Só povo na rua pode barrar os que deram golpe por machismo, vingança, sede de poder…

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Motivo de Cunha: escapar da cassação e da prisão

O melhor remédio (e talvez único) para rupturas institucionais é a pressão extra-institucional

por Rogério Castro*

Quando se avança, de modo consciente ou até mesmo inconsciente, para uma ruptura institucional como a que estamos presenciando, é porque, de um modo ou de outro, as pessoas que fazem as instituições existirem ultrapassaram, ainda que acreditem no contrário, a linha limítrofe da legalidade.

Quando se tem em questão o atual Parlamento brasileiro, a sua atual composição em que parte expressiva do mesmo acha-se no direito de poder representar a si mesmo e, dado o seu total despreparo político e intelectual, nenhum pudor concorre a lhe importunar, temos o terreno fértil e propício a uma ruptura institucional como a que começou a se materializar no Brasil no último domingo 17 de abril.

Por ressentimento, por convicção ideológica, religiosa, interesse particular, aspiração ao poder, (suposto) senso de justiça, ou seja, por qualquer motivação pessoal – e não importa aqui se justa ou injusta –, os deputados brasileiros arvoraram-se no direito de suplantar a decisão direta, livre e soberana da população e votaram pela destituição da Presidenta sem que tal decisão tivesse arrimo na Constituição Nacional – a esmagadora maioria das falações sequer mencionavam o suposto crime cometido pela Presidente.

Há somente um único nome para isso: rompimento com a institucionalidade.

Em termos reais, tal golpe é contra a decisão e a soberania populares.

Antes das leis que dão regramento às instituições, vem o povo; e as leis, na república democrática da época burguesa (ou moderna), só são calcadas na legitimidade se expressarem a vontade da maioria, que será consubstanciada – pelas leis – na Constituição (o sociólogo alemão Max Weber conferira a tal legitimidade, típica da modernidade, o nome de “legal-racional”).

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Ao sê-la flagrantemente violentada como fora no último domingo, basta-nos invocar Jean-Jacques Rousseau para mostrar o quão tal subversão não deve ter a mínima tolerância por parte daqueles que lhe deram vida (ou legitimidade).

A ruptura institucional já encaminhada não comporta arranjo intra-institucional; o antídoto, nem sempre exitoso, nem sempre com o seu desfecho condizente com os seus anseios originais, está, portanto, fora da institucionalidade: ele deve se dar no mais veemente protesto do povo, que teve a sua soberania violada, e que, o mínimo que pode ele exigir, é a restituição daquilo que lhe fora usurpado, porém lhe pertence: a sua soberania.

Este é o único caminho que lhe resta para que essa trapaça contra ele praticada – conduzida por notórios irresponsáveis, revestida por ares de espetáculo pela mídia – possa ser revertida e o mínimo de respeito e dignidade possam não lhe ser violados.

Hoje, objetivamente falando, resta apenas três caminhos à Dilma: ou será derrubada, e a chance disso acontecer aumenta na razão direta da aposta exclusiva no campo institucional (as últimas decisões do STF são sintomas de que ele não vai trilhar pelo caminho da reversão); ou ela acata a proposta de novas eleições, como sugere o senador pelo Paraná Roberto Requião, que confirma está perdida a batalha na outra trincheira institucional (o Senado), embora não aponte a ilegitimidade da decisão parlamentar; ou renuncia, reconhecendo, tal como um beligerante entabula negociações de armistício, que perdeu a batalha.

Tanto a penúltima como a última possibilidade ganhariam densidade política e deixariam publicamente reconhecida a ilegalidade e a ilegitimidade do processo de seu impedimento se a opção escolhida fosse precedida com um pronunciamento oficial no qual ela trataria de desmontar toda a farsa, dando nome aos agentes do golpe (tanto os políticos como os econômicos), mostrando os interesses que lhes movem, assim como a parcela da população que será atingida, e de, por conseguinte, conclamar o povo a resistir ao golpe que, além de tudo isso, atenta contra a sua soberania (ação extra-institucional).

A ruptura institucional deflagrada, embora não declarada, e até negada por seus agentes, já é internacionalmente conhecida e vista de modo estupefato; não há, portanto, nenhum sentido em continuar agindo com “republicanismo” quando a própria lei maior da República – a Constituição – já fora violada.

*Rogério Castro é Doutorando em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

P.S. do autor: Na verdade, as razões primeiras do golpe perpetrado no domingo, 17, remetem a questões de classe. Numa perspectiva ampla, trata-se da necessidade da burguesia ter em seu “comitê executivo” sujeitos que, sem nenhuma hesitação, “emplaquem suas propostas” (referência à matéria publicada pela Folha de São Paulo, no sábado, dia 16/04), sem maiores embaraços, propostas estas que visam – sem nenhum devaneio esquerdista, mas sim fundado na clara objetividade dos fatos, dos interlocutores – atacar a renda do trabalho em benefício do ganho do capital [a proposta do negociado prevalecer sobre o legislado (um enfraquecimento espúrio da CLT), ou mesmo mecanismos de redução tributária que incidem no fundo público e no consequente dispêndio do mesmo em políticas públicas e sociais (nítida para quem não sacrifica as mediações na análise marxiana), são as principais consequências que afetam diretamente não apenas o mundo do trabalho, como a todo proletariado brasileiro].

Ainda que não haja “vontade geral” por cima das diferenças objetivas de classes, a única requisição possível, no atual momento, é o respeito à Constituição burguesa, palavra esta citada aqui em sentido substantivo, de referência a uma época histórica, e não em sentido adjetivo; e isto não quer dizer que este seja um objetivo fixo, imutável a qualquer mudança qualitativa dos fatos.

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