Artur Scavone: A esquerda e o cerco ao governo Lula

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Foto: Ricardo Stuckert

A esquerda e o cerco ao governo Lula

Levar em conta a conjuntura política nacional e internacional para avaliar a potência e a capacidade de ação do governo eleito

Por Artur Scavone*, em A Terra é Redonda

Diversos setores e personalidades de esquerda têm exigido – além da apuração e punição rigorosa dos atos golpistas do último dia 8 de janeiro – que o governo Lula promova imediatamente medidas como o fim da PM, o afastamento do alto comando das FFAA (cf. Vladimir Safatle), a destituição do ministro José Múcio Monteiro, a prisão do general golpista e outros itens de igual gravidade (cf. Gilberto Maringoni, Breno Altman).

Não há qualquer sombra de dúvida: tais reivindicações têm bases reais fundadas na simples constatação do desenrolar dos fatos recentes que desembocaram nos acontecimentos do dia 8 de janeiro.

A derrocada do atentado golpista foi uma vitória ímpar devida à capacidade de Lula e das lideranças ao seu lado de reagir rapidamente ao golpe por meio de uma intervenção civil inovadora na história do país, conforme ressalta Francisco Carlos Teixeira da Silva em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo.

E – é preciso reconhecer o papel do indivíduo na história – à ação determinada e corajosa do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes que conseguiu unificar em grande medida a alta corte do país.

A divisão dos diversos setores burgueses provocada pelas facções que relutaram em apoiar a articulação do golpe – porque não identificaram mais em Jair Bolsonaro uma solução interessante para seus interesses – e a ação unificada do judiciário, colocaram o alto comando das Forças Armadas em situação de relutância, o que impediu os militares de aderirem ao golpe em andamento.

É preciso, entretanto, levar em conta a conjuntura política nacional e internacional em que estamos metidos para avaliar a potência e a capacidade de ação do governo eleito.

Essa avaliação é essencial para podermos pensar na proposição de linhas de ação consequentes.

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Lula e Geraldo Alckmin foram eleitos no bojo da formação de uma ampla frente democrática, em um processo difícil.

A vitória foi obtida com estreita margem e há um contingente expressivo da população encantado com os cânticos da direita fascista.

E não podemos desconsiderar o avanço da direita mundialmente, já que a própria tentativa de golpe tupiniquim teve articulações vindas da direita norte-americana com apoio de outros setores na Europa.

Em outras palavras, o governo eleito estará sob permanente ataque, sitiado interna e externamente.

Não é necessário descrever a estratégia pretendida pelos fascistas, já tão analisada. Mas é necessário discutir outra questão: como reagir aos golpistas? Com certeza as reivindicações com as quais iniciei este texto são procedentes.

Alguém duvida que Lula e seus assessores próximos têm certeza da necessidade de desmontar essa estrutura da direita?

O problema real não é pontuar esses objetivos diretos e exigir sua execução, mas discutir e propor caminhos que construam as condições hegemônicas para sua concretização.

Se é verdade inquestionável que é necessário apurar, investigar e condenar os golpistas nas suas diversas dimensões, têm razão aqueles que afirmam a necessidade de uma contraofensiva para além da resposta institucional, porque será nas ruas que se medirá forças com o golpismo (cf. Valério Arcary).

Assim como é fundamental defender que sejam estruturadas de forma permanente as forças políticas que constituíram a frente democrática (cf. Vereda Popular).

Eu incluiria ainda outros itens: agilizar as conferências setoriais do governo; restabelecer o orçamento participativo; operacionalizar as formas de controle da sociedade sobre o Estado, promovendo ampla participação popular. Além da facilitação da organização dos movimentos sociais.

Com certeza falta acrescentar e estruturar outros itens a esta proposta, mas o esboço de um programa mínimo de resistência pode ser encontrado no artigo de Raimundo Trindade, publicado no site A Terra é Redonda. Esta é a discussão a ser feita.

Trata-se, portanto, de ter clareza da necessidade de fazer a disputa pela hegemonia política na sociedade e para tanto a frente democrática que venceu as eleições deve ser o ponto de convergência desse processo junto com uma ampla mobilização popular.

Não podemos desconsiderar a vitória tão estreita da última eleição. Somente com o respaldo de um amplo movimento na sociedade será possível tomar atitudes fortes que desmontem o golpismo da direita fascista, o que não depende apenas da vontade de Lula.

*Artur Scavone é jornalista e mestre em filosofia pela USP.

Leia também:

Ângela Carrato: Para combater o terrorismo bolsonarista e outros monstros

Jeferson Miola: Gradualismo e “almoço com generais”, respostas desastrosas de Múcio para a questão militar

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Comentários

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Zé Maria

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1) Punir administrativamente e prender criminosos, sobretudo Oficiais Militares,
que atentam contra ou tentam abolir o Estado Democrático de Direito por meio
de um Golpe de Estado não é ‘reivindicação’, é sim exigência do cumprimento da Lei Penal e, acima de tudo, da Constituição Federal.

2) Obviamente essas Punições devem ser Aplicadas em Esferas Distintas:

a) em nível administrativo, os ocupantes de Cargos de Confiança ou de Comando envolvidos devem ser imediatamente afastados e processados
nas respectivas instâncias da Administração Pública;

b) em nível penal, no âmbito do Sistema Judicial (Polícias, Ministério Público
e Poder Judiciário), mediante o devido processo legal, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, em julgamento justo por juiz imparcial, nos termos da Carta Magna.

3) Não fazer nada para punir esses Crimes da Mais Alta Gravidade – ainda mais que feriram os Três Poderes da República Federativa do Brasil, com o intento de
destruir o Sistema Democrático do País, destituindo o Presidente Eleito e Diplomado – aí sim seria cometer também outro crime contra as Instituições Democráticas, contra a Administração Pública como um todo e, finalmente, contra as Eleitoras e os Eleitores Brasileiros que tanto prezam pela Democracia.

    Zé Maria

    Adendo

    O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL,
    ‘Eleito e Diplomado’, e EMPOSSADO pelo Congresso Nacional,
    Luiz Inácio LULA da Silva, é o Chefe do Poder Executivo Federal
    e, pois, o COMANDANTE SUPREMO DAS FORÇAS ARMADAS.

    Lei Complementar Nº 97/1999:

    Art. 1º As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, SOB A AUTORIDADE SUPREMA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA [Grifo] e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

    Parágrafo único. Sem comprometimento de sua destinação constitucional, cabe também às Forças Armadas o cumprimento das atribuições subsidiárias explicitadas nesta Lei Complementar.

    Seção II
    Do Assessoramento ao Comandante Supremo

    Art. 2º O PRESIDENTE DA REPÚBLICA [Grifo], na condição de COMANDANTE SUPREMO DAS FORÇAS ARMADAS [Grifo], é assessorado:

    I – no que concerne ao emprego de meios militares, pelo Conselho Militar de Defesa; e

    II – no que concerne aos demais assuntos pertinentes à área militar, pelo Ministro de Estado da Defesa.

    § 1º O Conselho Militar de Defesa é composto pelos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e pelo Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010).

    § 2º Na situação prevista no inciso I deste artigo, o Ministro de Estado da Defesa integrará o Conselho Militar de Defesa na condição de seu Presidente.

    CAPÍTULO II
    DA ORGANIZAÇÃO

    Seção I
    Das Forças Armadas

    Art. 3º As Forças Armadas são subordinadas [!!!] ao Ministro de Estado da Defesa,
    dispondo de estruturas próprias.

    Íntegra:
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp97compilado.htm

    .

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