De maneira didática, advogado diz ao Estadão o que a blogosfera tem dito sobre a Lava Jato há três anos

Tempo de leitura: 4 min

‘O Estado não pode fazer vingança’

Para advogado, responsáveis por corrupção precisam ser punidos e os negócios, preservados

Alexa Salomão, O Estado de S.Paulo

Há dois anos, o advogado Walfrido Warde Júnior defendeu que as empreiteiras da Lava Jato poderiam quebrar porque havia lacunas na lei para a sua recuperação.

Chegou a fazer sugestões, que foram incluídas em projetos de lei. Pouco se avançou, porém.

Como presidente do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa, ele defende que a discussão precisa ser retomada: “Precisamos punir os responsáveis, mas também preservar os negócios”, diz.

A seguir, trechos de sua entrevista.

O que se imaginava é que os executivos fariam delações, empresas pagariam multas e todos tocariam a vida. Não é o que estamos vendo. Por quê?
Acho que elas nunca imaginaram que poderiam tocar a vida…. Mas o fato é que estamos vivendo uma síndrome de múltiplas personalidades estatais: temos um monte de atores envolvidos nessa história.

O sr. pode explicar, então, como se divide a punição?
Nós temos algumas leis que gravitam no entorno do problema da corrupção, especificamente da corrupção endêmica, que é o caso da Lava Jato. Temos a lei de improbidade administrativa, pela qual o Estado busca ressarcimentos – condena quem causou o dano a pagá-lo e impõe outras punições. Por exemplo: não poder fechar contratos com o poder público – caso de empresas; ou perder direitos políticos – caso de pessoa física. Essa ação é pelo Ministério Público. Tem também o processo penal. O autor também é o Ministério Público. Além disso, tem o processo administrativo, que, no caso da Lava Jato, é tocado pelo Ministério da Transparência (antiga Controladoria Geral da União, CGU), que pode levar à improbidade administrativamente. Então, fazer uma leniência com a ex-CGU não significa que o Ministério Público vá parar uma ação penal. O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) busca infrações às regras de proteção à concorrência. TCU (Tribunal de Contas da União) vê se tudo é feito conforme as regras, se a indenização é correta, se a multa é adequada. E por aí vai.

O correto seria negociar com todos ao mesmo tempo?
Correto seria que tivéssemos uma legislação que trouxesse toda essa gente para sentar à mesa, em colaboração. Mas o que estamos vendo é concorrência e busca de protagonismo entre eles. Não podemos ter um combate inconsequente. Quando digo inconsequente é um combate que destrua a empresa brasileira, que acaba com o capitalismo nacional.

É isso que está acontecendo?
Estamos vendo isso acontecer. A gente tinha um modelo de capitalismo – podemos discutir se era certo ou errado, mas era assim – escorado em relações entre Estado e empresas. As construtoras eram como recheios do Estado. De um lado, negociavam com o Estado financiamentos para as suas atividades; do outro lado, desde os anos 90, passaram a exercer funções estatais, como concessionárias de serviços públicos. O perecimento dessas relações tem impacto. Mesmo que elas não tenham sido condenadas, têm problema de reputação. O Estado não pode financiá-las, contratá-las. Simplesmente congelamos um setor importantíssimo da economia.

Como empresas corruptas são punidas em outros países?
Temos coisas que nos distinguem do resto do mundo. Primeiro, falta pragmatismo no tratamento dessas questões. No resto do mundo a lei põe todo mundo na cadeia, apresenta qual é o dano, qual indenização deve ser paga, de uma maneira possível, para impactar o mínimo possível a empresa. A segunda coisa é o nosso nível de concentração econômica. Essas empresas são todas pelos donos. É mais fácil quando são de capital aberto.

O executivo é uma peça móvel.
Exato. Não há dúvida que no caso brasileiro tem essa dificuldade: achar que uma organização vai deixar de ser como ela era porque você mandou o executivo embora, mas o controlador permanece, é uma ilusão.

Pelo que o sr. está descrevendo, temos um dilema: como resolver o problema da empresa se o acionista está envolvido?
Temos de colocar o controlador na linha ou substituí-lo.

Como é que se tira o dono do seu próprio negócio?
Em casos extremos, a lei até permite isso, mas é complicado. Lá em 2015, a gente tinha uma proposta, que retornou há pouco na voz do ministro Bruno Dantas (do TCU). Você não vai na holding e tira o controlador, mas é possível fazer uma abertura do fechadíssimo mercado de infraestrutura transferindo as concessões. Vamos supor que após a investigação se conclui o tamanho do prejuízo que uma empreiteira causou ao erário. Ela paga transferindo ao Estado as ações do projeto dessa hidrelétrica e o Estado leva a leilão. Se der para cobrir a multa, maravilha. Se não, precisa dar ações de outros projetos.

Mas o Estado já foi lesado e ainda vai entrar nisso. Por quê?
Você tem ressarcimento rápido, permite que as empresas paguem a sua dívida com a sociedade e o País e destrava o mercado de infraestrutura.

Fazer algo assim não pode dar a sensação de que elas não estão sendo devidamente punidas?
Vão ficar sem punição se quebrarem e não pagarem o que devem. Podem achar que deixar elas quebrarem seria uma punição. Não é. Isso seria uma vendeta emocional.

Há quem considera a força-tarefa dura com as empresas. O sr. pensa assim?
Não existem Estados distintos. Existem agentes distintos do Estados. A força-tarefa tem uma trabalho importantíssimo de combate à corrupção. Mas não é possível imaginar que Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário estão apartados de outros interesses nacionais. A minha ponderação é simples. Precisamos punir os responsáveis, mas também preservar os negócios.

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Comentários

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lulipe

Os donos dessas empresas enriqueceram absurdamente, lesaram o Estado brasileiro e aí vêm uns idiotas, pra não chamar de outra coisa, defenderem-nas. Eu quero que essas empresas e seus donos se danem.

Olivires

E se o objetivo dessa operação Lava a Jato for fazer exatamente o que estão fazendo: parar e desmontar o país? Se for isso, é um sucesso desde 2014, nada funciona desde então.

Fim do Pré-Sal, do submarino nuclear, da participação internacional da construção civil brasileira, da indústria naval, da alternativa multilateral de financiamento dos BRICS, de tecnologia de lançamento de satélites, ou mesmo ter um satélite de comunicações brasileiro. Ensaiaram até torpedear as exportações do agronegócio.

O juiz Moro já respondeu a uma questão sobre a quebra de empresas nacionais sugerindo que sempre é possível realizar licitações com empresas estrangeiras.

É esse o nível de preocupação dos homens de preto com mercado interno, cadeia produtiva nacional e proteção de empregos no país. Nenhum.

Os acordos internacionais de cooperação judicial só servem para instruir processos contra empresas nacionais no exterior. Jamais empresa estrangeira será processada aqui com provas fornecidas pelos centros econômicos.

Cada nação protege suas próprias empresas, porque isso significa proteger seus empregos, só o Brasil tem essa jabuticaba de remunerar regiamente servidores para instruírem processos fora do país e contra o interesse econômico nacional.

Poderia ser ignorância ou soberba de quem se acha mais esperto do que todos, porque passou em um concurso disputado (de memorização de legislação) para o MP, para a PF ou para o Judiciário.

Mas é apenas a falta de vínculo com o Brasil. Se aqui ficar ruim, esses cidadãos do mundo sempre poderão migrar para NY, Paris, Londres… Pelos bons serviços prestados, terão guarida e colocação.

Têm vocação para capatazes de plantation, mas são incapazes de imaginar um futuro em que um país do tamanho do Brasil dispute em igualdade de condições o capitalismo internacional.

Que miopia desoladora!

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