Ignacio Delgado: Golpe detona direitos que nem FHC conseguiu enterrar

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Um pitaco sobre as raízes da crise fiscal e as motivações do golpe

por Ignacio Godinho Delgado

A desoneração da folha de pagamentos das empresas efetuada por Dilma vinha acompanhada da perspectiva de substituir a contribuição previdenciária convencional por uma taxação sobre o faturamento.

As CAPS [Caixas de Aposentadorias e Pensões], de 1923, quando o Brasil era uma economia aberta, eram financiadas também com mecanismo equivalente, que reduz o custo da produção e torna-a mais competitiva. Apesar de controversas, as desonerações sinalizavam para um processo incremental de reforma tributária pró-investimento.

Este era o entendimento da CNI, que, em 2014, assinalava ser a medida apoiada por 92% dos empresários, favorecendo o investimento e o emprego.

O problema é que tal estímulo não veio acompanhado da elevação dos investimentos. Por quê?

Por que a taxa de lucros já vinha em declínio há algum tempo, por força da pressão dos importados?

Por que a financeirização da economia brasileira torna todos cúmplices dos juros altos e os ganhos vislumbrados com as desonerações foram majoritariamente para as aplicações financeiras?

Por que Dilma, ao contrário de Lula, desprezou os fóruns de articulação com o empresariado e deixou crescer a desconfiança, alimentada diuturnamente pela mídia, desde 2012, quando resolveu enfrentar os bancos (além, é claro, das medidas controversas na área de energia e nas licitações nas rodovias)?

Não é fácil determinar as razões da ausência de resposta dos empresários.

Apesar dos juros maternais do BNDES, da desvalorização cambial progressiva ocorrida no governo Dilma e das desonerações, os empresários não investiram como se esperava, além de começarem a pressionar pela mudança da lei do salário mínimo e da legislação trabalhista, reaproximando-se do discurso da década de 1990 e abandonando o pacto proposto no Plano Plurianual de 2004-2007(crescimento puxado pela expansão do consumo de massas, com elevação da inovação nas empresas).

Sem inversões, o resultado foi a queda da arrecadação.

A queda do preço do petróleo e a Lava Jato completaram o serviço, detonando a Petrobrás e as construtoras brasileiras, impedindo que as obras públicas sustentassem o crescimento.

Por fim, não fosse a guerra civil midiática e a pressão externa, não estaríamos na situação que estamos e, provavelmente, o horizonte da direita seria o de amargar uma quinta derrota em 2018, quando já estariam concluídas obras como a transposição do São Francisco, Belo Monte e adiantada a ferrovia Norte-Sul.

O golpe foi, portanto, defensivo e ofensivo. No primeiro caso, impedindo a permanência da esquerda no poder (por isso só se completa com o delenda Lula).

No segundo, abrindo uma janela de oportunidade para levar adiante, sem um único voto, o programa que sequer FHC, conseguiu implementar plenamente entre 1995 e 2002.

Ignacio Godinho Delgado é ProfessorTitular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nas áreas de História e Ciência Política, e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.

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Nilda Rosa dos Santos

assista o vídeo – QUEREM PRENDER O LULA – o Brasil precisa se mover

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Ignacio Godinho Delgado

Muito obrigado pelos comentários de grande qualidade. Na verdade este foi um pitaco no Facebook para apenas lembrar que, malgrado as inconsistências que você tão bem apontou, a proposta de desoneração vinha acompanhada da perspectiva de substituição tributária, não de sua eliminação pura e simples. Queria, também destacar que os empresários aplaudiram e indicavam como uma medida importante para o investimento. Por fim, a proposta parecia ser capaz de afetar o custo da produção, com impacto sobre os preços e a decisão de investir.
Sabe-se que isto não ocorreu. Em parte por conta do que você acentuou. Embora um tributo cobrado APÓS a produção realizada, a tributação sobre o faturamento pode, ao contrário do tributo sobre o lucro, ser repassada ao preço do produto, como, aliás, observara Wanderley Guilherme dos Santos em seu Cidadania e Justiça nas passagens que trata da CAPS.
Apesar disso, não me parece estabelecido que a recusa a investir dos empresários derive apenas de fatores estritamente contábeis ou da avaliação do custo de oportunidade que os levaria a aplicar no mercado financeiro ou comprar uma casa em Miami, com o aumento da taxa de lucros resultante da desoneração. De certa forma, Dilma estava criando um ambiente mais favorável ao investimento no qual a substituição tributária encaminhada era apenas uma parte: buscou derrubar a taxa de juros; promoveu paulatina, mas consistente, depreciação cambial e manteve e ampliou as linhas de crédito do BNDES. O que não deu certo? Fala-se na queda da taxa de lucros, da ausência de crescimento da produtividade, afetada, ainda, pela política salarial. Assim os empresários teriam migrado para o projeto da década de 1990, o que fica evidente na tentativa de acabar com a multa referenciada no FGTS em caso de demissão, nos apelos pela terceirização e na crítica á política de valorização do salário mínimo. Mas foi isso apenas? Com as linhas do BNDES, a desoneração, a queda dos juros e a depreciação cambial, em meio aos diversos programas de estímulo à inovação, não seria possível outro caminho, em que o investimento inovador driblaria a elevação do custo do trabalho, conforme apontara Marx, Prebisch e Furtado?
Minha desconfiança, meu pitaco é que o problema foi basicamente político, levando-se em conta que decisões econômicas dependem fortemente de expectativas. Por um lado, os interesses externos contra a lei do petróleo e os BRICS se mobilizaram fortemente com o apoio da mídia, e dos recorrentes comentaristas econômicos, para derrubar esta alternativa, enquanto punham em movimento o antipetismo da classe média. Por outro lado, Dilma foi um desastre de condução política e coordenação com o empresariado. Em 2009, no furação da crise, Lula convocou e participou diversas vezes do CDES onde acertava e criava confiança nas medidas propostas. Mantinha, ademais interlocução permanente com os empresários. E Dilma?. Pois bem, Dilma tentou movimentos bruscos na área de energia e nas concessões e fez a blitz contra o spread bancário valendo-se da Caixa e do BB. Conquanto simpático a este último movimento, tais giros têm que ser bem sustentados junto aos setores empresariais que dele se beneficiariam. Sem fazer isso, até o empresário pé rapado passou, com o bombardeio midiático, a vê-la como uma “intervencionista”. Estou na direção de um organismo na UFJF que lida com incubação de empresas. Esta palavra, “intervencionista” era amiúde formulada por empresários que só teriam a ganhar com as medidas de Dilma. O mesmo ocorreu com segmentos tradicionais que não tinham nada a perder com o “intervencionismo” efetuado. Prevaleceu, contudo o clima de que vai chegar até mim. Ao final de 2014, a queda da arrecadação foi a boca de urna desses setores. Quando entrou 2015 estavam totalmente ganhos para o golpe, na esperança de voltar a investir apenas com a redução do custo do trabalho via terceirização, mudança na política salarial e revisão da CLT.

Patrick

É importante que a esquerda tire de lição dessa crise que não é possível substituir a contribuição previdenciária por uma contribuição sobre o faturamento, tese que já vi defendida até pelo Sakamoto. São várias as razões:

1) A contribuição previdenciária patronal é um imposto direto, proporcional à renda. Não é progressiva mas o mero fato de ser direta já a torna fiscalmente mais justa que uma contribuição sobre o faturamento, que é um tributo indireto e que é arcadado pelo consumidor.

2) Sua arrecadação é mais resiliente diante das crises. As contribuições sobre o faturamento são atingidas imediatamente por crises econômicas, causando efeitos fiscais imediatos. As contribuições previdenciárias são mais estáveis e os efeitos de crises sobre sua arrecadação levam meses pra causarem impactos – e mesmo assim representam percentuais menores de queda que os de tributos sobre o consumo e o faturamento.

3) Impostos sobre o consumo, quando são alvo de desonerações (exemplo clássico: IPI), são facilmente identificados pelo consumidor, proporcionando resultado direto na recuperação da economia. A parcela patronal da contribuição previdenciária, quando desonerada, não ficou visível para ninguém, nem trabalhador nem consumidor. Resultado: virou simplesmente aumento na margem de lucro.

4) Mas, um momento, aumento na margem de lucro não se transforma em investimentos, como se ensina em introdução à macroeconomia ortodoxa? Dilma e um caminhão de gente na esquerda acreditou nisso, achando que deixaríamos o “perdulário” crescimento pelo consumo da Era Lula pelo “virtuoso” crescimento pelo “investimento” produtivo. Talvez essa tese de lucro se tornar investimento fosse verdade há 200 anos, em economias relativamente fechadas e sistemas bancários simples. Nos dias de hoje, esse plus nas margens de lucro não vira necessariamente um depósito num banco local (que aliás, também não irá necessariamente transformar esse depósito num empréstimo para o setor produtivo), mas – provavelmente – resultará em aquisições de imóveis em Miami e depósitos em paraísos fiscais, além de atividades especulativas. Vi, mas perdi a referência, perdoem-me, que há um estudo da equipe de pesquisa de Piketty mostrando que, no presente, 90% da poupança dos ricos vai pra atividades especulativas (bolsa, terrenos, derivativos etc.) e apenas 10% segue o caminho clássico de se tornar funding para empréstimos ao setor produtivo.

5) Em tributos sobre o faturamento, há apenas os olhos do fisco para garantir que serão efetivamente pagos. Sobre contribuições previdenciárias, além do fisco, há os olhos dos sindicatos, da Justiça do Trabalho e dos próprios funcionários dos setores de contabilidade (que podem não ligar pra uma sonegaçãozinha aqui ou ali sobre o consumo, mas estão muito mais atentos a calotes que podem afetar sua própria aposentadoria). O nome bonito que dão a isso aqui é accountability. Paradoxalmente, contribuições previdenciárias são menos visíveis para o consumidor, mas são mais difíceis de sonegar.

Enfim, como corolário de tudo que foi exposto, com desonerações na invisível contribuição previdenciária (tradução: REDUÇÃO DE IMPOSTOS!) ficará muito mais fácil que à direita ninguém – absolutamente ninguém! – reconheça que a crise fiscal que você criou é porque você baixou impostos (e mesma à esquerda pouquíssima gente se lembra disso). Dirão simplesmente que o problema fiscal é porque você é perdulária, gasta demais em universidades e com os velhinhos da previdência, e não sabe administrar.

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