STF julga nesta quinta-feira a classificação indicativa para TV; se abolida, colocará a infância em risco, alerta especialista

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classificação indicativa

STF retoma julgamento contra Classificação Indicativa. Sociedade civil defende o mecanismo de proteção 

do Intervozes — Coletivo Brasil  de Comunicação Social

Está na pauta do Supremo Tribunal Federal, para a próxima quinta-feira (5/11), a retomada do julgamento da ADI 2404, que busca revogar o art. 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990). O texto prevê multa para as emissoras que desrespeitarem a Classificação Indicativa dos programas de televisão, veiculando conteúdo em horário não apropriado. O julgamento foi paralisado em novembro de 2011, após pedido de vistas do então ministro Joaquim Barbosa.

A ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), a pedido das emissoras de radiodifusão, defende a tese de que a vinculação horária da programação a faixas etárias para as quais seriam recomendadas representa uma violação à liberdade de expressão das empresas. Para a Procuradoria Geral da República, a ação é improcedente e a previsão de sanção para os canais de desrespeitarem a política pública, que só pode ser aplicada pelo Poder Judiciário, é legítima. O Ministério Público Federal entende que a liberdade de expressão dos canais deve estar em consonância com outros direitos, como a proteção de crianças e adolescentes diante de conteúdos que podem lhes causar danos.

O relator da ADI, Dias Toffoli, votou em acordo com o pedido das emissoras de TV. Os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e o então ministro Ayres Britto acompanharam o relator. Ainda restam sete votos para a conclusão do julgamento.

Na avaliação de organizações da sociedade civil defensoras dos direitos humanos e que integram o processo no STF como amici curiae, a política pública que regula a classificação indicativa no Brasil é fundamental e deve ser mantida. Elas acreditam que, caso o Supremo derrube o art. 254 do ECA, as emissoras passarão a ignorar o horário indicado para veiculação dos conteúdos violentos e de teor erótico, causando sérios danos ao desenvolvimento psicossocial de meninos e meninas em todo o país.

Convergência de direitos

Em nota, cerca de 80 organizações repudiaram a ação movida no STF e, considerando os avanços da política de Classificação Indicativa desde o início do julgamento, em 2011, solicitaram a realização de uma audiência pública pelo tribunal antes da retomada da análise do caso.

No documento, as entidades lembram que a Classificação Indicativa está de acordo com o direito internacional e se baseia na experiência de diversos países, como França, Alemanha, Canadá, Chile, Argentina, Colômbia, Costa Rica e Estados Unidos, refletindo uma preocupação da sociedade com a proteção da criança e do adolescente no que diz respeito à comprovada influência dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação sobre seu processo de socialização.

Elas também destacam a adequação da vinculação horária da classificação aos padrões internacionais de liberdade de expressão de acordo com o entendimento da ONU e Comissão Interamericana de Direitos Humanos, uma vez que está claramente definida em lei; tem um objetivo absolutamente legítimo, tomando por base os textos internacionais ratificados pelo Brasil e pela própria Constituição Brasileira; e mostra-se indispensável para garantir a eficácia da norma referente à proteção das crianças e adolescentes.

Em dezembro de 2014, pesquisa de opinião realizada pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, no âmbito de uma cooperação técnica entre a Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) e a Unesco, mostrou que 94% dos entrevistados consideram a política de Classificação Indicativa importante ou muito importante – o percentual cresce de acordo com o aumento da escolaridade dos entrevistados.

Já 71% acham muito importante que as emissoras de TV aberta respeitem a vinculação horária, 85% defendem a continuidade da política como ela funciona atualmente e 94% concordam com a aplicação de multas para os canais que desrespeitarem a classificação. Segundo o estudo, 98% dos pais concordam que deve haver algum tipo de controle sobre o que as crianças e adolescentes assistem na TV.

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Abaixo excelente artigo da advogada Tamara Amoroso Gonçalves, que nos foi enviado por Bia Barbosa, do Intervozes. Tamara é doutoranda em direito pela Universidade de Victoria (Canadá) e mestra em direitos humanos pela USP.

Infância em risco com o julgamento da Classificação Indicativa no STF

por Tamara Amoroso Gonçalves*

Na próxima quinta-feira (5/11), o Supremo Tribunal Federal (STF) pode retomar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2404, proposta em 2001 pelo Partido Trabalhista Brasileiro, com apoio da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), para contestar o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

De forma simplificada, questiona-se a validade (e conformidade com a Constituição Federal) do artigo que prevê sanções em caso de descumprimento, pelas emissoras de televisão, da vinculação horária para a exibição de determinados conteúdos, de acordo com a política nacional de Classificação Indicativa. A alegação das emissoras é a de que a lei cerceia a liberdade de expressão dos canais e configura prática de censura.

O julgamento foi iniciado em 2011. Ao analisar os votos dos magistrados que já se pronunciaram, fica a impressão de que o Estado, invadindo a esfera de privacidade e autonomia dos pais e das famílias, estaria impondo limites irrazoáveis às emissoras de TV, que não mais poderiam veicular conteúdos de qualquer natureza, em qualquer hora do dia. Após o pronunciamento de quatro votos favorecendo o posicionamento das empresas de radiodifusão, o julgamento foi interrompido por pedido de vistas.

Agora retorna à pauta, sem que tenha havido qualquer debate público no âmbito da Corte, na forma de audiência pública, conforme solicitação das entidades da sociedade civil que participam do caso. Vale lembrar que, de 2011 até hoje, a Classificação Indicativa se consolidou enquanto política pública, e isso não está sendo considerado pelo STF.

Debatida democraticamente com a sociedade, emissoras inclusive, por muitos anos antes da sua implantação, em 2006, a Classificação Indicativa conta com previsão constitucional, legal e infralegal. Segundo pesquisa elabora com o apoio da Unesco, 94% da população apoiam a política, que está em consonância com recomendações das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos. Nesse contexto, é destacada como mecanismo essencial à preservação dos direitos das crianças e adolescentes em adequado e justo equacionamento com a liberdade de expressão.

Entendendo a política

Para aqueles que desconhecem, a Classificação Indicativa é implementada pelo Ministério da Justiça, que, considerando critérios como cenas de sexo, abuso de drogas e violência, recomenda faixas etárias adequadas para cada obra. A cada faixa etária corresponde uma faixa horária na programação, de maneira a criar um “horário protegido” para crianças e adolescentes. A idéia é que no meio da tarde, por exemplo, quando mais crianças estão potencialmente expostas à mídia, sem companhia dos pais, evitem-se conteúdos excessivamente violentos ou erotizados.

A política não atinge conteúdos jornalísticos, esportivos e publicitários. As emissoras autoclassificam seus programas televisivos e o Ministério da Justiça apenas monitora. Havendo desacordo com a autoclassificação proposta, o Ministério da Justiça pode recomendar que a emissora reveja a faixa etária. Nos dez anos de vigência da política, há acordo entre emissoras e Ministério da Justiça em mais de 95% dos casos. Não houve, até o momento, nenhum questionamento legal dos canais buscando reverter qualquer decisão do órgão.

Em caso de descumprimento da vinculação horária, as sanções – que as emissoras pretendem derrubar no STF – não são impostas pelo Ministério da Justiça. Qualquer responsabilização dos canais só pode resultar de um processo judicial. Não há, portanto, nenhum risco à liberdade de expressão, já que não há nenhum controle prévio de conteúdo e nenhuma interferência do poder público no conteúdo veiculado. Tudo pode ser veiculado, desde que os horários indicados para cada faixa etária sejam respeitados. É assim em inúmeros países do mundo. Por que não aqui?

Qual seria então o objetivo da proposição da ADI 2404? Busca-se, com o pernicioso argumento de censura, declarar inconstitucional a única determinação legal que permite responsabilizar as emissoras em caso de desrespeito à proteção de crianças e adolescentes. Caso saiam vitoriosos, os canais estarão livres para ignorar a Classificação Indicativa e, em busca de audiência e lucro, veicular o que bem entenderem, em qualquer hora do dia. Sem qualquer possibilidade sancionatória, as empresas, que pouco ou quase nada cumprem com os dispositivos constitucionais de promover preferencialmente conteúdos educativos, terão livre licença do Supremo para construir sua grade de programação sem qualquer necessidade de proteger nossas crianças de cenas de violência, sexo e uso de drogas.

Pesquisas no mundo inteiro confirmam que a exposição precoce a esse tipo de conteúdo é extremamente prejudicial ao desenvolvimento infantil. Em nome de uma falsa defesa da liberdade de expressão, a decisão do STF nessa quinta-feira pode colocar a infância e adolescência brasileiras em sério risco.

* Tamara Amoroso Gonçalves é advogada, doutoranda em direito pela Universidade de Victoria (Canadá) e mestra em direitos humanos pela USP.

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Comentários

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Yule Cristina

Se a Globo exibe prostituição de adolescentes às seis horas da tarde, o que está faltando mais?

Ivo

com a televisão completamente obsoleta, qual emissora que ousaria transmitir algo inapropriado às tradicionais famílias brasileiras, seus últimos expectadores? Não faz diferença nenhuma essa tarja, as crianças não assistem mais televisão aberta, nem os jovens….na TV fechada as crianças só assistem discovery kids…cuja programação é muito melhor que a da globo e totalmente tarja verde…

    Rodrigo

    Pois é, quando descobrirem que a criançada de hoje perde mais tempo na internet do que na TV, vão tentar dar um jeito de censurar a rede também.

    Alias, essa tarja é só um enfeite. O Datena mostrou um assassinato ao vivo na Sé as 4 da tarde e ninguém deu importância alguma. Se for para ficar só na conversa, que se libere tudo de uma vez.

L@!r M@r+3$

Gglamourizar sexo e drogas na Sessão da Tarde pela busca desmedida da audiência é a liberdade do patrão!

edson tadeu

OUTRO DIA CONVERSAVA com um amigo e ele descordou de minha posiçao com relaçao a rede globo com suas novelas destruindo o carater de jovens de 12 13 anos e ate menos pois nelas sao vistos jovens meninas que levam seus namorados para o quarto como se fosse a coisa mais natural do mundo. ASs criança logo acreditam ser natural tal atitude e pegam seus namortados e enfiam quarto a dentro e ele me disse: É isso aconteceu com minha filha, ela levou o namorado para o quarto e eu a repreendi, e disse a ele que nao pisasse mais na minha casa. Foi o suficiente para saber que que tinha sido vencido pelos seus proprios argumentos e me dera razao Entao as quedas da classificaçao indicativa vai ser realmente um terror para a juventude e de maneira alguma deve passar no Supremo. alias que dizer que a jsutiça desse país tem que ter muita responsabilidade com relaçao a temas como esses pois isso mexe com o todo da sociedade e as consequencias sao lastimaveis. Novelas com cenas de jovens fazendo sexo ou gays deveriam ter classificaçao indicativa para as 22 horas e qualquer abuso nesse sentido a emissora perderia a concessao.

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