Rennan Martins: Redução da maioridade penal é embuste cruel

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No topo, Rafael Braga Vieira, condenado a 5 anos por portar uma garrafa de Pinho Sol e outra de água sanitária.  Abaixo, deputados comemoram redução da maioridade penal. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Redução da maioridade é embuste cruel

Emenda permitirá prostituição, produção e venda de pornografia envolvendo jovens de 16 e 17 anos e será votada no mesmo dia em que o Senado apreciará projeto que retira recursos do pré-sal da saúde e educação.

por Rennan Martins | Vila Velha, 19/06/2015, no Desenvolvimentistas, via e-mail

A comissão especial do Circo dos Horrores, digo, Câmara dos Deputados, aprovou o relatório da PEC 171, da redução da maioridade penal, na última quarta (17). De autoria do deputado Laerte Bessa (PR-DF), a emenda constitucional reduz para 16 a idade penal nos casos de crime hediondo. Foram 21 votos favoráveis contra 6 discordantes.

Os desatentos ou ingênuos talvez tenham achado prudente que o texto se restrinja aos casos hediondos, julgando haver alguma preocupação com o futuro da juventude marginalizada por parte de nossos congressistas. Ledo engano. O relatório original previa redução ampla e irrestrita e a mudança se deu por uma negociata do digníssimo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que manobrou para barrar o apoio que o governo costurava ao projeto de reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A Câmara que aí está – de um conservadorismo rançoso e aversão ao debate racional e factual – se deixa levar por uma imprensa que incita a revolta na população, pintando um quadro não compatível com a realidade. Deputados que deveriam representar o cidadão, estudar as questões nacionais e propor ideias com potencial de avanço e resolução de conflitos, se contentam em ser levados a reboque por meia dúzia de editores que há décadas servem a interesses avessos ao bem comum.

Os casos de crimes contra a vida praticados por menores não são regra, mas exceção. O Ipea esclarece, em nota técnica publicada na terça (16), que dos 15 mil menores atualmente cumprindo internação, 8,75% o fazem por homicídio, 1,9% por latrocínio, 1,1% por estupro e 0,9% devido a lesão corporal. Dentre os internos, 60% são negros e nada menos que 66% são provenientes de famílias consideradas extremamente pobres.

O que faz a PEC 171 é agredir uma juventude que comete, em sua maioria, delitos de baixo potencial ofensivo, enterrando de vez as chances de alguém que provavelmente nunca teve acesso à cidadania e oportunidades. Joga-se no lixo o pacto civilizatório e a constituição cidadã por conta de uma campanha sangrenta e caluniosa da bancada da bala. E não adianta argumentar que o previsto é que os internos entre 16 a 18 anos sejam separados dos demais, nós já não cumprimos as regras do sistema vigente, o que acontecerá é a prisão comum, sob a alegação de falta de recursos.

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Outro sórdido detalhe será o viés racial e social das punições. Um país que condena Thor Batista a prestação de serviços sociais por atropelar e matar, em alta velocidade, um ciclista, e prende Rafael Braga Vieira, por portar uma garrafa de pinho sol e outra de água sanitária, não tem condições nem envergadura moral para sequer falar de redução da maioridade. Como muito bem aponta a psicanalista Maria Rita Kehl:

Quem acredita que o filho de um deputado, evangélico ou não, homofóbico ou não, será julgado e encarcerado aos 16 anos por ter queimado um índio adormecido, espancado prostitutas ou fugido depois de atropelar e matar um ciclista?

Sabemos, sem mencioná-lo publicamente, que essa alteração na lei visa apenas os filhos dos “outros”. Estes outros são os mesmos, há 500 anos.

A PEC 171 ainda abre brechas jurídicas que permitirão o consumo de álcool, a direção de veículos e até mesmo a prostituição, produção e venda de pornografia envolvendo jovens de 16 e 17 anos. Está aí a prova inconteste de que esses senhores não sabem do que estão tratando, nem ao menos notaram a perversão de suas propostas. Condenam milhões de jovens a desgraça sorrindo e se abraçando. Um projeto deste teor, independente de posições pró e contra, deveria ser tratado com a maior seriedade, e a fanfarra que fizeram só demonstra crueldade e barbárie.

O projeto vai a plenário da Câmara no próximo dia 30, dia em que o Senado pretende votar o PLS 131/2015, que dá duro golpe na política de investimentos sociais com os recursos do pré-sal. É emblemático que no mesmo dia em que uma casa vote pela cadeia aos jovens, a outra queira aprovar o saque aos recursos que iriam para a saúde e educação.

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