não é anarquismo, embora se apresentem assim. Porque, no caso do anarquista, o outro [indivíduo] nunca é seu alvo. Com os ‘blacks’, as outras pessoas são o alvo, tanto quanto as coisas”, disse ela.
A crítica é novamente precisa. É aguda, cirúrgica e dura, extremamente dura. Sobretudo, porque aproveita, não só aos jovens do Bloco Negro, mas a toda a esquerda, que visa pessoas renitentemente: Fora Cabral, Fora FHC; Fora Alckmin, Fora Collor, fora este, fora aquele. Esse modelo — aliás, façamos justiça, criada pela Convergência Socialista, ou PSTU para conclamar a sociedade a pedir o impedimento de Fernando Collor — tem sido uma marca das esquerdas, desde então. E trata-se de um grito de guerra que visa a pessoas.
O Bloco Negro visa, outrossim, aos policiais, que são pessoas; usam, inclusive, o slogan internacionalmente difundido All Cops Are Bastards, sigla A.C.A.B., ou 1.3.1.2., em codificação numérica. E, da mesma forma, as esquerdas, em toda parte, usam o quiçá ainda mais difundido slogan: Fuck Police. Basta que pesquisemos sobre um e outro através da R.I.C. e teremos miríades de resultados nas mãos, ilustrações, cartazes virtuais e etc.. Então, novamente: é aquele contato estreito dos bloqueadores com as esquerdas partidárias, seus erros e acertos, o que tem definido a sua conduta nos pontos destacados pela ilustre acadêmica.
Zizek diz que todos temos as nossas fantasias fascistas ocultas e, como desnuda a filósofa, essas unidades entre pessoas que formamos para atacar outras pessoas e para nos protegermos, mutuamente, são sempre, inelutavelmente, persecutórias, logo, na sua extensão ao campo político: fascistas. Portanto, devemos, todos os progressistas, inclusive o Bloco Negro, tomar muito cuidado com o abuso promíscuo desses esquemas de aglutinação em torno de ações antipessoais: contra indivíduos mais que contra idéias equivocadas, conceitos e preconceitos enferrujados, sem renunciar, por outro lado, à prerrogativa de pedir impedimentos de políticos e agentes públicos políticos em casos de necessidade real e urgente de tal recurso.
Não podemos esperar, é certo, que os jovens praticantes de bloqueio negro sejam os mais puros entre os mais puros de todos os ativistas progressistas que conhecemos: seria cobrar demais deles, já nos seus primeiros passos dentro do cenário político pátrio. Mas precisamos, sim: louvar esses jovens como vanguardistas por trazerem à baila a palavra anarquismo, como uma das tags do momento, quando o comunismo libertário estava ainda sendo visto como meramente romântico pela sociedade brasileira, distraída, até ontem, em relação ao adentrar desta Terceira Contemporaneidade, ou Terceira Pós-modernidade, que ora temos conhecido de frente no terreno político.**
*Esse comentário de Lula sucedeu ao entrevero entre Carecas do Brasil e participantes do Fórum de São Paulo, iniciado, gratuitamente, por aqueles e comentado por nós em A CONFUSÃO EMBARAÇOSA DO PORTAL iG ENTRE SKINHEADS DEEXTREMA DIREITA, ANARCOSKINHEADS, ANARQUISTAS E FASCISTAS.
**Já escrevemos noutra nota de rodapé: […] primeiro, veio a Idade de Bronze da Contemporaneidade, com Kant e seu — Sapere aude; depois, veio a Idade de Prata da Pós-modernidade, com o positivismo, a retomada da suposição, da poesia como via de conhecimento, o que permitiu todo o progresso tecnológico descomunal observado nos dois últimos séculos passados; finalmente, avistam-se as alvas da Idade de Ouro da Contemporaneidade, que adentra com a hecatombe do sistema de exploração e a eliminação dos resíduos modernos e […] socráticos.
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