Escadaria da Saúde Pública da USP agora é David Capistrano Filho, revolucionário construtor do SUS
Tempo de leitura: 6 min
Redação
Nessa segunda-feira, 10 de novembro, fez 25 anos que o médico sanitarista David Capistrano da Costa Filho (1948-2000) partiu.
A Faculdade de Saúde Pública da USP se juntou à homenagem de familiares, companheiros e amigos ao pioneiro na concepção e implatação do SUS.
Esse é o conteúdo do QRCode da placa na escadaria David Capistrano Filho na entrada principal da Faculdade de Saúde Pública da USP, inaugurada ontem, 10-11-25, na Faculdade de Saúde Pública da USP
A escadaria, na entrada principal da Faculdade, agora leva o nome de David Capistrano Filho, como mostra a imagem acima.
No QRCode da placa inaugurada ontem, está escrito.
A Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo se junta a esta homenagem ao sanitarista David Capistrano da Costa Filho (1948 – 2000), pioneiro na Concepção e Implantação do SUS, realizada por seus familiares, companheiros e amigos, em tributo a sua obra, nos 25 anos de sua morte.
Sanitarista, um revolucionário construtor do Sistema Único de Saúde
David Capistrano da Costa Filho nasceu em uma família de comunistas nordestinos, seu pai David Capistrano da Costa, cearense, foi deputado constituinte (PCB) por Pernambuco em 1946 e cassado no ano seguinte. Foi sequestrado e assassinado pela ditadura em 1974; sua mãe a paraibana Maria Augusta de Oliveira, militante desde jovem do PCB da Paraíba, conheceu David numa reunião do comitê estadual do PCB. Concorreu, em dobrada com José Vandregíselo de Araújo Dias, pai de Geraldo Vandré, para deputada estadual em 1946 pelo PCB, não tendo sido eleita.
Depois do golpe de 1964, David Filho foi para o Rio de Janeiro, onde cursou medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) de 1967-1972. Fez residência na Unicamp de 1974-1975, período em que foi mais uma vez preso em sua longa história de detenções iniciada na infância no Recife/PE. Em 1976 fez o Curso de Especialização em Saúde Pública, fruto de uma cooperação entre a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e a Faculdade de Saúde Pública da USP. Em São Paulo foi um dos idealizadores e fundadores do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e da revista Saúde em Debate, em 1976.
David, já sanitarista foi designado, em 1977, como diretor de Estudos e Programas do DEVALE (Departamento de Saúde do Vale do Ribeira) e posteriormente como diretor do Centro de Saúde de Vila Prudente/SP. Nessas atividades se destacou como inovador na administração das unidades, bem como no estimular a participação da população na defesa do direito à saúde de boa qualidade.
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Diagnosticado com leucemia em 1982. Fez tratamento no Hospital dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo, onde entrou em remissão. Em 1984 teve recaída da leucemia, não tendo obtido êxito no tratamento. Em 1985 fez transplante de medula óssea, no hospital MD Anderson de Houston, nos EUA.
Em 1984 David assume a secretaria de Saúde de Bauru, governo Tuga Angerami, onde desenvolve um audacioso programa de implantação de serviços públicos. Criou e instalou seis Unidades Básicas de Saúde (UBS) em vários bairros da cidade; reformou o Pronto-Socorro Central; criou a Comissão de Investigação de Óbitos que analisava as mortes de menores de um ano e chamava para discussão todos os gerentes de serviços que tinham atendido crianças, fez concurso público para todas as categorias profissionais.
Em 1986 foi candidato a deputado federal pelo PT, não eleito. Em 1988 é designado, pela direção do PT, para junto com Glauco Arbix, coordenar a vitoriosa campanha de Telma de Souza, para a prefeitura de Santos.
Em 1989 assume a Secretaria de Saúde de Santos. “Guerrilheiros da Saúde” foi como se manifestou o jornal conservador A Tribuna, sobre o novo secretário e sua equipe.
O que A Tribuna não contou é que a designação não foi tomada como ofensa, pois David Capistrano Filho podia ser, sim, considerado um guerrilheiro autêntico da palavra escrita e falada, que além de secretário de saúde, ocupou mais tarde o cargo de Chefe de Gabinete da prefeita e foi eleito, pela população santista, como prefeito na segunda gestão democrática e popular de Santos (1993-1996).
Ao assumir o cargo de secretário de Higiene e Saúde de Santos David implanta uma rede de unidades de saúde distribuídas pela cidade, com médicos de especialidades básicas e equipes de enfermagem para atender as pessoas dos bairros adjacentes e dar resposta aos problemas mais frequentes.
A rede de unidades, denominadas policlínicas, se expandiria nos anos seguintes, com cobertura para toda a cidade, e assumiria progressivamente maiores responsabilidades, com inclusão de saúde bucal, vacinação, pré-natal, cuidados das crianças aos idosos, serviço de vigilância epidemiológica e de comunicação, bem como estímulo à participação da população nas unidades de saúde e nas conferencias municipais de saúde, regularmente realizadas.
Mas, David era feito para desafios. Na saúde entre os mais notórios destaca-se a intervenção, já em 1989, na Casa de Saúde Anchieta, um hospital Psiquiátrico privado, que depositava e confinava doentes com maus tratos de toda sorte – na falta de higiene, na comida ruim, na violência, nos maus ou ausentes cuidados dos internados.
A intervenção e desconstrução do hospício foi acompanhada pela criação de uma rede de cinco Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), distribuídos nas regiões da cidade, com leitos para hospitalidade noturna inspirados na experiência de Trieste/Itália. Essa rede prestava o cuidado em liberdade de pessoas com transtornos mentais, incluindo, evidentemente, as que antes estavam confinadas no manicômio. Essa medida deu o impulso para a reforma psiquiátrica no Brasil.
Outro programa desenvolvido, entre tantas iniciativas, e que marcou época, foi o programa para prevenção e controle da AIDS e para o tratamento de pacientes com a doença. Santos era considerada a “Capital da AIDS”, a de maior incidência da afecção no país, naquele período, possivelmente pelo contexto social que se conectava à atividade portuária, marcado pela pobreza, pela condição precária de vida dos profissionais do sexo e pelo uso disseminado de drogas injetáveis.
Foi o primeiro município brasileiro a empregar o coquetel de medicamentos antivirais, posteriormente assumido pelo Ministério da Saúde e expandido a todo país. Entre as ações de prevenção criou uma policlínica na região do Centro Velho da Cidade e próxima ao Porto, com a distribuição de preservativos e a orientação sobre os riscos da contaminação e sobre a doença.
Criou um programa de troca de seringas, para reduzir contaminação por essa via, bem como facilitar a abordagem e contato com usuários de drogas, inciativa prontamente combatida pelo conservador ministério público da cidade, bem como pela tradicional e recatada família da elite santista.
David não foi um médico e homem público qualquer, de passar despercebido: trabalhou não apenas para desenvolver o SUS em Santos, recém-instituído na Constituição de 1988.
Suas realizações na área da saúde tiveram paralelos em praticamente todas as frentes da administração municipal, educação, assistência social, urbanismo, meio ambiente, cultura, habitação, saneamento e trabalho foram alguns outros exemplos daquilo que David sempre repetia: “A Prefeitura é responsável por tudo que diz respeito às condições de vida e bem-estar dos moradores do município”, concepção muito mais complexa e avançada do que aquela tradicional, que situa a função de prefeito como uma espécie de zelador da cidade.
David estimulou, idealizou e realizou em Santos uma revolução em todos os campos da esfera pública, da saúde, educação, cultura, na releitura sobre a história da Cidade e do papel do nascido santista José Bonifácio de Andrade e Silva para cidade e o país.
David não obedecia aos ditames do neoliberalismo que começou a vicejar por aqui naqueles anos, com Collor e seus sucessores, como a redução do papel do estado, o déficit zero ou superávit fiscal, a responsabilidade fiscal. Tudo se subordinava à necessidade em fazer o máximo para atender a população, o norte era a responsabilidade social do governo para com o povo, com prioridade aos mais necessitados.
Em agosto de 1997, David foi convidado pelo professor Adib Jatene, na ocasião dirigente do InCor, para instituir o Programa de Saúde da Família (PSF), em duas regiões na cidade de São Paulo, na região Norte (Vila Nova Cachoeirinha) e na região Sudeste (Parque São Lucas).
Assim, desde o início o Projeto Qualis/Fundação Zerbini, como o PSF passou a ser chamado, nasceu com a ideia de incluir outros profissionais, além incorporar outras equipes à equipe básica, formada por médico generalista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, agentes comunitários de saúde, foram implantadas ações de saúde bucal, saúde mental, de várias especialidades médicas, para ampliar a resolução de problemas de saúde das famílias adscritas ao Projeto, bem como a instalação da Casa de Parto na região Sudeste/SP.
Essa experiência contribuiu para que o governo liderado por Marta Suplicy de 2001-2004, retomasse a implantação do SUS na cidade de São Paulo, uma vez que os governos Maluf e Pitta abandonaram o SUS de 1993 a 2000.
Toda essa trajetória na saúde pública levou ao reconhecimento de David ser considerado um dos principais construtores do SUS, não apenas pela contribuição na formulação de um sistema público e universal de saúde, iniciada com a criação do Cebes e a Revista Saúde em Debate em 1976, sua participação na 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986, mas sobretudo porque construiu, executou, implantou serviços e ações que ajudaram mostrar a viabilidade e relevância de um sistema público de qualidade no país.
São Paulo, 10 de novembro de 2025.
Ubiratan de Paula Santos
Esse é o conteúdo do QRCode da placa na escadaria David Capistrano Filho na entrada principal da Faculdade de Saúde Pública da USP, inaugurada ontem, 10-11-25, na Faculdade de Saúde Pública da USP




Comentários
Zé Maria
Parabéns aos Estudantes Faculdade de Saúde Pública da USP
Que após formados realizem o sonho de David Capistrano Fº
E alcancem a Saúde a quem dela precisa em todo Brasil.