Na ONU, jovem Guarani Kaiowá denuncia o Estado brasileiro: “É cego, surdo e mudo. O que existe é um derramento de sangue”; vídeos

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Erileide Guarani Kaiowá/Aty Guasu também denunciou na pré-sessão da Revisão Periódica Universal da ONU: "'Disputamos o que é nosso com agronegócio, colocamos nossas vidas em risco”. Fotos: UPR/info e reprodução de vídeo do Cimi

Pré-sessão da Revisão Periódica Universal (RPU). Foto: UPR Info

“O que existe no Brasil é um derramamento de sangue”, denuncia jovem Guarani Kaiowá na ONU

A pré-sessão da Revisão Periódica Universal está sendo realizada de 29 de agosto à 2 de setembro deste ano; o evento busca analisar a situação de diretos humanos no país

Por Assessoria de Comunicação do CIMI, com informações do Coletivo RPU-Brasil

Aos povos indígenas no Brasil, “o Estado é cego, surdo e mudo”, alertou Erileide Domingues, jovem liderança Guarani Kaiowá. A denúncia foi feita durante a pré-sessão da Revisão Periódica Universal (RPU), na manhã desta terça-feira (30), em Genebra, na Suíça.

O evento, organizado pela URP Info no espaço da ONU, está sendo realizado de 29 de agosto a 2 de setembro, e tem por objetivo analisar a situação de diretos humanos no país e preparar a sessão que deve acontecer em novembro deste ano. O Estado brasileiro tem sido duramente criticado pelas organizações da sociedade civil durante o evento.

“Estão pulverizando o ódio. O que existe é um derramamento de sangue”, reforçou a jovem que representa a Aty Guasu, a Grande Assembleia dos povos Guarani e Kaiowá.

Ao embaixador do Brasil na ONU, Tovar Nunes, e demais representantes dos países que compõem as Nações Unidas, Erileide exigiu um basta de mentiras e afirmou que a crise sanitária da Covid-19 agravou ainda mais a situação dos povos originários no país.

Erileide Guarani Kaiowá/Aty Guasu/Cimi

“Os povos indígenas estão sofrendo há décadas, sendo massacrados e alvo de muita violência por falta de território. Disputamos o que é nosso com agronegócio, colocamos nossas vidas em risco”, denunciou.

Os dados de 2021 do relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil (na íntegra, abaixo), publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), refletem essa realidade denunciado por Erileide.

Das 1.393 terras indígenas no Brasil, 871 seguem com alguma pendência para sua regularização, o que significa duas de cada três terras indígenas no país. Destas, 598 permanecem sem nenhum trâmite feito por parte do Estado brasileiro.

“O território é o mais importante para nós povos indígenas, nós existimos e a paralização na demarcação representa um dos principais ataques [contra os povos], gerando muita insegurança e violência”, reforça a jovem Guarani Kaiowá, que junto ao seu avô, de 104 anos, lidera o tekoha Guyraroka, no Mato Grosso do Sul.

Além disso, “a tese inconstitucional do marco temporal é outro problema grave”, aponta Erileide.

Conforme esta tese, defendida por setores ligados ao agronegócio, apenas os territórios que os indígenas ocupavam em 1988, data da promulgação da Constituição, seriam reconhecidos como tradicionais, o que é contra o direito internacional e o direito brasileiro há séculos.

O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do caso Xokleng, “tem a oportunidade histórica para reafirmar os direitos constitucionais de ancestralidade”, ressaltou Erileide.

No entanto, o julgamento do caso foi adiado inúmeras vezes, “enquanto nossos povos são dizimados e nossos territórios invadidos”, completa a jovem.

Às delegações presentes na pré-sessão da Revisão Periódica Universal e aos governos estrangeiros, ela pediu que façam recomendações ao Brasil para que restaure e aperfeiçoe as políticas de proteção territorial dos povos indígenas, com a participação efetiva dos povos indígenas, que remedie os casos de impunidade e promova a devida reparações às comunidades e vítimas afetadas.

Dirigindo-se ao Brasil, cobrou que o país se mantenha como signatário da Convenção 169 da OIT e garanta efetivamente o direito dos povos indígenas à consulta prévia, livre e informada; que reconsidere sua posição institucional acerca da Declaração da ONU sobre os direitos indígenas, que o atual governo tem criticado; e que retome e melhore a Política Nacional de Atendimento à Saúde Indígena e o sistema de educação escolar indígena.

Seminário Internacional Democracia e Direitos Humanos no Brasil

Durante a pré-sessão, as entidades do Coletivo RPU estão organizando o “Seminário Internacional Democracia e Direitos Humanos no Brasil: Cenários e Perspectivas” – que ocorrerá em Genebra, no dia 31 de agosto, a partir das 18h de Genebra (13h de Brasília).

Com transmissão online pelas redes sociais das organizações que compõe o coletivo, o evento será aberto à participação da sociedade civil, organizações da cooperação e representantes de órgãos e organismos internacionais.

O Coletivo RPU Brasil é uma coalizão de 31 entidades, redes e coletivos da sociedade civil brasileira e realiza o evento com o objetivo de informar e denunciar à comunidade internacional sobre a realidade Brasil, e também de estimular sinergias para a defesa da democracia e dos direitos humanos no país.

Está previsto ainda, um encontro das entidades do Coletivo RPU com membros e assessores do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos para discutir e apresentar sugestões para o avanço dos direitos humanos no Brasil.

Sobre a Revisão Periódica Universal

A cada quatro anos e meio, o Brasil deve prestar contas sobre a situação dos direitos humanos ao Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, e isso acontece por meio desta Revisão Periódica Universal, um mecanismo internacional que cruza recomendações sobre o tema entre as nações.

A sociedade civil, articulada pelo Coletivo RPU Brasil, monitora esse dispositivo e fez o seu diagnóstico. Os dados são gravíssimos: quase metade (47%) de todas as recomendações ultrapassaram o não cumprimento e estão em retrocesso.

Somando os 34% que estão em constante pendência, chega-se ao total de 80% de pontos descumpridos. Somente 17% dos tópicos estão em implementação, mas parcialmente, e apenas uma das 242 recomendações está sendo, de fato, cumprida.

“Sabemos o quanto o Brasil vem retrocedendo em direitos humanos. Os dados que dão substância à nossa análise já são de conhecimento público. Há dois anos, o Estado brasileiro apresentou dados desatualizados, inclusive referentes a governos anteriores e de organismos que já foram extintos. Esperamos que, desta vez, o Estado pare de negar os fatos e que apresente informações consistentes para debater com a sociedade civil”, disse Fernanda Lapa, diretora-executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), organização que atualmente coordena o Coletivo RPU Brasil.

As 31 entidades, redes e coletivos do Coletivo RPU sistematizaram as orientações feitas ao Brasil e construíram 11 relatórios divididos por temas — povos indígenas e meio ambiente, saúde e vida digna, igualdade e não discriminação de gênero, racismo, entre outros.

Luis Ventura, secretário adjunto do Cimi, destaca a importância dos povos indígenas e das organizações de apoio a causa ocuparem os espaços no sistema ONU.

“Por um lado, essa atuação busca informar a comunidade internacional sobre o que está acontecendo no Brasil e qual é a situação real do povos, territórios e direitos indígenas, mas também ocorre na perspectiva de propor a comunidade internacional, aos espaços e mecanismos das Nações Unidas caminhos concretos”, lista Luis.

Luis Ventura/Cimi

A participação de indígenas faz muita diferença, para que as Nações Unidas possam compreender a situação do Brasil e fazer recomendações ao Estado brasileiro, de modo que, no próximo ciclo de quatro anos, haja efetividade dos diretores dos povos indígenas no Brasil, principalmente dos direitos territoriais, conclui o secretário do Cimi, uma das organizações que compõe o Coletivo RPU-Brasil.

Violência contra os Povos Indigenas no Brasil by Conceição Lemes on Scribd

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