Jair de Souza: O artigo de Desmond Tutu

Tempo de leitura: 4 min

O princípio de justiça requer ações para pôr fim à opressão dos palestinos

Por Desmond Tutu, sugerido pelo Jair de Souza

Tampa Bay Times, 01 de maio de 2012-05-09

Há um quarto de século eu percorri os Estados Unidos de ponta a ponta para encorajar os estadunidenses, particularmente os estudantes, a que pressionassem em favor do desinvestimento na África do Sul. Hoje, lamentavelmente, chegou a hora de tomar medida semelhante para forçar Israel a pôr fim a sua prolongada ocupação do território palestino e sua recusa a estender direitos iguais aos cidadãos palestinos que sofrem com cerca de 35 leis discriminatórias.

Cheguei a esta conclusão lenta e dolorosamente. Sei muito bem que muitos de nossos irmãos e irmãs judeus que foram tão úteis na luta contra o apartheid sulafricano ainda não estão preparados para reconhecer a natureza do tipo apartheid do Estado de Israel e de seu governo atual. E estou enormemente preocupado que o fato de levantar esta questão venha a causar dor-de-coração a algumas pessoas na comunidade judaica com a qual eu venho trabalhando estreita e exitosamente há décadas. Mas não posso ignorar o sofrimento palestino que eu testemunhei, assim como também não as vozes daqueles judeus corajosos preocupados pelo curso discriminatório de Israel.

Nos últimos dias, cerca de 1200 rabinos estadunidenses firmaram uma carta – planejada para coincidir com resoluções pela Igreja Metodista Unida e a Igreja Prebiteriana (EUA) – apelando aos cristãos a não “desinvestir seletivamente em certas companhias cujos produtos são usados por Israel”. Eles alegam que “uma abordagem unilateral” em resoluções de desinvestimento, ainda que sobre desinvestimentos seletivos de companhias que lucram com a ocupação proposta pelas igrejas Metodista e Presbiteriana, “causam dano ao relacionamento que vem sendo cultivado há décadas entre judeus e cristãos”.

Embora eles sejam, sem dúvida, bem intencionados, eu creio que os rabinos e outros opositores do desinvestimento estão tristemente equivocados. Minha voz sempre se alçará em defesa do apoio aos laços entre Cristãos e Judeus e contra o antissemitismo, o qual todas as pessoas sensatas temem e detestam. Mas isto não pode ser desculpa para não fazer nada e manter-se distante enquanto os sucessivos governos israelenses colonizam a Cisjordânia e levam avante leis racistas.

Eu me recordo bem das palavras do Rev. Martin Luther King  Jr. em sua carta desde uma prisão em Birmingham na qual ele confessa a seus “irmãos e irmãs judeus” que ele estava “gravemente decepcionado com os brancos moderados… que são mais devotos da “ordem” do que da justiça; os que preferem uma paz negativa, que é a ausência de tensões, a uma paz positiva, que é a presença de justiça; os que constantemente dizem: “Concordamos com você quanto ao objetivo, mas não podemos concordar com seus métodos de ações diretas”; os que paternalisticamente acreditam que podem determinar a agenda da libertação de outros homens…”

As palavras de King descrevem quase que com precisão as incongruências dos 1200 rabinos que não estão se unindo aos corajosos palestinos, judeus e internacionalistas nas comunidades isoladas da Cisjordânia em protesto não-violento contra o roubo da terra palestina por Israel afim de construir assentamentos ilegais só para judeus e o muro da separação. Não podemos enfiar nossa cabeça debaixo da terra enquanto as incessantes atividades colonialistas vão anulando a possibilidade de uma solução de dois estados.

Se não chegarmos à solução de dois estados num futuro breve, então certamente chegará o dia em que os palestinos deixem de se interessar por um estado separado para eles mesmos e insitam no direito de votar no governo que controla suas vidas, o governo israelense, em um estado único e democrático. Para Israel esta opção é inaceitável e, ainda assim, está fazendo tudo a seu alcance para que ela venha a acontecer.

Muitos negros sulafricanos têm viajado à Cisjordânia ocupada e têm se horrorizado com as estradas construídas para os colonos judeus, às quais os palestinos têm seu acesso negado, e pelas colônias só para judeus construídas em terra palestina em violação das normas internacionais.

Muitos negros sulafricanos e outros de todo o mundo viram o relatório de 2010 da Human Rights Watch que “descreve o sistema de duas faces de leis, regulamentos e serviços operados por Israel na Cisjordânia sob seu controle exclusivo, os quais fornecem serviços, desenvolvimentos e benefícios preferenciais aos colonos judeus, ao passo que impõem duras condições sobre os palestinos”. Isto, em meu livro, é apartheid. É insustentável. E nós necessitamos desesperadamente que mais rabinos se juntem aos valorosos rabinos de Voz Judia para a Paz (Jewish Voice for Peace) para falar abertamente sobre a dominação corruptora de várias décadas imposta por Israel aos palestinos.

Estas estão entre as palavras mais duras que eu já escrevi. Mas elas são decididamente importantes. Israel não está apenas causando danos aos palestinos, mas está também causando danos a si próprio. Os 1200 rabinos talvez não gostem do que eu tenho a dizer, más já passou muito do tempo de eles retirarem as viseiras de seus olhos e lidaram com a realidade de que Israel está se tornando um estado de apartheid, como era a África do Sul, em sua negação de conceder direitos iguais, os quais não são um futuro perigo como diziam três ex-primeiros ministros de Israel (Ehud Barak, Ehud Olmert e David Ben Gurion) alertavam, mas uma realidade do presente. Esta dura realidade sofrida por milhões de palestinos requer que pessoas e organizações de consciência desenvistam nessas empresas – como no caso de Caterpillar, Motorola Solutions e Hewlett Packard – que lucram com a ocupação e a subjugação dos palestinos.

Uma ação como esta fez uma enorme diferença na África do Sul do apartheid. Ela pode fazer uma enorme diferença para criar um futuro de justiça e igualdade para judeus e palestinos na Terra Santa.

Desmond Tutu, ganhador do Prêmio Nobel da Paz 1984, é arcebispo-emérito de Cidade do Cabo, África do Sul.


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Beto_W

Jair, obrigado por mais esta excelente tradução. O pequeno deslize da vírgula que você menciona não diminui o valor do seu árduo trabalho.

Quanto ao conteúdo do texto, bem, sempre fui contra embargos, boicotes e afins, pois acho que quem é mais atingido é sempre o povo (vide Cuba, Irã e outros). Mas Tutu tem toda razão quando diz que ou se caminha para uma solução real de dois estados ou então que se absorva de uma vez os palestinos à esfera de cidadãos israelenses, permitindo-lhes votar em quem os controla.

Mardones Ferreira

Uma daz vozes pelos direitos dos palestinos aqui no Brasil é a do artista plástico e colunista da Caros Amigos, Gershon Knispel. Há muitos anos ele vem escrevendo sobre a brutalidade de Israel contra os Palestinos.

É preciso espalhar esse manifesto do Desmond Tutu para que mais pessoas saibam da aberração do governo Israelense em pleno século 21, com anuência das chamadas grandes potências.

Jair de Souza

Estimados amigos, queria pedir desculpas por ter feito esta tradução de maneira menos cuidadosa. É que tomei conhecimento do texto, coincidentemente, no momento em que estava esperando o anúncio da partida do voo para a terra de Desmond Tutu, aonde acabo de chegar. Portanto, só me dei conta agora de que o texto traduzido precisaria receber alguns retoques. Em primeiro lugar, queria pedir que incluíssem uma vírgula (,) na seguinte passagem: “Eles alegam que “uma abordagem unilateral” em resoluções de desinvestimento, ainda que sobre desinvestimentos seletivos de companhias que lucram com a ocupação, proposta pelas igrejas Metodista e Presbiteriana, “causam dano ao relacionamento que vem sendo cultivado há décadas entre judeus e cristãos”. Como podem notar, a vírgula deve vir depois da palavra ocupação, para que possamos entender que a proposta de desivestimento está sendo feita pelas Igrejas Metodista e Prebisteriana. Espero que, apesar da pressa, o texto sirva para sensibilizar a todas as pessoas de boa vontade sobre o drama que vive o povo palestino sob a cruel e desumana ocupação israelense.

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