Protesto contra as UPPs durante enterro de Douglas Pereira no Rio

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Canto, choro e pedido de justiça marcam protesto  e enterro de jovem morto no Rio de Janeiro

Reportagem de Tatiana Merlino e Caio Castor (texto e fotos), do Rio de Janeiro (RJ)

Quinta-feira, 24 de abril. Cemitério São João Batista, bairro do Botafogo, Rio de Janeiro. Coroas de flores, fogos de artifício, aplausos, reza de “Pai Nosso”, lágrimas, palavras de ordem e música marcaram o enterro do dançarino Douglas Rafael Pereira, morto na madrugada de terça-feira, 22, na favela Pavãozinho, localizada no bairro de Copacabana.

“Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci, e poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem o seu lugar” cantam cerca de 500 pessoas, entre parentes, amigos e moradores, amontoadas no corredor do cemitério, em cima dos muros, emocionadas, em torno do caixão do jovem.

“Saudade, mano DG”, diz um cartaz segurado por um jovem próximo ao ataúde, carregado por amigos do rapaz.

“Chega de chacina, polícia assassina!” e “Fora UPP!”, gritam. No momento em que o caixão é colocado na urna do cemitério, alguns puxam o canto: “Ah, não! O DG, não! Já tá fazendo falta lá no morro do Pavão!”.

Douglas, dançarino do programa “Esquenta”, da TV Globo, foi morto após policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) localizada na comunidade terem realizado uma operação na noite do dia 21 para, segundo a PM, checar uma denúncia relativa ao tráfico de drogas no local.

Na manhã do dia 22, seu corpo foi encontrado no pátio de uma creche, com ferimentos e uma marca de tiro. Sua mãe, Maria de Fátima da Silva, acusa os policiais da UPP de terem torturado e matado o jovem.

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De acordo com laudo necroscópico do Instituto Médico Legal (IML), a bala atingiu suas costas e saiu pelo ombro direito.

Os manifestantes das comunidades Pavão, Pavãozinho e Cantagalo chegaram ao cemitério caminhando, vindos da creche Escola Lar de Pietrina, onde Douglas Rafael Pereira foi encontrado morto na manhã de terça-feira.

Uma manifestação foi marcada para o local, onde havia, além dos moradores que se concentravam segurando cartazes pedindo “Fim da PM”, “Chega de extermínio”, “5 anos de UPP basta” e “A revolta é da favela, não do tráfico”, muitos homens da Polícia Militar.

O protesto era em repúdio ao assassinato de Douglas e Edilson da Silva Santos, de 27 anos, morto com um tiro no rosto durante protesto de moradores que se seguiu à morte de Douglas. Edilson tinha deficiência mental.

A Polícia Militar acompanhou a manifestação, que seguiu pela avenida Nossa Senhora de Copacabana debaixo de uma chuva fina.

Jovens, crianças, adultos e motoqueiros cantavam, gritavam, choravam pedindo o fim das UPPs e clamando por justiça pelo assassinato dos jovens. “Sem hipocrisia, a polícia mata pobre todo dia”, “Ai, não! O DG, não!”, “Justiça, Justiça”, gritavam.

Quando passaram em frente ao 19º Batalhão da PM, os manifestantes gritaram “Fora UPP” e “Assassinos!”.

O cantor Mc Leonardo, presente ao ato, puxou a música “Eu só quero é ser feliz”, que foi repetida várias vezes durante o protesto.

Pessoas que estavam em restaurantes e bares das redondezas filmavam, aplaudiam e cantavam junto. Uma manifestante que não quis se identificar mostrou uma foto do corpo de Douglas, na qual ele está com os braços levantados, cruzados, em posição de defesa.

Na frente do cemitério, a mãe de Douglas, Maria de Fátima, disse: “A morte dele não vai ficar impune. Peço justiça, que se respeite nossa comunidade”.

Ela protestou contra a presença dos policiais da PM e  do Batalhão de Choque, que empunhavam armas e metralhadoras na entrada do local.

“Quem chamou esses assassinos para virem aqui?”, questionou. “Mataram meu filho. Não convidei a polícia para estar aqui. Por que tantos estão aqui? Eu só quero os amigos. A comunidade está cansada”.

Primeiro, eles atiram

Leandro Augusto, amigo de Douglas, disse que as comunidades estão cansadas das UPPs e dos abusos policiais cometidos contra a população.

“Há muito apavoramento. Para eles [os policiais], todos que moram lá são bandidos. Primeiro eles atiram, depois vão ver quem é a pessoa. Temos nossos direitos violados todos os dias.”

Na frente do cemitério, motoqueiros fizeram um buzinaço. Já um morador aproximou-se e disse: “Tenho um vídeo muito forte, querem ver? Fui eu que gravei.”

Nas imagens, aparece Edilson morto, caído no chão, ensanguentado, arrastado por moradores, que gritavam para levá-lo ao hospital. A alguns metros de distância, pode-se ver um grupo de policiais. E tiros são ouvidos.

John Cleiton, de 18 anos, morador do Pavão, também participava da manifestação: “A UPP é uma farsa, está destruindo famílias na comunidade, tirando vidas”.

Segundo ele, os policiais abordam os moradores com truculência e usam o poder que têm de forma desproporcional.

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PS do Viomundo: Não há segurança pública possível num país que destina metade do orçamento ao pagamento de juros aos banqueiros; o mais triste é ver que o candidato número um dos banqueiros vem aí com o discurso da “ordem”, quando as políticas que ele prega são justamente as que promovem a “desordem” neoliberal.

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