Gezilda Lima: Meu caro Presidente Lula, um esclarecimento sobre Rússia e Ucrânia

Tempo de leitura: 4 min
Na noite de 30 de dezembro de 2022, a Ucrânia lançou um ataque com mísseis contra uma base militar em Donetsk, que estava ocupada por soldados russos. Na imagem acima, os destroços da ação. Foto: Sputnik News

Meu caro Presidente Lula,

Um ponto sobre Rússia e Ucrânia

Por Gezilda Lima*

Eu gostaria muito que chegasse aos ouvidos do meu companheiro Presidente Lula o meu olhar sobre o que a mídia brasileira não fala sobre o conflito Rússia e Ucrânia e, infelizmente, ele também vem ignorando.

Tenho total concordância com a iniciativa dele de buscar saídas para solucionar o conflito.

Só me atrevo a entrar nesse campo por ter vivido os últimos 23 anos em Moscou.

Ter morado ali me possibilitou estabelecer contatos relevantes na Ucrânia, conhecer de perto ambas as realidades, estudar a história dos dois países e acompanhar todo o desencadeamento do conflito.

Por isso, ferem os meus ouvidos quando o nosso presidente cita como negativo o fato da Rússia ter invadido a Ucrânia.

E é neste ponto que quero me deter porque grande parte da esquerda tem passado displicentemente por cima disso, até reproduzindo a falácia da grande mídia ocidental.

Veja.

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1. A Ucrânia era uma das repúblicas da União Soviética, também conhecida como União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A URSS, é a sua sigla, foi criada em 1922 e dissolvida em 1991.

2. A região da Crimeia, por sua vez, ficava em território russo, pertencendo assim à República Socialista Soviética da Federação Russa.

3. Em 19 de fevereiro de 1954, Nikita Khrushchov, então primeiro-ministro da URSS, assinou um decreto transferindo a região da Crimeia para a República Socialista Soviética da Ucrânia.

4. Com a dissolução das repúblicas soviéticas em 1991, o óbvio seria que essa região da Crimeia retornasse ao seu status anterior, por tratar-se, originalmente, de um território russo, e assim fosse reincorporada à Rússia após a queda da União Soviética.

5. Mas não foi o que aconteceu após a queda da União Soviética. A Crimeia continuou fazendo parte da Ucrânia indevidamente.

Por isso, desde a queda da União Soviética o descontentamento fervia na Crimeia. São povos originalmente russos que aí residem. E que, por sua origens, mantêm costumes e a língua russa.

6. Em 2014, a chamada revolução laranja resulta em um violento golpe de estado que derruba o presidente da Ucrânia e uma nova ordem é implantada lá. Essa revolução se materializa na matança deliberada de ucranianos de origem russa.

7. Desde então a Ucrânia está em guerra civil.

8. Por discordar da nova ordem implantada na Ucrânia, a região da Crimeia democraticamente fez um plebiscito que decidiu pela reincorporação daquele território à Rússia.

9. Assim que a Rússia assumiu a determinação do plebiscito na Crimeia, outras duas regiões decidiram seguir o mesmo caminho: Donetsk e Lugansk; juntas formam o complexo de Donbáss.

Após realizarem seus plebiscitos, e aqui estou falando dos primeiros plebiscitos realizados em 2014, onde se autodenominavam Repúblicas Independentes de Donetsk e de Lugansk, elas se dirigiram ao governo russo reivindicando também sua incorporação.

10. Porém, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, até mesmo para evitar um conflito direto com o governo ucraniano, não acatou o pedido de Donbáss.

Na tentativa de solucionar esse conflito interno na Ucrânia, foram firmados os acordos de Minsk I e II, que contaram inclusive com a participação de países europeus.

11. Porém, os dois acordos não foram cumpridos pelos sucessivos governos ucranianos.

12. É importante destacar que a campanha eleitoral do atual presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, teve como principal bandeira acatar as determinações dos Acordos de Minsk e, principalmente, colocar fim à guerra civil em curso no país, que já contava com muitas mortes. Em 2021 já se contabilizavam mais de 14 mil mortos.

13. Justamente devido a esse desejo dos ucranianos Zelensky teve ampla votação.

14. Porém, a falta de compromisso com as bandeiras de campanha e a ambição de tornar a Ucrânia país membro da União Europeia agudizaram ainda mais as relações entre Ucrânia e Rússia.

O pomo da discórdia era principalmente a exigência da Ucrânia em querer que o governo russo mantivesse todas as enormes benesses que a Ucrânia tinha, particularmente nas relações comerciais com a Rússia, como decorrência de acordos assumidos quando da dissolução da União Soviética.

15. Putin não concordou por uma razão muito óbvia. Em a Ucrânia se tornando membro da União Europeia, seria impossível para a Rússia, criar tratamentos diferenciados nas relações com diferentes países da União Europeia.

Um tratamento vantajoso para a Ucrânia então imporia distensões nas relações da Rússia com os demais países europeus.

Na tentativa de buscar fortalecimento das posições ucranianas, Zelensky apontou então para o desejo de se filiar à OTAN, como forma de forçar a Rússia a ceder.

Deu-se o contrário, à medida que o governo russo começou a identificar o deslocamento de reforço militar da OTAN para suas fronteiras com a Ucrânia.

Em fevereiro de 2022, diante do verdadeiro genocídio ucraniano durante 8 anos sangrentos, as Repúblicas de Donetsk e Lugansk pediram ajuda direta às Forças Armadas da Rússia.

Valendo-se de lei internacional com jurisdição na ONU, a Rússia reconheceu então a legalidade de Donetsk e Lugansk, o que lhe permitiu levar suas tropas para essas duas Repúblicas.

O que clara, legal e oficialmente, consubstancia o direito da Rússia de permanecer nessas duas repúblicas por pedido expresso das autoridades daquelas regiões.

Todo o resto já é de conhecimento nosso e do presidente Lula.

Termino aqui as minhas reflexões, já que o meu objetivo era apenas apresentar razões para o presidente Lula evitar difundir que a Rússia TERIA INVADIDO TERRITÓRIO UCRANIANO.

Obviamente, não me furtarei a ampliar este debate, se necessário.

Um grande abraço e forte desejo em contribuir para o fortalecimento e desenvolvimento soberano de nosso país e de nosso governo democrático.

Estamos juntos!

Gezilda Lima é jornalista, economista e produtora/diretora de cinema. Morou em Moscou de abril de 2000 a novembro de 2022.

Leia também:

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Marcelo Zero: O que aconteceu na Rússia?

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Comentários

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Luiz Fernando P Barros

Parabéns!
Excelente explicação!
Acho que o presidente Luiz LULA LIDER mundial sabe o que está acontecendo entre Rússia x Ucrânia (que tem um bozo que sabe comer de garfo e faca), mas “ainda” não dá para encarar a matriz e nossa mídia servil.

Nilton Carvalho

EUA é o pior país do mundo, sempre usando outros países para guerras, ou melhor, para vender armamento. Os EUA querem dominar o mundo, e quando ele cai, vai ser de quatro.
A guerra é entre EUA e seus aliados contra a Rússia, e eu estou torcendo para a Rússia.

Pedro de Alcântara

Meus parabéns Gezilda. É preciso atentar para sua crítica à esquerda.

Pedro de Alcântara

Creio que para ampliar o debate não se pode esquecer que o poder na Ucrânia foi assaltado por uma horda nazista. Tivemos por aqui algo parecido, ou seja, o golpe contra o Brasil que veio dar na eleição de fascistas. Tanto os Estados Unidos como a Europa apoiam exatamente esses nazistas. Algo bem parecido aconteceu na segunda guerra mundial.

Luiz Fernando Melo

Muito bom sua explanação. Aliás foi o que conheci através de documentos e de mídia não subordinada.

Cicero

Eu nem vou entrar na questão da região fronteiriça da Criméia, que, diferente do que essa senhora fala aí, já foi invadida e controlada por um punhado de povos diversos desde o milênio passado. Nem citar seu erro lógico, ao dizer que a Crimeia era da URSS e foi doada à Ucrânia, quando não existia URSS como pais e sim como união de repúblicas. Para ser da URSS, a Crimeia teria de pertencer antes a algum desses países. Nem vou citar o Holodomor de 1932, orgulho socialista. Não. Só fico pensando é o que faz um cidadão adulto achar que uma nulidade como o gagá e mentiroso Luís Inácio teria alguma envergadura moral e estratégica para “buscar saídas para solucionar o conflito”. Esse povo vive em Nárnia.

Luiz

Companheira Gezilda, você tem toda razão em resgatar a história dos acordos e as razões da Rússia ter entrado no território Ucraniano, para defender os russos de origem e se proteger dos EUA, porque os EUA tem interesse em tomar as riquezas russa, é o que eles fazem. O Lula tem boa assessoria e sabe disso, porém, ao se posicionar contra o adentramento da Rússia na Ucrania e defender a paz, ele se posiciona contra a invasão de qualquer país, por um outro e defender a paz, coloca que em cheque os EUA, que é o maior invasor e ladrão de riquezas do planeta.
Ele sabe que qualquer acordo de paz será debatida os acordos não cumpridos, o desmanche do pacto de Varsóvia e a própria manutenção da OTAN. A inteligência russa sabe que o Lula precisa se posicionar dessa forma, mas

dando um cheque nos americanos e que no acordo de paz, as coisas precisam ser colocadas em pratos limpos

Morvan

O nosso presidente, o estadista Lula da Silva, sabe tanto quanto vós, honorável Gezilda. Apenas, no mundo da diplomacia, as coisas não funcionam tão diretamente como alguns (até eu mesmo!) gostariam. Que a terminologia, “invadiu” é imprópria, principalmente ao se considerarem razões [legítimas] da Rússia, a destituição de Governos idem legítimos, na Nazicrânia, como sói, pelo método “primaveril” da OTAN, é pacífico para quem aprendeu a ler nas entrelinhas… Mas Lula precisa agir dentro dos próprios arcabouço e limites da diplomacia.
No mais, saúdo seu texto. Muito importante, mesmo para nós, que não acreditamos na imprensa “ocidental”, saber do seu testemunho. Parabéns.

Mário Cesar Serafim

Também acho o Lula completamente equivocado ao afirmar, com alguma frequencia, que a Rússia invadiu a Ucrânia, se unindo ao coro da mídia americanalhizada do ocidente. E os EUA, que invadem o mundo inteiro, mesmo contra a vontade dos povos inv adidos? A Ucrânia foi vítima de uma guerra híbrida provocada pelo ocidente. Zelenski não passa de um palhaço a serviço dos interesses norte americanos, da mesma forma que Temer, Bolsonaro e outros traidores da pátria que abundam em nossa terra, infelizmente.

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