Lelê Teles: O calunismo e o efeito manada da mídia

Tempo de leitura: 4 min
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Por Lelê Teles

Por Lelê Teles*

“ouviram do ipiranga as margens plácidas”, hino nacional

o hino do brasil começa com uma fofoca.

e como toda boa fofoca, ela é provocativa: “como assim, ouviram? quem ouviram? quem é o sujeito dessa oração?”

ora, as orelhas do rio: as margens, plácidas, ouviram.

nessa terra de palmeiras e sabiás não são só as paredes que têm ouvidos, as margens dos rios também escutam a conversa alheia.

aliás, antes do hino teve a carta de caminha.

já leram a parte em que ele fala das mulheres nuas?

aquilo é fofoca pura, gente, embora não falte quem queira dar à missiva um tom etnográfico.

o que é uma tremenda fuleragem.

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a verdade é que os brasileiros gostamos de um fuxico.

lembro-me, quando criança, de quando duas testemunhas de jeová bateram na porta de casa.

mamãe abriu, a contragosto e, quando já ia dispensar as mulheres, uma delas perguntou se mamãe não tava interessada na história do menino que nasceu de uma virgem e caminhou sobre as águas.

mamãe botou as duas pra dentro, fez cafezinho, trouxe bolo e as três conversaram horas a fio:

as mulheres abriram um livro e começaram a contar histórias curiosas e cabeludas: adultério, poligamia, espetáculos mágicos, cajado abrindo mares, baleia engolindo homem, irmão matando irmão, pai engravidando filhas, mulher virando estátua, burro falando, cobra falando…

pronto, mamãe virou apóstola.

no dia seguinte tava pregando pela vizinhança: “morreu nada, minina, quer dizer, morreu mas ressuscitou. depois de morto ele falou, vou viver de novo, foi lá e reviveu a si mesmo…”

pois bem, às vésperas do natal, a calunista malu gaspar, d’oglobo, soltou uma fofoca no ar, assim como quem solta um peido e sai de perto, só pra ver a coisa feder.

e fedeu.

gaspar acusa o ministro alexandre de moraes de advocacia administrativa, diz que o capa preta foi até o banco central e, curiosamente, tentou aliviar a barra do governador de brasília que, como sabemos, é seu desafeto.

é certo que moraes e galípolo se falaram, mas sobre o que falaram só os dois o sabem e os dois afirmam que trataram da lei magnitsky, medida utilizada pelos gringos para sufocar o ministro financeiramente.

faz total sentido a história!

só que dona gaspar não acredita em nenhum dos dois, ela prefere crer no relato de terceiros.

fulanizar é uma praxe da fofoca: “foi o sussurro de um anjo”, “ouvi dizer”, “o povo tá falando…”

foi esse tipo de jornalismo de cochichos que pariu a ¹grávida de taubaté, foram rumores irresponsáveis como esses que destruíram a ²escola base, é por esse tipo de futrica que pessoas são linchadas nas ruas.

o brasil é um país de fofoqueiros e ³linchadores.

a fofoca ventilada por gaspar acendeu a ira da turba, que promoveu um linchamento virtual contra o ministro.

malu afirma, sem provas – portanto, ⁴calunia -, que moraes tentava interceder a favor do banco master, que é defendido pelo escritório da esposa do ministro.

ocorre que o banco foi liquidado e o banqueiro trambiqueiro foi em cana.

por isso mesmo, os envolvidos deram de ombros pra futrica de malu.

desmascarada, gaspar tentou dar credibilidade às suas fontes, disse que ouvia vozes do mercado.

um sussurro de anjos, em suma.

essa é uma manjada tática lavajatista, já vimos essa gente agir assim antes.

lembro-me do triplex do lula, que nunca foi do lula, mas os calunistas afirmavam que era.

o sítio de atibaia não tinha escritura em nome de lula, mas os calunistas acharam lá dois pedalinhos com os nomes dos netos de lula.

pronto, era a prova que faltava.

malu quer fazer do banco master o triplex de alexandre moraes.

os bilionários donos dos jornais entraram com os dois pés nesse tititi e escalaram todas as suas equipes de calunistas para reverberarem mais vozes do além.

querem o impeachment de moraes, depois o de flávio dino e, em seguida, o de lul4.

até agora não apareceu uma única prova, só o disse-me-disse.

não se pode aceitar que jornalistas façam acusações de tamanha gravidade somente com fontes em off, porque nem é preciso desconfiar da apuração, mas das próprias fontes.

malu deixou escapar que um dos anjos sussurrantes é o próprio banqueiro do Master, as outras vozes são de outros banqueiros, movidos por interesses próprios.

e assim, com fulanos, sicranos e beltranos, vai se arquitetando uma narrativa que, ao fim e ao cabo, só favorece as fontes de onde jorram esse falatório.

e o efeito manada tá surtindo efeito, ao lado de malu gaspar, miriam leitão, merval pereira e cantanhêde surgem os improváveis jones manoel e breno altman.

os dois progressistas lavajatizaram e já andam por aí, pelos salões de beleza virtuais, contando as novidades: “viram a última notinha da malu gaspar?”

o antipetismo é uma patologia política que precisa ser estudada.

palavra da salvação.

¹ em 2012, uma pedagoga ficou famosa após criar uma falsa história de que estava grávida de quadrigêmeas, virou arroz de festa em programas de auditório.

² em 1994, os proprietários de uma escola infantil em são paulo foram acusados injustamente de abuso sexual, causando danos irreparáveis à sua reputação devido à cobertura precipitada da imprensa e à conduta da polícia.

³ brasil tem uma das maiores ocorrências de linchamentos no mundo. um levantamento da rede de observatórios da segurança revelou que, em 2024, o país registrou, em média, um linchamento a cada dois dias.

⁴ calúnia é o ato de acusar falsamente alguém de ter cometido um crime, sem provas, visando manchar sua reputação social (honra objetiva). é um crime contra a honra previsto no art. 138 do código penal brasileiro.

*Lelê Teles é jornalista, roteirista e mestre em Cinema e Narrativas Sociais pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)

Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Lelê Teles

Lelê Teles é jornalista, roteirista e mestre em Cinema e Narrativas Sociais pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).


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