Ângela Carrato, sobre a viagem de Lula à China: Mídia brasileira atinge ápice do viralatismo, parece ter sede nos EUA

Tempo de leitura: 7 min
Capas de sábado, 15 de abril, exibem o viralatismo explícito de O Globo, Folha de S. Paulo e Estadão

A viagem de Lula e a viralatice da mídia

Por Ângela Carrato*

Jornais de diversas partes do mundo deram destaque para os resultados políticos e econômicos da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China.

Lula ganhou todo espaço e holofotes na mídia chinesa, que o classificou como “o retorno de um velho amigo”.

O jornal argentino Página 12 anunciou que o encontro Lula-Xi Jinping “equilibrou a geopolítica mundial”, no que foi seguido por diversas publicações latino-americanas, africanas e russas.

Já a revista estadunidense Time incluiu Lula na lista das 100 personalidades mais influentes de 2023.

O perfil é assinado pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, que o descreve como “campeão do clima”, devido às suas ações para reduzir o desmatamento da Amazônia e visando a transição energética.

É inegável que Lula inseriu o Brasil outra vez no mundo, após o apagão/vexame bolsonarista, e é uma das personalidades mais queridas e aclamadas da cena internacional.

Enquanto isso, a mídia corporativa brasileira – aquela comandada por seis famílias e uns poucos banqueiros – acaba de atingir o seu ponto máximo no quesito viralatismo.

Nem a mídia estadunidense afinada com o Departamento de Estado, o Pentágono e o deep state, como é o caso dos jornais The New York Times e The Washington Post ou o do ultradireitista canal de TV Fox News, chegaram a tanto.

O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo passaram os últimos dias fazendo advertências à Lula sobre os riscos de “desagradar aos Estados Unidos”.

Pelo tom adotado, essas publicações pareciam ter sede em Washington e não no Rio de Janeiro ou em São Paulo.

Elas se mostram mais preocupadas em atender aos interesses hegemônicos do Tio Sam do que, por exemplo, detalhar os 23 importantíssimos acordos assinados por Lula em áreas como energias renováveis, indústria automotiva, agronegócio, linhas de crédito verde, tecnologias da informação, educação, saúde e infraestrutura.

Se preocuparam mais em criticar a proposta de Lula e Xi Jinping de ampliar a utilização de moedas locais no comércio internacional em substituição ao dólar, do que mostrar que isso já é uma realidade para quase 30 países.

Se essas atitudes já seriam imperdoáveis, a vira latíssima mídia brasileira foi além.

A viagem de Lula à China já é, sem dúvida, um dos fatos mais importantes da diplomacia brasileira e das relações internacionais em 2023 e essa mídia fez de tudo para criticá-la, desqualificá-la e criar problemas para o governo.

O encontro Lula-Xi Jinping representou um marco na construção do mundo multipolar, aquele em que as decisões não cabem mais a um único país.

É importante lembrar que após o fim da URSS em 1991, os Estados Unidos se tornaram a única superpotência e se arvoraram em xerifes do mundo.

A emergência da China como segunda maior potência global associada ao fato de que a Rússia, após uma década perdida, conseguiu, sob a liderança de Wladimir Putin, reencontrar o caminho para o desenvolvimento e hoje mantem uma aliança “infinita” com a China são elementos que alteraram fundamentalmente a geopolítica e a própria política mundial.

Some-se a isso que a volta do Brasil ao BRICS e a presença da ex-presidente Dilma Rousseff como dirigente do NBD, o banco de desenvolvimento do bloco, mostra que uma nova realidade começa a vigorar para os países do Sul global.

Até agora, esses países estavam submetidos a instituições financeiras controladas pelos Estados Unidos e pela Europa, como o FMI e Banco Mundial, cuja arquitetura se baseia em um mundo que surgiu após a Segunda Guerra Mundial e que não existe mais.

Indo além, esses países tinham seu crescimento e desenvolvimento tolhidos pelo jugo da moeda estadunidense, pelos juros leoninos e pelo amargo receituário que lhes era imposto caso precisassem renegociar dívidas.

Antes mesmo do fim da Segunda Guerra Mundial, os vitoriosos – Estados Unidos, União Soviética e Inglaterra – se reuniram para decidir os destinos do mundo.

Rapidamente os Estados Unidos deixaram de encarar a URSS como aliada e teve início a “Guerra Fria”, que dividiu o planeta entre capitalistas e comunistas, com a América Latina relegada à condição de “quintal” dos Estados Unidos.

Ao contrário de países europeus e asiáticos que, no passado recente, tudo fizeram para garantir autonomia frente à tentativa hegemônica dos Estados Unidos, a elite brasileira, adequadamente denominada de “elite do atraso” pelo sociólogo Jessé Souza, fez e continua fazendo o oposto.

Defendeu e defende com unhas e dentes o atrelamento do Brasil aos interesses de Washington, inclusive forçando para que o governo tome partido na guerra na Ucrânia.

Guerra que, na prática, é um conflito por procuração dos Estados Unidos contra a Rússia, valendo-se do território da Ucrânia e da população ucraniana como bucha de canhão.

Guerra que nada mais é do que a tentativa dos Estados Unidos de impor uma derrota ao seu adversário imediato e, no médio prazo, atingir o que considera seu maior inimigo, a China.

Joe Biden, Donald Trump e Barack Obama disseram isso com todas as letras, mas foi Biden quem colocou esse enfrentamento em prática. Biden tem afirmado, com todas as letras, em recentes pronunciamentos, que a China é um inimigo a ser combatido.

Como país soberano, o Brasil não tem nada com isso, especialmente no momento em que precisa se reindustrializar e se desenvolver e o Tio Sam não nos oferece nada. Ao contrário. Suas empresas aqui estão fechando e indo embora, como aconteceu com a montadora Ford.

Quando Lula busca, ao lado da China, um caminho para a paz na Ucrânia, os vira-latas da mídia brasileira para não entrarem no mérito da questão, falam apenas em “inclinação oriental” por parte do presidente, como se isso fosse um problema.

Pior ainda: o Ocidente que se arvoram a defender é composto apenas pelos Estados Unidos e uma meia dúzia de países capachos.

Foi por isso que a visita do presidente francês, Emmanuel Macron, que antecedeu em dois dias, a chegada de Lula a Pequim, passou quase em branco para esta mídia vira-lata.

Mesmo sendo um conservador, Macron defendeu a “autonomia estratégica” do seu país frente aos Estados Unidos, enfatizando que a própria Europa deve aproveitar o momento para construir sua posição de “terceiro polo” entre as potências.

Em termos latino-americanos, é exatamente isso o que pretende Lula que, antes de viajar para a China, anunciou o retorno do Brasil à União das Nações Sul-Americanas (Unasul), de onde o país foi retirado por Bolsonaro.

Desnecessário dizer que a mídia corporativa brasileira também não considerou essa uma decisão fundamental e praticamente ignorou o assunto.

Mesmo este início de século XXI já sendo denominado de “século do Pacífico”, em contraste com o anterior, marcado pela predominância do oceano Atlântico nas trocas comerciais, a mídia corporativa brasileira segue pensando e agindo como se ainda estivéssemos no passado. Como se as capitais do mundo continuassem sendo Washington e Londres.

Tamanha viralatice tem explicação.

A “elite do atraso” acostumou-se com as vantagens que obtém do Tio Sam, pouco somando se elas são para uns poucos em detrimentos da soberania do país e da maioria esmagadora da população brasileira.

Acostumou-se a subjugar a maioria da população e a agir como se fosse parte da metrópole, disposta a vender nossas riquezas minerais e naturais a preço de banana no pior estilo do que fizeram no passado Portugal e a Inglaterra.

Alguém ainda tem dúvida de que a Operação Lava Jato, patrocinada pelos Estados Unidos, foi para roubar o pré-sal brasileiro, privatizar a Petrobras e impedir que Lula fosse candidato à presidência da República em 2018?

Alguém ainda duvida que Sérgio Moro e Deltan Dallagnol agiram com apoio dos Estados Unidos para destruir as empresas de construção civil e a indústria naval brasileira?

Alguém minimamente informado desconhece que a mídia corporativa brasileira foi fundamental para a vitória do golpe contra Dilma Rousseff em 2016, a prisão de Lula e a chegada de Bolsonaro ao poder?

Alguém se lembra da mídia corporativa brasileira ter criticado as posições entreguistas de Bolsonaro, que bateu continência para o embaixador dos Estados Unidos e declarou amor ao extremista de direita então ocupante da Casa Branca?

Em todos os países civilizados, a mídia é parte fundamental na defesa dos interesses nacionais e jogar contra eles é considerado crime. Não por acaso a imprensa francesa, que apoiou a ocupação nazista, foi varrida do mapa após o fim da Segunda Guerra Mundial. O mesmo já começa a se dar em relação à mídia europeia que defende os interesses estadunidenses em detrimento de suas populações.

A mídia vira-lata brasileira não mostra, mas além da população francesa, a alemã e a italiana também estão nas ruas contra os altos preços da energia, depois que os Estados Unidos exigiram dos integrantes da OTAN sanções contra a Rússia. Essas populações se sentem traídas por uma mídia que as levou a defender medidas que as prejudicou duramente.

Essa mídia não mostra, igualmente, que com a guerra e as sanções à Rússia, os Estados Unidos se tornaram o principal fornecedor de gás e petróleo para a Europa, que se viu obrigada a pagar cinco vezes mais caro pela energia.

Outro assunto que a mídia corporativa brasileira esconde do seu “respeitável” público é que não faltam evidências de que o governo dos Estados Unidos está por trás do atentado que destruiu o gasoduto Nord Stream 2, que ligava a Rússia à Alemanha, passando por baixo do mar Báltico.

Valendo-se do poder de veto, os Estados Unidos impediram que a ONU realizasse investigação independente sobre o assunto.

Para os que argumentam que essas são questões muito distantes do Brasil, é preciso lembrar que a nossa mídia corporativa vira-lata igualmente desconhece tudo o quê se passa na própria América Latina.

Não há informação sobre fatos da maior importância como o clima de guerra civil reinante desde dezembro do ano passado no Peru, depois do golpe de estado que derrubou o presidente de esquerda, Pedro Castillo.

Não há informação sobre a abertura do processo de impeachment do presidente equatoriano de extrema-direita, Guillermo Lasso e, menos ainda, sobre a campanha de lawfare contra a vice-presidente argentina, Cristina Kirchner.

Cristina, que presidiu a Argentina de 2007 a 2015, enfrenta perseguição por parte da justiça de seu país nos mesmos moldes da que Lula foi submetido. O objetivo também é o mesmo: impedir que ela dispute as eleições presidenciais.

A Argentina terá eleição para a Casa Rosada em outubro, mas para a mídia corporativa brasileira, a campanha eleitoral no país vizinho não existe. É notícia apenas o que se passa no Norte global.

Nosso vizinho Paraguai, parceiro na hidrelétrica Itaipu, tem eleições presidenciais marcadas para o dia 30 deste mês. O pleito é em um só turno, 13 chapas disputam e o candidato de oposição, Efraín Alegre, tem chances de vencer.

Renegociar aspectos do acordo de Itaipu é um dos principais temas que o vencedor terá em sua agenda. Nem assim a mídia vira-lata brasileira se digna a cobrir o que acontece do outro lado da fronteira.

E é essa mídia que fica apontando o dedo para as redes sociais e acusando-as de divulgarem desinformação e fake news, como se ela fosse pura e santa! Claro que as redes sociais estão infestadas por mentiras, mas elas não foram pioneiras neste processo e nem agem sozinhas.

Até quando o Brasil terá a pior mídia corporativa do mundo?

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

Leia também:

Vídeo: Erro na comunicação faz golaço do governo parecer gol contra, afirma Eduardo Moreira

Marcelo Zero: Não adianta os vira-latas ladrarem. A caravana Lula irá para onde o interesse nacional apontar


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Comentários

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Zé Maria

Aliás …
Será que amanhã o Google vai postar um Doodle
com uma figura matando Judeus, Muçulmanos,
Comunistas, Negros, Mulheres Feministas e Gays?

Zé Maria

.
.
Um dos Grupos Proeminentes da Extrema-Direita Mundial

tem Base na Ucrânia e faz Treinamentos na América:
.
.
“Na Ucrânia, membros do Rise Above Movement (RAM),
grupo supremacista branco com sede no sul da Califórnia,
reuniram-se com grupos como o Batalhão Azov, unidade
paramilitar da Guarda Nacional Ucraniana, que o FBI diz
estar associada à ideologia neonazista.
Acredita-se que o Batalhão Azov também esteja treinando
e radicalizando organizações supremacistas brancas
baseadas nos Estados Unidos da América.
Essas conexões estrangeiras fornecem aos grupos
baseados nos EUA uma oportunidade de melhorar suas táticas,
desenvolver melhores técnicas de contra-espionagem,
endurecer suas visões extremistas e ampliar suas redes globais.”

“Na primavera de 2018, por exemplo, vários membros do
Rise Above Movement (RAM) – Robert Rundo, Ben Daley
e Michael Miselis – viajaram para a Alemanha, Ucrânia
e Itália para comemorar o aniversário de Adolf Hitler e
para conhecer com membros de grupos europeus de
supremacia branca.”

O Ministério da Justiça, a Polícia Federal e o Supremo
devem redobrar a Vigilância dos Neonazistas, amanhã.
É melhor começar o Rastreamento na Internet já agora .

Zé Maria

Curiosidade

Algum Leitor ou Espectador dos Veículos de Imprensa do braZil

já ouviu falar de Svoboda, Pravyy Sektor ou do Batalhão de Azov

integrado como parte formal da Guarda Nacional da Ucrânia,

cujos membros receberam Lanchinhos da Representante do

Departamento de Estado dos Estados Unidos da América (EUA)

em pleno andamento do Golpe de Estado na Ucrânia (*)?
.
.
Aos Espectadores das Redes de Televisão brazileiras – os que
ainda sabem ler e entender o que leem – linkamos alguns textos
para a devida compreensão dos Fatos Históricos:

https://www.thenation.com/article/politics/congress-has-removed-a-ban-on-funding-neo-nazis-from-its-year-end-spending-bill/

https://foreignpolicy.com/2014/08/30/preparing-for-war-with-ukraines-fascist-defenders-of-freedom/

https://www.csis.org/analysis/rise-far-right-extremism-united-states

(*)
“Ainda que possa demorar muito para compreendermos tudo,
Washington assumiu um papel ainda mais direto quando o
protesto [Golpe EuroMaidan] começou.
Os senadores John McCain e Chris Murphy se reuniram com o
líder fascista do Svoboda, ficando lado a lado com ele enquanto
anunciaram o apoio deles aos manifestantes, ao mesmo tempo
em que a Secretária-Assistente do Departamento de Estado,
Victoria Nuland, distribuia sanduíches para eles.”

*(https://jacobin.com.br/2022/02/como-uma-insurreicao-na-ucrania-apoiada-pelos-eua-nos-trouxe-a-beira-da-guerra)
.
.

Zé Maria

O Globo chama o Comediante Nazi-Fascista Ucraniano de Democrata
e o Presidente da Rússia, que foi Eleito pelo Voto Direto da Maioria dos
Eleitores Russos, de ‘Autocrata’. Isso sim é falsear a Verdade Histórica.
Porque em 2013/2014 quem deu um Golpe de Estado na Ucrânia – que
os EUA chamaram de ‘Revolução’, como os Generais no Brasil em 1964
– foram os Partidários de Zelensky, da Extrema-Direita Ucraniana que
ameaçou de Morte o então Presidente Eleito da Ucrânia, que teve que
fugir para outro País, para não ser Assassinado pelos Nazi-Fascistas.

https://disparada.com.br/crise-entre-russia-ucrania-comecou-em-2013/

Zé Maria

O Grupo GEF (Globo, Estadão, Folha) combate tanto o Anonimato, mas
todos os Editoriais desses Veículos de Imprensa que ameaçam dar
‘um Tombo’ no Lula, se ele não se alinhar aos Estados Unidos da América,
são Anônimos. Só se pode deduzir daí que os Editoriais são Escritos – ou
ditados – pelos próprios Donos dessas Empresas de Comunicação.
Por que têm tanto receio – ou medo – de assinar os Editoriais publicados?

Zé Maria

E a Mídia Canalha que já fez Falsas Equivalências
entre Bolsonaro e Lula e entre Micheque e Janja
agora acusa Lula de fazer Falsas Equivalências.

marcio gaúcho

Lula está fazendo o que os nossos preguiçosos empresários não fazem: negócios! Ancorados no rentismo financeiro, nossos empresários não querem produzir e vender. Lula está abrindo portas; aproveite quem for inteligente!

Ibsen

E preciso que o governo inicie de uma vez a discussão sobre a regulação da mídia e amplifique vozes alternativas. Também é preciso dar um basta ao expansionismo religioso dento das concessões públicas de comunicação. Por fim, é preciso que o governo esteja preparado para a investidas golpistas do belicoso e imperialista estado norte americano.

Zé Maria

Depois das Manchetes Mal Intencionadas contra o Lula

vem um Caralhau de C@lunistas e Analistas Polític@s,

Vira-Latas dos Donos, para endossar a Linha Editorial.

Zé Maria

.

O Grupo GEF (Globo, Estadão, Folha) publica aqui no Brasil

Press Releases do Governo dos Estados Unidos da América.

As Empresas de Comunicação são Relações Públicas dos EUA.

.

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