Danny Boyle: Nada sobre o gulag britânico no Quênia

Tempo de leitura: 2 min

por Luiz Carlos Azenha

Esporte nem sempre combina com sutileza.

Muitas vezes, por culpa dos próprios jornalistas esportivos.

Um punhado deles confunde excitação pessoal — mamãe, estou nas Olimpíadas! — com o que estão cobrindo.

Danny Boyle, o diretor da abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, pelo menos foi sutil.

O humor britânico é mordaz, como em “a rainha saltou de paraquedas” para chegar ao estádio olímpico.

Humor é uma boa forma de lidar com a decadência relativa do país, de império a poodle dos Estados Unidos.

Na abertura dos Jogos de Beijing, em 2008, a Globo (Ali Kamel?) reclamou da cerimônia de hasteamento da bandeira da China, supostamente “militarizada”.

Os britânicos repetiram os chineses, mas é improvável que o Renato Machado reclame, por motivos óvios.

A cerimônia foi politicamente correta.

Havia um negro entre os engenheiros que “fizeram a transição” entre o Reino Unido pastoril e a Grã Bretanha da Revolução Industrial.

Isso só engana quem não leu Imperial Reckoning: The Untold Story of Britain’s Gulag in Kenya, Cômputo Imperial: A história não contada sobre os Gulags britânicos no Quênia.

Tenho o livro. Li. É sobre como os britânicos repetiram, contra os negros revoltados do Quênia a implantação de campos de concentração que já tinham usado na guerra contra os bôer, na África do Sul.

Os negros quenianos resistiam à perda de terras resultado da exportação britânica de soldados, pós-Segunda Guerra Mundial.

Em resumo, matança de civis, no estilo do holocausto da Alemanha.

O diretor da cerimônia de abertura das Olimpíadas tentou ousar, mas dentro de certos limites.

As sufragettes britânicas, mulheres que batalharam pelo voto feminino, são mais aceitáveis para uma audiência global que os mineiros socialistas em greve contra a exploração do trabalho na Revolução Industrial.

Em geral, as cerimônias de abertura são desenhadas para projetar a imagem de como um país pensa sobre si, o que não tem necessariamente relação com o que o país, de fato, é.

Neste sentido, a imagem mais reveladora foi o sobrevôo sobre a City, o setor financeiro de Londres, com seus grandes arranha-céus.

O príncipe Charles, fã da arquitetura representativa do antigo império, despreza as torres de concreto e vidro.

Mas é o paraíso fiscal londrino, que recicla fortunas da máfia russa — para não falar do Maluf, via Jersey — que sustenta o que sobrou do império.

Leiam Poisoned Wells, the Dirty Politics of African Oil, Poços Envenenados, a Política Suja do Petróleo Africano para entender melhor.

De qualquer forma, não é sempre que a gente vê uma abertura de Jogos Olímpicos que termina com Pink Floyd e Paul McCartney.

Com certeza, melhor do que a Globo vai inventar em 2016.

Corremos o risco de ver o Brasil sem qualquer sutileza, representado por Sergio Mendes.


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Comentários

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George

Tive um professor de história, que dizia que os Ingleses eram chamados de “demônios de olhos azuis” na India colônia.
Interesante este doc. sobre a divida do governo britanico:

http://www.youtube.com/watch?v=8OMFv1bIeEY

PS – Ronald Biggs preferiu a cadeia com SUS britanico, à liberdade com SUS brazuca.

Joe

Sergio Mendes??? No boa Azenha, deus te ouça, por acho que vai rolar um Michel Teló, correndo o risco de um Tchu-Tchá-Thchá….

Wagner

Belíssimo texto.

Até hoje quando vejo o Tony Blair seu semblante me lembra um cachorrinho amestrado de circo.

Quanto às incursões européia no continente negro do século XIX (que me parece, foram piores que as dos séculos anteriores, com escravidão e tudo), os belgas foram os piores. O rei dos belgas (e não a Bélgica) era dono do Congo!

Os relatos da época são apenas para os fortes de estômago.

Um livro excelente sobre essa época é o “No Coração das Trevas” de Joseph Conrad.

Tanuri

E a Marina Silva, hein? Que coisa!

    jsmb

    Quem????

Carlos Fuentes

Azenha,

No Zimbabwe, então chamado de Rhodesia, em “honra a seu dono”, Cecil Rhodes, também fundador da tristemente célebre De Beers, aconteceu exatamente o mesmo que na Kenya: após a Segunda Guerra, a Rainha premiou a ex-soldados com terras. O regime? Igual ao do apartheid da África do Sul. Foram esse fazendeiro que o Robert Mughabe expulsou do país.

Os ingleses, sem dúvida nenhuma, foram muito hábeis como colonizadores e com a imagem posterior do período colonizador na África perante os olhos do mundo: ninguém lembra dos gulags da Kenya, muito menos do feito no Zimbabwe, porque ao final de contas, neste país governa o tiraníssimo Mughabe, ou que sob tutela inglesa -quando ainda eram parte do commonwealth- os Boers holandeses implementaram na África do Sul o apartheid em 1948.Os genocídios franceses, holandeses ou belgas, sempre são lembrados muito mais lembrados são ainda as chacinas dos ditadores “selvagens” e “pouco evoluídos”, sempre e quando deixem de representar um interesse para Europa e Estados Unidos. Os crimes dos ingleses, não, não existem, ou não existiram. Nota 10 para os historiadores e relações públicas da Rainha.

Filipe Rodrigues

E nenhum momento, houve uma glorificação ao colonizador império britânico na cerimônia.

Olhe os pontos positivos Azenha, o SUS inglês (que tem 63 anos, enquanto o brasileiro tem 23 anos) foi homenageado, maior legado socialista. Seria uma resposta as críticas do Mitt Romney?

Já os problemas na organização, como a segurança terceirizada é mais uma herança maldita da Margaret Thatcher.

    Luiz Carlos Azenha

    Concordo, Felipe. Foi um lapso lamentável de minha parte não ter citado a interessante inclusão do SUS britânico na cerimônia. Ainda bem que você me corrigiu. abs

    Tanuri

    Felipe, deve ter sido uma resposta mesmo ao candidato americano. Parece que organizaram tudo em dois dias para lhe dar uma resposta a altura.

Willian

Fico aqui pensando que país do mundo não tem um passado que tenha que ser adocicado para uma audiência global.

Luiz Moreira

Azenha!
Cabe no teu texto incluir as GUERRAS DO ÓPIO, que mergulharam a China na droga e criaram o IMPERIO GLOBAL BRITANICO. Mostrou bem a capacidade britânica de explorar os povos subdesenvolvidos.

    jsmb

    Não esquecemos do Paraguai>

Marat

Parabéns, Azenha, belíssimo texto. Caríssimo: o Brasil precisa de mais textos seus!!!
Os ingleses precisam ser desmascarados para o povão, que ainda pensa que eles são bacaninhas, elegantes etc… São sujos (poodle dos EEUU – sensacional!) e empregadinhos do Tio Sam. Falando em Tio Sam, recomendo também um livro espetacular (que ainda estou lendo): O cruzeiro imperial, de James Bradley.

Juan

Nossa Azenha, esse final de texto aí eim, desalentador!!

Fernando Garcia

Caro Azenha,

não sabia desta do príncipe Charles. Quando vi as torres não pude deixar de pensar no Assange, que constantemente repete que Londres é o destino do dinheiro sujo do mundo… no mais, é difícil pensar onde o império britânico não meteu a mão, afinal este foi o império onde o sol nunca se punha.

Pynk Floyd é bom, mas não sei… o rock nunca me pegou e, na verdade, prefiro Yes. Nunca ouvi muito Paul, mas lembro de ouvir a versão dele de “San Francisco Bay” logo depois de ouvir a do Eric Clapton…

O que a Globo vai inventar pra 2016? Sérgio Mendes na abertura? Acho que passaremos longe disso… a única coisa que não me preocupa em relação ao Rio é a abertura, até porque o desfile da sapucaí é feito todo ano e, sinceramente, vale por algumas aberturas. Pode até ter o Sérgio Mendes que vai ser bom…

Willian

A audiencia não foi global, haja vista que foi exclusividade da Record.

    lulipe

    O bom foi ver Ana Paula citando o Jornal da Globo, deve estar com saudades!!!

    Willian

    Mas continua sendo a melhor apresentadora de telejornal do Brasil. Pena que faça poucas reportagens.

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