Gilson Caroni Filho: Vida no capitalismo, uma ideia fora do lugar?

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Passada a Rio+ 20, cabe indagar se já há condições políticas para que a acumulação privada possa ser feita sem a concomitante destruição das forças produtivas, sem a reprodução de uma lógica perversa? Sem aprofundar esse debate, a ecologia política deixa lugar à falação protelatória e vazia.

por Gilson Caroni Filho, em Carta Maior

Karl Marx escreveu que “o consumo militar”, no sentido propriamente econômico, é o mesmo que se uma nação jogasse na água uma parte do seu capital. Isso beneficiaria, sem dúvida, toda a humanidade.

Mas aqui é necessário se debruçar sobre uma questão: pode o capitalismo, em sua configuração atual, sobreviver sem a corrida armamentista? Passada a Rio+ 20, cabe indagar se já há condições políticas para que a acumulação privada possa ser feita sem a concomitante destruição das forças produtivas, sem a reprodução de uma lógica perversa? Sem aprofundar esse debate, a ecologia política deixa lugar à falação protelatória e vazia.

Se, como diria Clemenceau, a guerra é muito séria para ser assunto exclusivo de militares, a preservação de nossos recursos naturais e de nosso meio ambiente é assunto tão essencial para a nossa sobrevivência e para a sobrevivência das instituições democráticas que não pode ser deixada ao arbítrio das elites políticas, da tecnocracia ou até mesmo de um grupo de ambientalistas iluminados. Não existe maior desastre ecológico do que a exploração econômica e as condições subumanas a que é submetida grande parte da população mundial.

Em 1982 – e lá se vão 30 anos – Pierre Trudeau, então primeiro-ministro do Canadá, durante uma conferência de imprensa nas vésperas de uma reunião dos sete principais capitalistas, declarou: “Com o que gastamos em cerca de duas semanas com armamentos, poderíamos garantir alimentação e moradias a todo o mundo, durante um ano, inclusive aos países subdesenvolvidos.”

Para suprir as necessidades militares, despendem-se todos os anos de 700 a 750 milhões de barris de petróleo, o que é duas vezes mais do que consomem anualmente todos os países da África. Nos anos 1970, a Organização Mundial de Saúde (OMS) conseguiu liquidar a varíola no globo terrestre tendo gasto, em apenas uma década, US$ 83 milhões – importância que, à época dava pra comprar apenas um bombardeiro estratégico.

Estimativas da ONU, em 1982, calculavam que o desarmamento nuclear completo liberaria mais de 20 mil cientistas e técnicos nucleares no campo da energia atômica. Eles poderiam tomar parte dos programas nucleares pacíficos de países democráticos da periferia do Velho Mundo.

Segundo o investidor estadunidense R. Sayard, para liquidar o analfabetismo da população mundial, em 20 anos, seriam necessários apenas US$ 1,2 bilhões, soma inferior ao total das despesas militares em um só dia. Mas essa conta soa como sofisma a uma sociedade regida pela lei do valor.

Nos anos 1960, V. Leontiev, economista americano, calculou que uma redução dos investimentos militares em US$ 8 bi liquidaria 254 mil postos de trabalho. Todavia, o investimento desse montante no setor civil criaria 542 mil novos empregos. Uma reorientação que reduzira em 288 mil o número de desempregados nos Estados Unidos. Que argumento sobra aos partidários da corrida armamentista, quando defendem o aumento de despesas em armas destrutivas como única alternativa para a solidez da economia?

É verdade que a militarização da economia da Alemanha Nazista acabou com o desemprego no país, mas será essa a única lição que a economia política estadunidense aprendeu? A morte, dependendo do valor agregado que ela contenha, é um grande negócio, um derivativo seguro e com rentabilidade assegurada?

Para aqueles que se situam no campo progressista do espaço político, a luta pela paz se integra organicamente na luta por um socialismo democrático. O momento é de resgatar a eco política das mãos da elite. Caso contrário, seremos obrigados a trocar o esperançoso “um outro mundo é possível” por um sombrio “nenhum mundo é viável”. Enquanto isso não cessa a produção de armas táticas e aumenta a produção de ogivas estratégicas. A ideia de um mundo desnuclearizado, proposta por Obama, continua, em tudo e por tudo,”uma ideia fora do lugar.”

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro.


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Comentários

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abolicionista

O capitalismo realmente não possui freio de emergência, continuará consumindo aceleradamente todos os recursos naturais, concentrando a riqueza, produzindo conflitos, e, de tempos em tempos, crises terríveis como a atual. O papel do exército é fundamental do ponto de vista político, em que pode frear ou dar ensejo a golpes e revoluções, mas não creio que seja o grande determinante em termos econômicos. Para o mercado capitalista, tudo é mercadoria, de chinelos a bombas nucleares, afinal, tudo se resume a valor. Só existem diferenças quantitativas. Um coisa, no entanto, é certa: É preciso reinventar o socialismo, é preciso recriar essa ideia simples, mas de tão difícil execução.

Coutinho

Como todos sabem, o capitalismo é movido a ganância e egoismo. Os capitalistas vendem qualquer coisa sem se preocuparem com o destino dos demais. Quanto a Obama, o Prêmio Nobel da Paz que lhe foi conferido, foi o ato mais surrealista já visto. Como uma instituição tão séria e importante se comporta com tanta ingenuidade, dando um cheque em branco a uma pessoa cujo trabalho ainda não foi realizado?

Eudes Hermano Travassos

Penso que todo artigo resume-se nesta interrogação: “pode o capitalismo, em sua configuração atual, sobreviver sem a corrida armamentista?” Dela tambem refletir se o a produção bélica é simplesmente uma uma extratégia de mercado ou seja, gerar emprego, renda…..etc, ou se é uma possibilidade de sua extratégia hegemônica, se não faz parte da política econômica do capital.
Ouso a dizer que politicamemnte o capitalismo é o sistema do medo.

Reinaldo

A questão ecologica tem que estar associada a social, enquanto temos no mundo milhões de seres humanos com fome ou excluidos economicamente, os mauricinhos estão ai a defender a bandeira do verde.

Fabio Passos

Não faz sentido defender este regime que está arruinando a humanidade e destruindo o planeta. Lucro é tudo o que interessa a diminuta minoria que pouco se importa com a vida humana.
Valores. Lucro e acumulação ilimitada acima de tudo.
A irracionalidade do regime só se mantém pelo uso extremo de violência. 1% arrebentando com os outros 99%.
Já passou da hora de dar cabo destes tiranetes que agem como donos do mundo que estão destruindo.
Ceifar os pescoços destes miliardários assassinos é questão de sobrevivência para toda a humanidade.

assalariado.

Contradições entre o que é necessário para o bem estar dos humanos e do planeta, é que não faltam neste elenco de necessidades citados pelo Sr. Gilson Caroni. Com certeza, o capitalismo não cairá de maduro, cairá de podre, junto com seus defensores e os seus ouros. É claro, com o devido empurrãozinho dos socialistas revolucionários. O capital imperialista, mais conhecido como G7, em tempos de crise -(superprodução)-, sempre recorrem as guerras em terras coloniais, é claro! Invadem território alheio, tomam de assalto as suas riquezas naturais, no atacado, além, é claro, de se enriquecerem, as custas do suor da classe assalariada, no varejo.

Guerras, saques, destruição geral para recolocação material, exploração do coletivo social, violência de todos os tipos, salários de fome, miséria, entre outros males, são frutos comuns à esta arvore ideológica. Vocês querem mudar esta lógica histórica do capital? É o mesmo se quiserem misturar o óleo e a água. Quanto ao campo progressista só está faltando avisar o povo. O caminho a ser seguido pela esquerda, é sim, em direção a base social do sistema, e, não se alinhar e se alienar por dentro deste. Socializar, via partidos, o conhecimento com as massas, este é o caminho. Isto para quem pensa socialista, de fato.

Saudações Socialistas.

Francisco

A arma nuclear escalona as guerras em duas: os países que podem travar guerras entre si e os que não podem. Os países que não podem travar guerras entre si, podem travar guerras com qualquer outro, onde quiser, como quiser, quantas vezes quiser, pelo motivo que quiser ou sem motivo algum…

Zilhões de dolares e não poder usar as armas, não dá. O esquema de Obama é o seguinte: com Russia não vai ter guerra, nem com China (se tiver, vai ser a última), então é ter armas para fazer parte do “grupo dos países que não podem lutar entre si” e investir pesado nas armas que permitem fazer “bulling” com os “perebas”.

Quem são os “perebas”? Libia, Siria, Irã, Iraque… Brasil…

Essa politica estimula o fim das armas nucleares? Ai, ai…

Roberto Locatelli

Obama não propôs a extinção das armas nucleares a sério. É apenas peça publicitária.

No entanto, o capitalismo estadunidense está investindo tal soma em armas mortíferas, como os aviões-robôs, que no futuro as armas nucleares podem se tornar obsoletas.

Só há um inimigo que o capitalismo não consegue derrotar: ele mesmo. Os EUA estão numa situação insustentável, imprimindo dinheiro para tapar rombos gigantescos. Depois das eleições presidenciais, a coisa toda vai desmoronar.

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