Emir Sader: Lula e o futuro do Brasil e da América Latina

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Os presidentes Lula e Xi Jinping Foto: Foto: Ricardo Stuckert/PR

Lula e o futuro do Brasil e da América Latina

O destino de uma nação, forjado na superação de seus pactos de elite, agora se entrelaça com o deslocamento do eixo global para onde sempre esteve: o coração das rotas da seda

Por Emir Sader*, em A Terra é Redonda

Poucas vezes o destino de um personagem se vinculou tão estreitamente ao destino de um país e até mesmo de um continente. Lula é esse personagem.

A história brasileira foi costurada por uma série de pactos de elite. Até a independência, nossa história não se diferenciava muito da de outros países do continente, somente pela colonização portuguesa e não espanhola. Mas naquele momento os caminhos começam a se bifurcar. A resistência e a derrota da Espanha diante do avanço napoleônico, enfraquecendo-se, fez com o processo de independência expulsasse os colonizadores e terminasse com a escravidão.

Já os portugueses entregaram o país às tropas napoleônicas, sem resistir, e vieram para o Brasil. Ao contrário dos outros países, aqui os laços com os colonizadores se estreitaram e se deu uma modalidade de independência que era um pacto de elite.

O Brasil passou de colônia a monarquia e não à república. Se passou a ter reis e se manteve a escravidão, o que o tornará o país do continente que mais demorou em terminar com ela. A Lei de Terras, promulgada em 1850, legalizou a ocupação de terras pela oligarquia rural.

Quanto terminou a escravidão, os negros seguiram sem terras, pobres e marginalizados. A questão nacional se articulou com a questão territorial e com a questão racial, para manter os negros como pobres e excluídos.

A independência foi, assim, o primeiro grande pacto de elite da história brasileira. Mudou a forma do poder oligárquico, mas se manteve o vínculo estrutural com Portugal e se prolongou a escravidão até quase o final do século XIX.

O Brasil se recuperou, em parte, desses atrasos, com o governo de Getúlio Vargas, a partir de 1930. Ainda assim, mesmo aquelas reformas foram feitas sob o lema do então governador de Minas Gerais, Antônio Carlos: “Façamos a revolução, antes que o povo a faça”.

A saída da ditadura, em 1945, retomou outra forma de pacto de elite. A ditadura terminou, mas houve apenas a retomada do sistema politico liberal, com o restabelecimento da separação dos três poderes da republica, do processo eleitoral, da liberdade dos partidos e movimentos sociais.

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Mas não houve nenhum processo de democratizacão do conjunto da sociedade. Seguíamos sendo o pais mais desigual do continente, mais desigual do mundo. Nem democratização da propriedade da terra, nem dos meios de comunicação, nem do sistema judicial, nem de nenhuma outra esfera da sociedade brasileira.

Essa dinâmica só foi interrompida pelos primeiros governos do PT. Mesmo sem realizar reformas estruturais, que pudessem alterar essas condições, os governos colocaram em prática políticas antineoliberais, políticas sociais, que atenderam as necessidades da grande massa da população.

Lula foi o maior protagonista dessa experiência. Foi quem melhor captou a dinâmica da luta contra o neoliberalismo. Foi quem passou a conduzir o povo brasileiro nesse processo.

A partir dali, o destino do Brasil passou a estar estreitamente vinculado ao destino do Lula. Ao aventurar-se na mais importante e decisiva experiência de governo que o Brasil já viveu. Por isso, Lula passou a estar no centro da historia brasileira e, de alguma forma, da própria América Latina.

As novas rotas da seda

No mundo atual, as decisões realmente transcendentes não se tomam em Paris, Londres, Berlim ou Roma, como acontecia há 100 anos, mas em Pequim e em Moscou, em Delhi e em Islamabad, em Ancara, Damasco e Jerusalém. O passado do mundo foi modelado pelo que acontecia ao longo das rotas da seda e isso acontecerá no futuro.

A afirmação está contida em um dos últimos livros do mais importante historiador do século XXI, o historiador britânico Peter Frankopan, que tem como título As novas rotas da seda.

As Rotas da Seda ocupam um lugar tão central que é impossível compreender o que acontece ou pensar com o que vamos nos deparar amanhã, sem levar em conta a região que se estende entre o Mediterrâneo Oriental e o Pacífico.

“Já vivemos no século asiático”, constata ele, uma época em que o PIB global está se deslocando das economias desenvolvidas do Ocidente para as do Oriente em uma escala e uma velocidade assombrosas.

Algumas projeções preveem que em 2050 a renda per capita em termos de paridade do poder aquisitivo se multiplicará por seis na Ásia, o que, segundo os padrões atuais, tornaria ricos a outros três bilhões de habitantes do continente. O que significaria que a Ásia recuperaria a posição econômica dominante de uns 300 anos atrás, antes da Revolução Industrial. Há um processo de reversão do caráter que tinha o mundo antes da ascensão do Ocidente.

Peter Frankopan cita o cálculo segundo o qual se prevê que, para o ano de 2027, o PIB combinado das cidades asiáticas já será maior que a soma das norte-americanas e europeias e se espera que só oito anos depois as supere em 17%.

Em 2001, o PIB da China era 39% do PIB dos EUA. Em 2008 o indicador tinha aumentado para 62% e, em 2016, o PIB da China já era 114% do norte-americano, com uma tendência cada vez mais favorável ao país asiático.

Nenhuma das 10 economias que mais crescem se encontram no hemisfério ocidental. Se configura assim um mundo cujo centro de gravidade econômica está se distanciando do Ocidente.

São muitos os fatores que estimulam a mudança no século XXI, desde a demografia até o deslocamento do poder econômico. As Rotas da Seda ascendem de forma vertiginosa.

Participam atualmente das Rotas da Seda mais de oitenta países, incluindo as repúblicas da Ásia Central, os países do sul e do sudeste da Ásia Central, os países do sul e do sudeste da Ásia, os do Oriente Próximo à Turquia e os países da Europa Oriental, assim como diversos estados da África e do Caribe.

O Brasil já manifestou sua intenção de se somar às Rotas da Seda. No total, já chega a uma cifra de 4 bilhões e 400 milhões, chegando a 2/3 da população mundial e uma produção de mais de 20 bilhões de dólares, mais de 30% do total mundial.

Com tudo isso, a China se tornou o maior desafio para a segurança nacional dos EUA, o que deve se dar ao longo de todo o século atual. A China se tornou o único país do mundo com uma ideia geoestratégica realmente global.

Calcula-se que atualmente 90% dos computadores produzidos no mundo são fabricados na China, assim como ¾ de todos os telefones celulares. O que basta para dar ideia dos avanços tecnológicos chineses.

O surgimento dos Brics, com o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, aos que se somaram vários outros, especialmente do mundo árabe e proprietários de grandes reservas de petróleo, consolida a nova bipolaridade mundial.

O conjunto das transformações vividas pelo mundo nas últimas décadas fazem parte de um período de transição de um mundo unipolar a um mundo multipolar.

De um século norte-americano – o século XX –, a um século asiático – o XXI. A era em que o Ocidente dava forma ao mundo ficou para trás há bastante tempo.

Enquanto as Rotas da Seda estão em ascensão e seguirão estando, a forma em que se desenvolvem e evoluem darão forma ao mundo do futuro. Porque isso é o que sempre representaram as rotas.

*Emir Sader é professor aposentado do Departamento de Sociologia da USP e autor, entre outros livros, de A nova toupeira: os caminhos da esquerda latino-americana (Boitempo). [https://amzn.to/47nfndr]

Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Comentários

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Zé Maria

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O EMBUSTE DO ‘NOVO’ PNE
DA DIREITA NEOLIBERAL
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A proposta do relator Moses Rodrigues (União-CE), prevê 11% do PIB em gastos totais no setor,
mas apenas 7,5% virão de recursos públicos.

Especialistas veem ‘maquiagem’
e risco de retrocesso

[ Reportagem: Ana Luiza Basilio | CartaCapital ]

O novo Plano Nacional de Educação (PNE) deverá demandar cerca de 280 bilhões de reais para o cumprimento de suas metas até 2035, segundo o relator da proposta, o deputado Moses Rodrigues (União-CE).

A estimativa parte de um cálculo econômico que prevê que o país alcance, ao fim da vigência do plano, o equivalente a 11% do PIB aplicados na educação.

Desse total, 7,5% viriam de investimentos públicos diretos (somados a subsídios) e 3,5% da iniciativa privada.

Os recursos públicos corresponderiam a 877,5 bilhões de reais.

“Não podíamos repetir o número de 10% do PIB
sem definir como chegar lá.
Essa proposta estabelece um caminho possível”,
justificou Moses, ao apresentar o relatório.

O texto ainda será votado pela comissão especial do PNE,
presidida pela deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP),
antes de seguir aos plenários da Câmara e do Senado.

O PNE anterior, que vigorou até este ano, previa a aplicação de 10% do PIB em investimentos públicos na educação.

Esta meta, no entanto, nunca foi alcançada.

A estimativa é de que o Brasil encerre este ano investindo algo em torno de 5,2% de seu PIB no setor, o equivalente a cerca de 600 bilhões (com base no PIB de 2024, que foi de 11,7 trilhões).

Pesquisadores ouvidos por CartaCapital afirmam que o novo cálculo econômico cria uma ilusão de aumento de investimento, mas na prática, significa um recuo.

“Os 10% sinalizados hoje representam a soma de
recursos públicos aplicados na educação pública e privada”,
critica Nelson Cardoso do Amaral, presidente da Associação
Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação,
a Fineduca.
“Ou seja, os 10% viraram 7,5%, é um retrocesso.”

Hoje, a contribuição privada ao setor é de 2,3% do PIB (cerca de 269 bilhões de reais) e deve subir para 3,5%, o que, para os especialistas, não representa investimento público real.

“Essa conta trata, basicamente, do quanto a população
paga nas escolas privadas.
É dinheiro privado, aplicado em instituições privadas”,
completa Cardoso.
“É um verdadeiro embuste a entrada desse percentual
na conta, porque não tem nada a ver com o contexto do PNE.”

Não há, até o momento, nenhuma exigência legal que defina como o setor privado deveria contribuir com o ensino público.

A equipe econômica responsável pelos cálculos — coordenada por Sérgio Firpo, professor do Insper — aposta que o crescimento virá do aumento de egressos do ensino médio e da ocupação de vagas ociosas no ensino superior privado.

A Defesa dos 10% do PIB
Em posição contrária ao texto do relator, a Fineduca defende a retomada da meta de 10% do PIB em investimento público, com base em dados do Pisa 2018.

Naquele ano, o Brasil obteve 400 pontos, abaixo da média de 461 dos 79 países avaliados. Cada país investia, em média, 73,9 mil dólares por estudante (ajustado pelo poder de compra), enquanto o Brasil aplicava 37,9 mil dólares.

O estudo destaca 12 países — entre eles Estônia, Polônia e Hungria — que gastaram menos que a média global, mas alcançaram desempenhos superiores.

Esses países aplicaram, em toda a educação, cerca de 7,6 mil dólares anuais por estudante, enquanto o Brasil investiu 3,9 mil.

“O Brasil tem riqueza suficiente para investir 10% do PIB
em educação”, afirma a Fineduca, citando uma
conjuntura favorável:
queda da população em idade escolar,
boom de recursos naturais,
a transição energética e
a revolução digital —
que exigem formações
cada vez mais complexas.

As Metas do Novo Plano
O novo PNE se organiza em 19 objetivos que abrangem desde a educação infantil até o ensino superior, com foco em qualidade, equidade e permanência escolar.

Entre as metas do financiamento estão:

-Aumentar o investimento por aluno até atingir,
em cinco anos, o patamar médio dos países da OCDE,
e, em dez anos, o Custo Aluno Qualidade (CAQ).

-Garantir infraestrutura mínima a todas as escolas
até o terceiro ano de vigência do plano.

A Justificativa Demográfica
Uma das razões apresentadas para reduzir o investimento público de 10% para 7,5% é a queda demográfica, puxada pela baixa natalidade.

Dados do IBGE indicam que a população de 0 a 17 anos
deve cair de 50,3 milhões em 2025 para 43,5 milhões
em 2035.

As matrículas também devem recuar, de 44 milhões
para 40,7 milhões no mesmo período, ainda que as
metas intermediárias do PNE prevejam expansão
do acesso.

O entendimento a partir da projeção não convence
o educador e cientista político Daniel Cara.

“A questão deve ser vista por uma ótica inversa:
o País envelhecendo trará uma maior demanda por
Previdência, saúde.
Essa geração que está na escola hoje é que será
responsável por essa conta”, alerta.
“Se ela não tiver uma educação de qualidade,
as possibilidades do país serão extremamente
remotas lá na frente.”

Segundo ele, a posição de Moses Rodrigues e Tabata Amaral
“equivale, na prática, a um desinvestimento na geração
que vai sustentar o país envelhecido”.

Na mesma linha, o pesquisador Nelson Cardoso do Amaral
sublinha que o cálculo que considera a redução populacional
entre jovens deixa de fora 68 milhões de brasileiros,
de várias idades, que não tem educação básica,
segundo dados do Censo Escolar 2023 – um contingente
que demandaria forte expansão da Educação de Jovens
e Adultos (EJA), prevista no novo PNE, mas sem metas
de matrícula claramente quantificadas.

De Onde Viriam os Recursos?
Segundo o relator, dos 280 bilhões de reais necessários para a execução do PNE, 130 bilhões seriam destinados à correção de deficiências históricas – como analfabetismo e evasão escolar – outros 150 bi para a manutenção da infraestrutura educacional das escolas.

A aposta é a de que 220 bilhões (80% dos recursos)
sejam provenientes da exploração do petróleo.

Segundo Moses, será possível reverter ao PNE um recurso extraordinário da operação do pré-sal, sem destinação, a partir de 2026.

A incorporação dos valores será proposta via projeto de lei complementar.

Outra aposta é o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas
dos Estados, o Propag, que permite renegociar débitos
estaduais com a União em troca de investimentos em
áreas prioritárias, como a educação.

O relator defende que 60% desses recursos sejam aplicados na educação profissional e tecnológica —
mas sem estimar o volume total de arrecadação.

O relator também defendeu que os recursos necessários
ao PNE fiquem de fora do arcabouço fiscal.

“Como é um recurso novo, estamos nos posicionando
que o Plano Nacional e tudo que vai ser investido
em infraestrutura nos próximos dez anos fique de fora
do arcabouço fiscal”, destacou Moses, deixando em
aberto a possibilidade de o governo e parlamentares
apontarem novas fontes de recurso.

https://www.cartacapital.com.br/politica/as-controversias-da-proposta-de-financiamento-ao-novo-plano-nacional-de-educacao/
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Miriam Lopes

Só falta o Lula se livrar do Haddad e do pupilo dele o GalÍpolo, que colocaram botas de chumbo no governo.

Jose

Muitos reclamam dos incentivos oferevidos pela China e do BRICS mas cá pra nós: o que os EUA oferece para que seus paises satélites como o Brasil se desenvolvam?
Nada, pois tais paises tem que ser meros fornecedores de materias primas, terras raras e petroleo,
Jamais as empresas brasileiras podem ser concorrentes das corporacoes americanas mundo afora, pois ai os EUA inventarao uma nova Lava Jato pra destruir tudo
Industria de defesa nem pensar, nao podemos ter

E tem abestado que pensa que os ataques a Venezuela nao eh por causa do petroleo

oi

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