A crise da “democracia” é global: o que o Trump tem a ver com o Temer?
Tempo de leitura: 4 min
por Luiz Carlos Azenha
Altamiro Borges, em seu blog, anota em Mídia agora confirma fiasco da economia trecho de um texto publicado pela revista Época, dos irmãos Marinho:
“Não bastasse todos os indicadores econômicos pouco alvissareiros, a prisão preventiva do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, criou mais uma nuvem negra a pairar sobre o governo Michel Temer. Dependendo do que Cunha vier a falar aos procuradores da Operação Lava Jato, a estabilidade política do governo poderá ficar em risco, com o comprometimento da aprovação no Congresso das reformas em curso. Uma volta aos tempos turbulentos do governo Dilma provocará mais incertezas e desconfianças em relação ao futuro da economia”.
É quase um pedido para que a Lava Jato, depois de derrubar Dilma e escorraçar Lula e o PT da cena política, pare de investigar em nome de salvar a economia.
O parágrafo, obviamente, exclui os irmãos Marinho da lista daqueles que ajudaram a promover os “tempos turbulentos” do governo Dilma, com seu noticiário enviesado, distorcido, omisso e descontextualizado, inclusive sobre a economia.
Pois, se é fato que na campanha eleitoral de 2014 Dilma dourou a pílula sobre a situação econômica futura, também é verdade que fatores externos estavam e estão entre os principais motivos — talvez o principal — da crise brasileira.
Podemos dizer, de maneira bem geral, que a instabilidade política generalizada é um dos subprodutos da crise de 2008 que, ao contrário do que dizem alguns de nossos comentaristas econômicos rasteiros, foi enfrentada de forma a colocar a conta nas costas dos trabalhadores e da classe média.
Os Estados Unidos e, mais tarde, a União Europeia decidiram que num capitalismo supostamente de “livre mercado” existiam os “muitos grandes para falir” e trataram de socorrê-los à base de injeção direta ou indireta de trilhões de dólares e euros em dinheiro público. Estou falando, obviamente, dos bancos.
O fato de que agora mesmo o Deutsche Bank, da Alemanha, um dos fiadores da solução europeia para a crise enfrenta suas próprias dificuldades, dá a vocês a dimensão exata do buraco.
Apoie o VIOMUNDO
As consequências variam de acordo com o freguês. Para os países da periferia mais distante — Mali, Etiópia, Afeganistão, para dar apenas três exemplos — a saída é exportar gente. Daí que milhares de pessoas correm risco de vida para literalmente vegetar em centros de recepção de imigrantes na Alemanha, na França, na Itália, nos Estados Unidos — quando não, simplesmente, nas ruas.
Para países com grandes populações de jovens, o risco é de instabilidade que gere revoluções como as que vimos mais recentemente no Oriente Médio e no norte da África — a interferência externa é um fator importante, com atores globais e regionais disputando seus próprios interesses diante de estados enfraquecidos.
Todos estes países dependem basicamente da exportação de matéria prima e produtos básicos para mercados globais desaquecidos, quando não pura e simplesmente da exportação de mão-de-obra, que gera de volta remessas de dólares e euros para sustentar famílias.
Na Turquia, onde estive recentemente, o primeiro-ministro Recep Erdogan tirou proveito de uma tentativa de golpe militar para demitir milhares de servidores públicos, fechar jornais de oposição, prender jornalistas, deputados e oposicionistas — muitos dos quais sem qualquer relação direta com o golpe.
Há uma particularidade neste estado de exceção. Erdogan foi um dos “engenheiros” da mudança de regime na Síria, fez vistas grossas para o financiamento e o armamento de fundamentalistas e acabou mordido pelo bicho que ajudou a engordar: os ataques do ISIS na Turquia dilapidaram uma das fontes de renda do país, o turismo.
Um dos ataques foi ao aeroporto Ataturk, de Istambul, ponto de chegada-saída de turistas.
É óbvio que, se Erdogan agora usa métodos ditatoriais para eliminar a oposição, é para garantir o sucesso eleitoral de seu partido num quadro econômico que dá sinais de se tornar menos favorável. Como no caso de Lula, depois do “milagre”, a ressaca.
Afinal, a conta de 2008 ainda não foi “fechada”. A grande descoberta de então é que, no capitalismo financeiro que impulsionou a globalização, havia muitos e muitos papéis sem qualquer lastro na economia real. Dinheiro ou título fake, de mentirinha.
Mal comparando, é como se você utilizasse o vale que recebe de sua empresa para dar como garantia em outras operações financeiras. Pagar a conta do armazém com o vale ou dar como garantia na compra de um eletrodoméstico. Um dia o cara que recebeu o vale vai atrás daquela fonte de renda e descobre que sua empresa simplesmente fechou.
De maneira bastante grosseira, é mais ou menos isso o que aconteceu. Bancos falidos, montados em papéis de mentirinha, foram salvos com o seu dinheiro, numa imensa operação de transferência de renda da base para o topo da pirâmide.
Aos governos só restou pendurar a conta nas costas de alguém. Com todos os risco de comoção política e social embutidos nisso.
Para agravar a situação, a globalização multiplicou a capacidade instalada de produção de bens e serviços no mundo. Com a crise, “sofrem” os capitalistas em seu “direito” de acumular.
Por isso, se há alguma coisa em comum na conjuntura política e econômica global, é o ataque às conquistas sociais dos trabalhadores.
O apelo eleitoral de Trump nos Estados Unidos, apesar dos chiliques dos apoiadores de Hillary Clinton, tem a ver com isso: ele aponta os privilégios dados pelo “sistema” aos de cima, diz que não pagou tantos impostos quanto deveria por ter tido os privilégios dados “aos de cima”. É uma óbvia jogada demagógica, mentirosa, mas que repercute com os eleitores porque é como se estivesse dizendo: eu conheço por dentro as mutretas deste sistema representado pela grande amiga dos banqueiros, Hillary Clinton, e só eu sei como atacá-lo e desmontá-lo.
A crise da “democracia representativa” é isso: ela representa cada vez menos e menos gente.
O que nos leva de volta ao Brasil e ao texto da revista Época. Temer fez a opção preferencial pelos ricos na hora de decidir quem vai pagar a conta da crise que, adiada por Lula, finalmente bateu com força. Foi este o motivo do golpe. Mas há o risco de que estas “conquistas” dos de cima sejam ameaçadas se houver eleições presidenciais em 2018.
Por isso, talvez seja necessário restaurar a fachada da “democracia” corroída pelo golpe de 2016 com uma figura que “paire” sobre a política partidária antes da próxima campanha, tirando Temer e as figuras impolutas que o acompanham do poder.
Obviamente, depois de “naturalizar” a repressão aos movimentos sociais e de cassar o Lula. É isso ou algum tipo de manobra para justificar que não haja eleições em 2018.
O que o Brasil tem de especial, neste caso, é uma megoperação contra a corrupção que, mesmo com a melhor das intenções, acaba solapando a economia de forma suicida num momento de profunda crise econômica. Mais uma jabuticaba.
Leia também:





Comentários
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!