Dr. Rosinha, especial para o Viomundo
Comecei a escrever este artigo ainda no segundo semestre de 2008, após uma viagem à Assunção. Deixei-o arquivado. Volta e meia abria o arquivo, lia a pequena anotação e pensava: “qualquer dia preciso escrever sobre este tema”.
Entendo que a oportunidade de escrever é hoje, 16 de agosto, dia das crianças no Paraguai. Também me faz concluí-lo a polêmica sobre a suspensão do Paraguai no Mercosul.
Alguns intelectuais e parlamentares da direita brasileira chegaram a fazer o discurso de que a suspensão do Paraguai do bloco seria uma repetição da Guerra da Tríplice Aliança: Argentina, Brasil e Uruguai contra o vizinho Paraguai.
Em 2008, ouvi uma versão de um fato da Guerra da Tríplice Aliança e a anotei. Um parlamentar paraguaio contou-me o seguinte: “Na fase final da guerra, na batalha de Acosta Ñu, 20 mil soldados aliados (brasileiros, argentinos e uruguaios) lutaram contra apenas 500 veteranos paraguaios, comandados pelo general Bernardino Caballero, e 3.500 crianças, cujas idades eram inferiores a dez anos. Sem piedade e sem distinguir se adulto ou criança, os aliados mataram a todos, inclusive as mulheres que lutavam ao lado de seus filhos. Não pouparam sequer as que tentavam socorrer os feridos ou resgatar corpos. E que, quando os combates cessaram, o Conde D’Eu mandou incendiar o matagal, matando os feridos e as mulheres que os socorriam”.
Ouvi isto, fiquei indignado, como não poderia de ser, e anotei. Desde quando ouvi e anotei história, fui buscar informações sobre este fato. Li alguns artigos na internet e uma meia dúzia de livros de história do Paraguai e da Guerra da Tríplice Aliança. Entre esses livros, “Maldita Guerra”, de Francisco Doratioto.
O autor explica que o título do livro foi tirado de uma carta que Duque de Caxias escreveu para o General Osório, em 6 de junho de 1867, que continha a seguinte frase: “E vamos, meu amigo, ver se concluímos com essa maldita guerra, que tem arruinado o nosso país, e que já nos causa vergonha pela sua duração”.
Doratioto, na introdução do livro, afirma que “entre 1740 e 1974, o planeta teve 13 bilhões de habitantes e assistiu a 366 guerras de grande dimensão, ao custo de 85 milhões de mortos. O resultado dessas guerras parece ter sido um prêmio à agressão, pois em dois terços delas o agressor saiu-se vencedor. […]A Guerra do Paraguai faz parte, portanto, da minoria, pois o agressor, o lado paraguaio, foi derrotado”.
A guerra perdurou de dezembro de 1864 a março de 1870, e milhares de paraguaios, argentinos, brasileiros e uruguaios morreram, a maioria de fome, doença e exaustão física.
O autor também informa que no dia 16 de agosto de 1869 travou-se a “batalha de Campo Grande, conhecida como Acosta Ñu no Paraguai, e dela participou um grande número de jovens paraguaios, que contavam entre 14 e 15 anos de idade. […]Do lado paraguaio, misturados aos soldados, encontravam-se crianças com barbas postiças para parecerem adultas”.
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Outras informações dão conta que algumas crianças pintavam o rosto com carvão para parecerem mais velhas. Essas crianças não colocavam a barba postiça e pintavam o rosto por vontade e iniciativa própria, mas sim por ordem do comando superior, em cujo ápice estava Solano López.
Desde o início da guerra, crianças paraguaias foram obrigadas pelo ditador López a lutar. No “Maldita guerra”, Doratioto cita Taunay:
“Oh! A guerra, sobre tudo a guerra do Paraguai! Quanta criança de dez anos, e menos ainda, morta quer de bala, quer lanceada junto à trincheira que percorri a cavalo, contendo a custo as lágrimas!” (pág. 409).
Solano López, por ocasião da batalha de Acosta-Ñu, em 1869, já havia praticamente perdido a guerra. Portanto, já não havia “justificativa para Solano López colocar crianças a lutar contra soldados profissionais” (Doratioto).
“Nessa circunstância, a persistência em jogar contra os aliados tropas improvisadas, composta em grande parte de velhos e crianças, somente pode ser classificada de indefensável. Alguns trabalhos populistas, cultuadores, implícita ou explicitamente, da tirania, se limitam a destacar a coragem de crianças e velhos e a buscar levantar no leitor a indignação de, afinal, os aliados terem lutado e matado um inimigo mais fraco. Esses trabalhos induzem o leitor a admirar a Solano López, em lugar de responsabilizar o ditador pela morte de crianças e velhos, ao levá-los a lutar numa guerra já perdida. Por essa lógica míope, dever-se-ia admirar Hitler por resistir o avanço aliado, sem render-se, ao preço da destruição final da Alemanha e, mais, em outra identidade entre os ditadores, também utilizar-se de adolescentes e velhos para enfrentar o avanço soviético sobre Berlim” (Doratioto, Maldita Guerra, pág. 409).
Não sei quantos paraguaios e brasileiros conhecem a história verdadeira desta maldita guerra, iniciada pelo ditador Solano López. Sabemos que a maior vítima foi o povo, principalmente as crianças, velhos e mulheres do Paraguai.
Na atual conjuntura, no Brasil, há quem, por desinformação, má-fé, ignorância ou oportunismo, trace paralelos indevidos ao afirmar que a suspensão do Paraguai do Mercosul seria mais uma agressão dos países que no passado constituíram a Tríplice Aliança.
No massacre da Acosta Ñu, há responsáveis dos dois lados, mas um principal culpado – o ditador Solano López. Na suspensão do Paraguai do Mercosul, a culpa recai sobre os golpistas paraguaios.
Aliás, será que a raiz do golpe não seria a mesma do ditador Solano López?
Ambos os casos, o massacre de Acosta-Ñu e o golpe de Estado que a direita aplicou no Paraguai, me deixam indignado. Não menos indignado também me deixa o populismo, o oportunismo e a má-fé da direita brasileira.
O dia da batalha de Acosta-Ñu, 16 de agosto, é hoje o Dia da Criança no Paraguai.
Dr. Rosinha, médico pediatra, é deputado federal (PT-PR) e vice-presidente brasileiro do Parlamento do Mercosul. No twitter: @DrRosinha
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